Do papel e política do Estado aos meios necessários. Uma outra política de Protecção Civil

Resolução do Encontro Nacional do PCP sobre Protecção Civil

As catástrofes e calamidades têm uma multiplicidade de causas, entre elas, uma inadequada relação do homem com o meio físico circundante.

Factores como o uso intensivo dos solos, o crescimento industrial e urbano desordenado, o abandono rural, a desertificação, as frequências da ocorrência de fenómenos climáticos extremos, entre outros, tornam os países e regiões mais vulneráveis a catástrofes, quer naturais quer provocadas pelo homem.

As catástrofes naturais e, por maioria de razão, as que são provocadas pelo homem podem e devem ser prevenidas.

A prevenção, cujo objectivo principal é, desde logo, proteger e salvaguardar vidas humanas, a segurança e a integridade física das pessoas, o ambiente, as infraestruturas económicas e sociais, incluindo habitações e património cultural, deverá constituir uma etapa cada vez mais importante do ciclo de gestão de catástrofes, com destaque para a identificação dos elementos de risco e medidas para a sua eliminação e, ou menorização dos seus efeitos, adquirindo uma relevância social crescente.

A protecção civil é uma questão central para a segurança das populações e para o desenvolvimento económico e social do país.

Entretanto importa ter presente que protecção civil implica uma relação harmoniosa entre as suas múltiplas dimensões: prevenção, mitigação, socorro e recuperação.

Quando falha a prevenção ou esta não consegue resolver, sobra para a emergência e o socorro.

O Encontro Nacional do PCP sobre Protecção Civil, realizado em 28 de outubro de 2023, no Auditório dos Bombeiros de Sacavém, tem como objectivos:

  • Caracterizar a situação actual da Protecção Civil, no País;
  • Apresentar o projecto alternativo do PCP para a Protecção Civil;
  • Definir estratégias de intervenção do Partido.

I. Apreciação crítica da actual situação

Ao longo dos anos, com a política de direita, a Protecção Civil nunca mereceu dos diversos governos a atenção, o financiamento e os meios que deveria ter.

Falta uma política que aposte na prevenção e na educação e ponha fim à ausência de políticas efectivas de prevenção dos riscos ao nível dos incêndios, cheias, sismos e outros riscos a que o território nacional está exposto.

Não temos a população informada e preparada para situações de catástrofe e calamidade.

Há debilidades no Planeamento Civil de Emergência que deve planear cenários de resposta, articulação e garantir redundâncias sobre áreas vitais ao funcionamento do Estado e da sua resposta em situações de crise séria. Não estão garantidas reservas alimentares básicas, de água, de combustíveis, etc, que garantam o abastecimento de emergência à população durante um determinado período, em face de uma catástrofe que ocorra ou em face de um acontecimento internacional que interrompa circuitos de abastecimento normais. Vimos com a pandemia como debilidades vieram à tona – debilidades em seringas, em ventiladores, etc.

Persiste a orientação de militarização do Sistema de Protecção Civil.

Persiste o sacudir responsabilidades operacionais para as Câmaras Municipais e para os Bombeiros, sem transferência dos meios financeiros necessários.

A actividade da ANEPC - Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil - como já acontecia antes com a Autoridade Nacional de Protecção Civil, o Serviço Nacional de Bombeiros e com o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, tem vindo a ser sistematicamente centrada nos fogos florestais, desvalorizando os demais riscos.

A nova Lei Orgânica da ANEPC, que o PCP contesta, acabou com as estruturas distritais existentes, foi concebida principalmente a pensar no acesso a fundos europeus, e insiste na subalternização dos Bombeiros, apesar destes assegurarem uma presença de proximidade como mais nenhuma outra força e garantirem mais de 95% das missões de socorro no país.

A Protecção Civil tem sido bastante prejudicada por ainda não terem sido criadas as Regiões Administrativas.

A ANEPC em vez de querer comandar os bombeiros deveria estar empenhada na coordenação entre os vários agentes e na organização de funções essenciais de apoio operacional, nomeadamente a logística (alimentação, abastecimento de combustíveis incluindo para os meios aéreos, abastecimento de água para o combate, na protecção da vida e dos bens, incluindo a evacuação das populações).

