Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Encontro Nacional do PCP «Do papel e política do Estado aos meios necessários. Uma outra política de Protecção Civil»

É preciso e é possível uma política que aposte na prevenção e que dote o País dos meios adequados e eficazes de Protecção Civil

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Só com a caracterização rigorosa das dificuldades e desafios que se nos colocam estaremos em condições de definir as estratégias para uma política de Protecção Civil que, integrada no desenvolvimento económico e social do País, garanta efectivamente a segurança das populações.

Foi este um dos objectivos deste Encontro e, tendo em conta as intervenções  que aqui vieram, creio que o concretizámos com sucesso.

Permitam-me que sublinhe uma ideia aqui hoje muito evidente. A importância da Protecção Civil vai muito para além dos incêndios rurais. Os incêndios urbanos, cheias, sismos, orla marítima, seca, desastres industriais e fenómenos inesperados constituem também preocupações da Protecção Civil aos diversos níveis, veja-se o importante papel dos agentes de Protecção Civil durante a epidemia.

Hoje é muito evidente a centralidade da Protecção Civil face a catástrofes e fenómenos extremos.

Uma centralidade ligada à necessária inversão de opções erradas, como são o uso intensivo dos solos, o crescimento industrial e urbano desordenado, o abandono rural e a desertificação.

A segurança das populações está profundamente ligada à valorização do interior, ao investimento e abertura de serviços públicos, desenvolvimento ordenado do território, apoios à agricultura, incentivo à fixação de populações, reforço dos transportes públicos e outras medidas que impactem directamente no ambiente e protejam os interesses do povo.

A segurança das populações e a Protecção Civil passam necessariamente também por uma outra política que coloque como elemento estratégico a prevenção.

As catástrofes e fenómenos extremos, mesmo tendo um alto grau de  imprevisibilidade, podem e devem ser prevenidos e minimizados.

A catástrofe de 20 de Fevereiro de 2010 na Madeira e os dramáticos incêndios de 2017 desencadearam uma ampla discussão na sociedade portuguesa sobre o que falhou.

E falhou de facto muita coisa, mas o grande falhanço foi a política de sucessivos governos que conduziram o País ao desordenamento florestal e territorial, e à falta de prevenção.

Acontecimentos com particular gravidade, mas que não são caso isolado.

Ninguém pode prometer que situações dramáticas como as ocorridas nunca mais e em nenhuma circunstância voltam a acontecer.

Mas isso não significa que não se devem adoptar as medidas que os previnam e enfrentem os problemas concretos com vista à sua superação, desde logo no urgente reforço de meios financeiros, técnicos e humanos que continuam aquém do necessário.

É preciso acabar de vez com o sacudir de responsabilidades do Estado para os municípios e para os Bombeiros, sem a transferência dos meios necessários a essas responsabilidades.

É preciso pôr fim aos negócios, atrasos e confusões nos processos de contratação de meios aéreos.

É preciso reforçar verbas, clarificar as necessidades concretas para os fundos do PRR. É preciso regulamentar o direito à carreira e especificidades dos vários profissionais dos diferentes sectores da Protecção Civil.

É preciso uma estratégia que não dependa, tal como hoje acontece, da União Europeia. Uma situação bem patente na nova Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, uma lei concebida apenas a pensar no acesso a fundos europeus e que a reboque acabou com as estruturas distritais existentes, consagrou a crescente militarização do sistema e insiste na subalternização dos Bombeiros.

Bombeiros que garantem a presença de proximidade e assumem mais de 95% das missões de socorro no País.

Este é o momento de relembrar que não há muito tempo e com o PS em minoria foi possível aprovar, entre outras medidas, o reforço de 7 milhões de euros no apoio a associações humanitárias de bombeiros voluntários face ao impacto da epidemia; consagrar o reembolso das despesas adicionais e o pagamento de serviços efectuados e o vencimento de todas as dívidas; rever o protocolo entre as associações humanitárias de bombeiros, o INEM e a Autoridade Nacional Emergência Protecção Civil, e melhorar os valores e condições de cobertura dos seguros de acidentes pessoais e de trabalho.

