É com muito gosto que aqui estou, neste nosso encontro nacional, para abordar duas questões, o Voluntariado em Bombeiros e a Proteção Social dos Bombeiros, qualquer um destes temas permitia a realização de um encontro de dia inteiro, mas sem perder mais tempo, direi que dá para propor algumas pistas para reflexão e debate.
Voluntariado
Em Portugal, os bombeiros voluntários são atualmente profissionais com outras profissões, pois os restantes são bombeiros profissionais a tempo inteiro, sem estatuto, sem carreira, sem remuneração adequada, sem futuro, e sem perspetiva de mudança.
São sobejamente conhecidas de todos as dificuldades no âmbito do recrutamento de bombeiros ao nível nacional, principalmente nos locais onde existe alguma oferta de trabalho ainda que por vezes sazonal e precária, mas com remuneração superior.
Nas associações humanitárias de bombeiros voluntários, presentemente, os únicos que são verdadeiramente voluntários são os membros dos órgãos sociais. No entanto, o peso inerente às inúmeras responsabilidades, de gestão financeira, recursos humanos, instalações, viaturas, combustíveis, jurídicas, etc., afastam cada vez mais destas organizações, os cidadãos com vontade de, por esta via servir a sociedade.
O desafio cada vez mais difícil de gerir entidades que movimentam, milhares de euros, mas que nem por isso chegam para fazer face à manutenção do socorro à população. Entidades que, recebem do estado cerca de metade do que deviam receber de modo a responder a todas as despesas com que se deparam. Veja-se a diferença significativa entre a contribuição do estado e o valor dos impostos, taxas e contribuições que são pagos pelas associações. Facilmente se chega à conclusão de que, invariavelmente se paga ao estado o dobro daquilo que recebe para exercer uma atividade que compete, pela constituição da república a esse mesmo estado.
Ao longo dos tempos os representantes das associações humanitárias de bombeiros voluntários, têm vindo a reclamar, justamente e com demonstrações tecnicamente bem preparadas a justeza e a necessidade de dotar as Associações e os Corpos de Bombeiros com mais meios e recursos essenciais ao socorro à população. Na minha opinião, tem faltado nesses documentos, um capítulo para a assertividade, onde estejam mencionadas de forma clara e inequívoca as medidas que tomaremos caso não vejamos satisfeitas estas justas reivindicações.
A continuarmos assim, não nos restará dentro de pouco tempo, outra solução que não seja reduzir ao correspondente proporcional a atividade do que é pago pelo governo na prestação de serviço que realizamos. Num passado recente, não seria de todo credível, vermo-nos acomodados a uma realidade em que os serviços de urgência dos hospitais encerram por falta de meios e de recursos. E hoje? Agora. Será tão inverosímil imaginar este modelo aplicado aos bombeiros?
E já nem vou falar de outras questões, que em nada contribuem para o incentivo e participação do voluntariado em Bombeiros com e sem farda, como o valor hora do ECIN, o valor dos vencimentos mensais, do valor dos combustíveis, do tempo e da idade de reforma, do IRS, do IVA, da Segurança Social, do financiamento dos municípios com corpos de bombeiros, do corte miserável de 50% dos subsídios às Associações de Bombeiros dos concelhos onde existem bombeiros sapadores. O facto inexplicável de passar pelas contas do governo o dinheiro proveniente da percentagem dos seguros e da santa casa. Dinheiro que pertence às associações, mas que leva uma eternidade a chegar ao seu legitimo dono, com o único objetivo de engrossar o orçamento da ANEPC, enquanto as associações se debatem com dificuldades financeiras graves! Reais!
É por isso urgente uma discussão séria sobre a organização dos Bombeiros em Portugal e que de uma vez por todas o governo diga o que quer, como quer e quanto está disposto a pagar pelos serviços inestimáveis que as Associações Humanitárias de Bombeiros e os seus Corpos de Bombeiros prestam na defesa e proteção da população, dos animais e ao ambiente.
Em simultâneo, quem protege precisa igualmente de proteção, nomeadamente ao nível social.
Proteção Social
Em Portugal, os bombeiros dispõem de um conjunto de medidas e legislação que garantem a sua proteção social, bem como dos seus familiares. Estas medidas visam garantir a segurança no desempenho das suas funções, bem como o direito a uma proteção adequada em caso de acidente ou doença.
O seguro de acidentes pessoais, sendo uma das principais medidas de proteção social dos bombeiros, cobre os riscos inerentes ao desempenho da atividade de bombeiro. Este seguro, sendo pago pelos municípios, tem os valores mínimos estabelecidos por portaria do governo, ouvida a Associação Nacional de Municípios. Se não é o governo que paga porque não são aumentados os valores mínimos das coberturas de modo a permitir aos bombeiros e suas famílias uma sobrevivência mais digna em momentos de adversidade?
Sabemos que, quando se esgota o valor das coberturas e noutra situações sociais, os bombeiros têm à sua disposição o acesso ao Fundo de Proteção Social do Bombeiro, também criado por Portaria.
Temos vindo a assistir à evolução crescente do recurso a este fundo, gerido pela Liga dos Bombeiros Portugueses, quer na diversificação do tipo de apoios requeridos, quer o número de bombeiros apoiados. No entanto, uma vez mais, o financiamento não tem sido proporcional, pelo que, é urgente que se proceda a uma atualização realista e que o pagamento seja efetuado através de uma única tranche nos primeiros dias de cada ano e não em duodécimos que chegam sempre tarde e a más horas.
Perante esta realidade e apesar de existirem estas medidas, importa salientar, o elevado número de bombeiros que considera a proteção social ainda insuficiente. É insuficiente na medida em que, estes homens e mulheres se veem confrontados diariamente, com desafios e dificuldades no acesso a tratamentos de saúde e na concessão de apoios sociais. Esta realidade poderia facilmente ser mitigada através do reconhecimento da profissão de bombeiro como uma profissão de desgaste rápido, com aumento das indemnizações por invalidez e morte, a redução da idade de reforma e o pagamento do tempo de serviço por parte do estado para efeitos de reforma.
Poderia aqui referir outras medidas de apoio que não tendo enquadramento na Proteção Social, constituem incentivos ao voluntariado no âmbito dos bombeiros. E nesta matéria como noutras, são as autarquias locais que se apresentam como verdadeiros parceiros das associações humanitárias, sem as quais e salvo pouquíssimas exceções, muitas das associações já tinham encerrado a sua atividade.
Para terminar volto a sublinhar que é urgente uma discussão séria, abrangente e conclusiva, que permita garantir uma nova organização para os bombeiros e para o socorro no nosso país. O ser humano é por natureza resistente à mudança, mas a mudança preconiza/antecede a evolução e se não formos nós a mudar outros o farão por nós, e tantas vezes com decisões que nos levam mais para o passado do que para o futuro.