O governo PS não tem trabalhado na democratização da Protecção Civil, não envolve no debate sobre esta matéria, todos os agentes e entidades interessadas.

Apostou em pessoal, verbas e meios para a GNR, cuja missão poderia ser assumida pela Força Especial de Protecção Civil, evitando assim sobreposições e desviar a GNR da sua principal missão no quadro da Segurança Interna.

Criou a AGIF, as Comissões Regionais e as subcomissões, que fazem planeamento para os Municípios executarem.

Verifica-se uma total confusão nos processos de contratação de meios aéreos para as missões de proteção civil, com particular destaque para o Dispositivo de Combate a Incêndios Rurais, com atrasos sistemáticos do planeamento e contratação dos referidos meios.

Quanto ao PRR, o Governo não procedeu a um criterioso levantamento de necessidades, no domínio do reequipamento dos Corpos de Bombeiros, e não concedeu à protecção civil o nível de prioridade consentâneo com as necessidades de investimento de que o sistema carece, no quadro das responsabilidades que lhes estão atribuídas na protecção e defesa de pessoas e bens.

É com preocupação que constatamos que, na União Europeia, orçamento após orçamento, se vai cortando nas verbas para a coesão, de onde saem os recursos para este fim. E os meios são poucos para fazer face a catástrofes que podem assolar mais do que um país.

A situação dos recursos humanos, designadamente dos profissionais dos diferentes sectores da Protecção Civil, carece de regulamentação específica e urgente que defina e melhore as respectivas carreiras, tabelas remuneratórias, estatutos sociais e formação.

II – A Protecção Civil que o país precisa

As catástrofes naturais são impossíveis de evitar, mas os seus efeitos podem ser atenuados.

Precisamos de uma Protecção Civil que prepare o país e os portugueses para as situações de risco e antecipe a sua identificação. Que privilegie a prevenção e dote o país de meios de emergência e socorro adequados e eficazes.

Os desafios contemporâneos impõem um sistema de protecção civil inovador, moderno e suportado num pensamento estratégico.

As políticas de ordenamento do território, de respeito pela natureza e recursos naturais, designadamente quanto à ocupação dos solos e ao urbanismo são fundamentais na prevenção ao risco de catástrofes.

Deste modo, urge:

1. Integrar a Protecção Civil como elemento obrigatório dos diferentes instrumentos de planeamento e ordenamento do território e urbanístico, designadamente o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT's) e Planos Diretores Municipais (PDM's);

2. Promover uma acção permanente de sensibilização e informação sobre a identificação e redução de riscos, junto das populações;

3. Integrar a Protecção Civil nos currículos de todos os níveis de ensino e nas actividades extra - curriculares, designadamente no Ensino Básico;

4. Promover a cabal aplicação da Lei de Bases da Política Florestal e assegurar a reflorestação ordenada das áreas ardidas;

5. Dotar as áreas protegidas, em particular as que têm área florestal, dos adequados meios de vigilância, socorro e combate aos incêndios florestais e a outros acidentes;

6. Direccionar e rentabilizar recursos financeiros de programas comunitários, de forma convergente, para o desenvolvimento da política nacional de Protecção Civil;

7. Assegurar uma ampla participação de todos os agentes da Protecção Civil e da população em geral, num debate público sobre a adequação da legislação, e respectiva regulamentação, alargando o debate para além dos grupos de trabalho constituídos junto do Governo;

8. Actualizar a legislação direccionada para a prevenção e combate aos Riscos Tecnológicos, designadamente nas empresas e nos grandes complexos industriais e zonas envolventes;

9. Promover a alteração da Lei de Bases da Protecção Civil, antecedendo o processo legislativo de um amplo e participado debate quanto ao modelo de sistema que a referida lei deverá reflectir.