Conquistas importantes e que só não foram mais longe, nomeadamente no acesso ao gasóleo verde, porque o PS votou contra e o PSD se absteve, numa medida necessária para o abastecimento dos veículos dos corpos de bombeiros de que não abdicamos e em que vamos insistir.

Se dúvidas houvessem, aqui estão exemplos concretos que demonstram a necessidade do reforço do PCP também nas instituições.

É preciso e é possível uma política que aposte na prevenção e que dote o País dos meios adequados e eficazes.

Que leve em linha de conta a Protecção Civil no planeamento e ordenamento do território e urbanístico.

Que se pense e execute o tão necessário Planeamento Estratégico Civil de Emergência.

Que aplique a Lei de Bases da Política Florestal e que avance com a reflorestação das áreas ardidas.

Que dote as áreas protegidas dos adequados meios de vigilância, socorro e combate a incêndios.

Que envolva os agentes da Protecção Civil e as populações no debate sobre a legislação, nomeadamente a alteração da respectiva Lei de Bases.

Que crie condições aos municípios, dotando-os dos meios financeiros e de recursos humanos qualificados.

Que tome medidas de valorização e dignificação dos profissionais.

Que desmilitarize as lideranças e aposte no recrutamento de quadros com formação específica.

É necessário valorizar os Corpos de Bombeiros Voluntários, consagrando incentivos e benefícios efectivos, de natureza pessoal e familiar, actualizando  os valores de seguros de acidentes pessoais.

Como há muito defendemos, é necessária a aprovação de outra Lei de Financiamento das Associações Humanitárias de Bombeiros.

Medidas que exigem, também ao nível do Orçamento do Estado, opções concretas.

Ora, o problema com que estamos confrontados é que a proposta de OE de 2024, amarrado que está às imposições da União Europeia, faz opções contrárias àquelas que são visivelmente necessárias.

A proposta de Orçamento do Estado para 2024 não responde aos problemas do País e contribui objectivamente para o seu agravamento.

Limita a valorização dos salários e das pensões, trava o urgente investimento público, prossegue a degradação dos serviços públicos, mantém e acentua o problema da habitação e, como se não bastassem, acrescenta ainda mais privilégios ao grande capital.

Um orçamento e uma opção apostada nas privatizações, esse crime económico que está em curso. As razões invocadas pelo Presidente da República para o veto do diploma de privatização da TAP são, em si mesmo, a confirmação de um caminho desastroso, de um crime económico e político.

A única forma de garantir que a TAP cumpre e responde ao interesse público, a única forma de salvaguardar os direitos dos seus trabalhadores, a única forma de a TAP contribuir para a soberania e desenvolvimento do País, a única forma de cumprir estes requisitos é a TAP se manter uma empresa pública, mas com uma gestão pública e de serviço público.

É uma proposta que encaixa na propaganda vendida pelo Governo mas completamente oposta à realidade da vida, à realidade do País, à realidade que todos os dias os trabalhadores e o povo sentem.

Crescente injustiça e desigualdades, é este o resultado de uma política que PS com o apoio de PSD, CDS, Chega e IL promovem e ampliam e que se expressa também na proposta de Orçamento.

Mas enquanto a larga maioria é empurrada para o empobrecimento, há quem esteja bem e muito bem, que o diga o grande capital.   
Damos combate e denunciamos o conteúdo do Orçamento, mas tal como a situação impõe, avançamos as respostas e as soluções necessárias, tal como já fizemos com a apresentação do primeiro conjunto de 12 propostas divulgadas esta semana.

Respostas aos problemas urgentes e concretos, propostas que, inserindo-se no debate do OE para 2024, estão para lá dele, e sublinham a exigência uma outra política.

Propostas para combater o aumento do custo de vida, nomeadamente de quem trabalha e de quem trabalhou uma vida inteira, aumentar salários; valorizar as pensões e reformas; fixar e reduzir os preços dos combustíveis e dos alimentos; reforçar os direitos sociais, nomeadamente na saúde, na educação, na protecção social, mas também reforçar as condições de trabalho das forças de segurança.