III. O Sistema que propomos

O Sistema de Protecão Civil que propomos, subordina-se a uma visão integrada de políticas públicas, com a seguinte orientação:

1. Garantir a equidade e coesão territorial;

2. Integrar a Protecção Civil como elemento obrigatório dos diferentes instrumentos de planeamento e ordenamento do território e urbanístico, designadamente o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT's) e Planos Diretores Municipais (PDM's);

3. Adoptar uma estratégia política consistente, alicerçada num conceito estratégico de protecção civil, implicando necessariamente:

3.1. Reforçar os meios financeiros dos municípios para que possam fazer face às exigentes competências no domínio da política de protecção civil e de reestruturação dos respectivos serviços municipais, nomeadamente dotando-os de recursos humanos qualificados;

3.2. Promover estratégias de envolvimento da população na construção da sua resiliência, nomeadamente através da criação de Unidades Locais de Protecção Civil;

3.3. Definir uma consistente informação pública sobre os riscos identificados no território e de noções de autodefesa;

3.4. Dinamizar uma reorganização do sector operacional dos Bombeiros, enquanto pilar do Sistema de Protecção Civil, instituindo um modelo que progressivamente garanta a constituição de uma estrutura específica de Comando, no contexto do serviço ou agência que tenha por missão a coordenação do sistema;

3.5. Instituir medidas de valorização e dignificação dos profissionais ao serviço do sistema, nomeadamente os Bombeiros, os Sapadores e os Técnicos de Protecção Civil;

3.6. Apoiar o investimento em investigação aplicada no domínio da gestão de riscos, entre outros.

4. Desmilitarizar as lideranças e consequente aposta no recrutamento de quadros com formação específica, nos domínios multidisciplinares que caracterizam a função Protecção Civil;

5. Reorganizar a matriz operacional do território, subordinado à tipificação do risco e consequente afectação de recursos humanos, materiais e de equipamento, necessários ao cumprimento das missões, particularmente dos Corpos de Bombeiros, ao nível regional, municipal e local;

6. Democratizar a Protecção Civil, valorizando a acção dos diferentes agentes e instituições, designadamente os Bombeiros de Portugal, a sua Confederação (Liga de Bombeiros Portugueses) e as Autarquias Locais;

7. Promover estudos científicos, com o objectivo de incorporar mais e melhor conhecimento no processo de decisão, a todos os níveis do sistema.

8. Promover a permanente actualização dos planos emergência, designadamente ao nível regional e municipal, testando a capacidade de resposta dos agentes e dos serviços, bem como envolvendo as populações, tanto no território do Continente como nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, atendendo às especificidades de risco de cada território.

9. Melhorar a coordenação entre as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira com a ANEPC, atendendo às realidades muito específicas resultantes da sua insularidade e morfologia no que respeita aos riscos e ao respectivo Sistema Regional de Protecção Civil;

10. Transferir a Emergência Médica e a competência do Socorro, vigilância e salvamento nas praias para a Protecção Civil, no âmbito de um novo modelo de sistema integrado de Protecção Civil.

IV – As medidas necessárias

1. União Europeia (UE)

Reforçar as verbas do Orçamento da UE alocadas às medidas de resposta a catástrofe que ocorram nos vários países membros.

Criar módulos de equipas de intervenção especializada, devidamente certificadas, para actuarem em situações de catástrofe e apoio às estruturas locais.

Adoptar medidas que se traduzam numa maior eficácia e eficiência do Sistema Europeu de Protecção Civil, capacitando-o para responder cabalmente, quando solicitado o seu apoio.

2. Autarquias

Transferir verba do Orçamento do Estado (OE) para as autarquias que lhes permitam assumir plenamente as competências e responsabilidades que lhes estejam atribuídas, em condições de igualdade, no contexto da respectiva matriz de risco.

Gerir e mitigar o risco através de normas inseridas em instrumentos de planeamento e gestão do território, nomeadamente no âmbito dos Planos Directores Municipais (PDM), com o objectivo de corrigir práticas erróneas que potenciam o risco.

Incentivar a criação de Centrais Municipais de Operações de Socorro (CMOS), nos municípios com mais do que um corpo de bombeiros.

Considerar a articulação entre entidades no que respeita à gestão das praias e do salvamento a banhistas nas praias marítimas, fluviais e lacustres, agora da competência das autarquias.