Propostas que travem o desmantelamento em curso do SNS, que avancem na criação do regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente aos médicos e enfermeiros com a majoração em 50% da remuneração base mensal.

Esta é uma medida urgente, que fixa profissionais, garante a realização de consultas, cirurgias e tratamentos e exames.

Propostas que avancem de forma decisiva para a necessária justiça fiscal. Quando por aí se fala em impostos em abstracto, para ver como servir o grande capital, o PCP avança com o alívio da tributação sobre os trabalhadores, os reformados e as micro, pequenas e médias empresas, e com a tributação efectiva dos lucros dos grupos económicos e das grandes fortunas.

Propostas necessárias e possíveis de concretizar, haja vontade política para isso.

São propostas que rompem com as opções do Governo de maioria absoluta do PS, e confrontam a demagogia de PSD, CDS, CH e IL e com as suas opções reaccionárias. Opções sempre justificadas pelos dogmas e imposições da UE e do Euro.

Mas até esta justificação esbarra na realidade. Mesmo com o nível de despesa presente no Orçamento era possível aumentar os salários, as pensões e o investimento. Com uma redistribuição mais justa era possível melhorar o nível e a qualidade de vida dos trabalhadores da Função Pública e portanto também a sua motivação e aumentar o investimento nas funções sociais do Estado, designadamente na saúde, no ensino e também na habitação.

A despesa é a que é, por opção e submissão a diferentes interesses.

Mas a verdade, é que mesmo com o nível de despesa inscrito no Orçamento, isto é, mesmo com as ditas “contas certas” do Governo, era possível e era necessária uma redistribuição mais justa do Orçamento.

Isso exigia, lá está, outra política fiscal.

Isso exigia, lá está, uma opção por certo tipo de despesa.

Quando se propõe entregar 1600 milhões de euros, mais 200 milhões daquilo que foi entregue neste ano, em benefícios fiscais no fundamental às grandes empresas, isto é uma opção por certo tipo de despesa.

Quando se gasta qualquer coisa como 1265 milhões de euros, mais 200 milhões do que em 2023, em encargos com parcerias público-privadas é uma opção por certo tipo de despesa.

Quando se transfere para o sector privado da doença mais de 8 mil milhões de euros, mais de metade do Orçamento para o SNS, lá está, é uma opção por certo tipo de despesa.

Como se vê, as opções do Governo dizem-nos que a manta é curta, mas quem fica sempre destapado são os trabalhadores e o povo.

É ver o inaceitável aumento do IUC, mais uma vez a recair sobre quem tem mais dificuldades. É ver ainda esse mais silencioso truque de por via do pagamento de sacos e embalagens ir buscar outro tanto a somar ao IUC.

É ver um secretário de Estado já a falar em alterações futuras nos critérios do IMI.

O aumento do IUC vai ser eliminado, o Governo vai ter de recuar nesta injusta medida, mas ao fazê-lo, e vai fazê-lo, não se iliba de sustentar um Orçamento de profunda injustiça fiscal.

As contas certas deles, o orçamento deles, tal como a restante política do Governo, segue em toda a linha os interesses dos grupos económicos, interesses que PS, mas também PSD, Chega, IL e CDS, abraçam como seus.

Também na Protecção Civil, esta proposta de Orçamento do Estado fica aquém do necessário, como aqui bem ficou ilustrado.

Não é isto que serve as populações, não é este caminho que valoriza os agentes, o trabalho e empenho da Protecção Civil.

As conclusões que aqui tirámos, as intervenções que aqui foram feitas, os contributos que aqui se expressaram correspondem à realidade, correspondem às dificuldades que se expressam no terreno todos os dias, correspondem às tristezas mas também às alegrias de quem salva, de quem protege, de quem age pelo bem comum.

Quem está ligado à realidade, conhece e sente a vida tem a razão do seu lado.

Vamos então com essa razão que temos, vamos então com as propostas que temos e que são as que correspondem às necessidades, vamos então com confiança e audácia, falar, esclarecer, tomar a iniciativa para ampliar a consciência de que é necessária uma política alternativa, que essa política é possível com a luta de todos e o reforço do PCP.

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