3. Bombeiros

a) Aprovar uma Lei de Financiamento das Associações Humanitárias de Bombeiros (AHB), enquanto entidades detentoras de Corpos de Bombeiros, garantindo deste modo a devida sustentabilidade para a sua missão, a remuneração salarial justa, e o seu desenvolvimento e consolidação futura.

b) Proceder à profissionalização dos Corpos de Bombeiros Voluntários, através da reorganização e reforço da rede de Equipas de Intervenção Permanente (EIP), dotando-as de estatuto e financiamento, que permita assegurar a primeira intervenção numa cobertura das 24 horas do dia, nos sete dias da semana.

c) Apostar estrategicamente na promoção do voluntariado nos Corpos de Bombeiros, enquanto estrutura de reforço à resposta operacional dos mesmos, atribuindo aos bombeiros voluntários incentivos que materializem benefícios efectivos, de natureza pessoal e familiar.

d) Actualizar os valores de seguros de acidentes pessoais que cobrem os riscos inerentes à função de bombeiro.

e) Valorizar o estatuto e carreira dos Bombeiros Profissionais dos Corpos de Bombeiros detidos por municípios.

f) Criar o estatuto e promover a formação dos dirigentes voluntários das AHB, para melhoria dos padrões de gestão destas importantes instituições de serviço público.

g) Dinamizar formas de cooperação entre as AHB, visando a plena rentabilização dos recursos de que dispõem.

h) Instituir o combustível de emergência, isento de IVA, para abastecimento dos veículos dos corpos de bombeiros.

i) Criar o Comando Nacional Autónomo dos Corpos de Bombeiros, no contexto da alteração da Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC).

4. Forças Armadas

Clarificar o papel das Forças Armadas no Sistema de Protecção Civil, atribuindo-lhe uma missão supletiva de apoio, nos termos da Constituição da República Portuguesa.

O papel supletivo que as Forças Armadas podem desempenhar no sistema de Protecção Civil deve ter sempre na Autoridade Nacional competente o centro dirigente.

Clarificar o papel da Autoridade Marítima.

As Forças Armadas podem ter especial papel a desempenhar no Planeamento Civil de Emergência.

5. Forças de Segurança

a) Transferir a médio prazo as competências no combate a incêndios, da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro (UEPS) da GNR, para a Força Especial de Procteção Civil (FEPC), alocando os respetivos recursos humanos às missões policiais, atribuídas a esta força de segurança.

b) Aperfeiçoar os mecanismos de coordenação com as forças de segurança, em caso de incêndio ou outras calamidades, designadamente na circulação de viaturas e pessoas e na segurança publica.

c) Deve potenciar a capacidade de assumir responsabilidades no combate à criminalidade ambiental e na vigilância preventiva.

d) Reconstituir o corpo de guardas-florestais, retirando-os do SEPNA da GNR.

6. Aprovar uma Lei de Programação de Equipamentos e Infraestruturas de protecção civil e criar um programa transparente de renovação de equipamentos.

7. Recursos Humanos

a) Criar estatuto e carreiras profissionais, dignamente remuneradas, para os técnicos inseridos nos serviços nacional, regionais e municipais de protecção civil, bem como para os bombeiros inseridos em corpos de bombeiros de qualquer natureza e de outros agentes de protecção civil.

b) A formação contínua é absolutamente necessária para o bom desempenho no exercício das suas missões.

8. Meios Aéreos

a) Dotar as missões de protecção civil, designadamente as de busca e salvamento, combate a incêndios rurais, evacuação de doentes e sinistrados e outras, do necessário apoio aéreo, com aeronaves de propriedade e gestão pública, capazes de responder prontamente, onde e quando forem requisitadas em qualquer ponto do território nacional e ao longo de todo o ano.

b) O Estado deve programar a aquisição progressiva de meios aéreos e os contratos serem desenvolvidos pela ANEPC.

c) Estudar e planear a localização de centros de meios aéreos de acordo com as necessidades de prontidão.

d) Devem ser considerados todos os aeródromos disponíveis, com as condições técnicas e humanas adequadas às necessidades do dispositivo, incluindo as bases da Força Aérea.

e) Em actividade suplementar necessária da Protecção Civil, se necessário, deve haver recurso às aeronaves e outros meios da Força Aérea.

9. SIRESP

Continuar a investir na actualização e consequente melhoria da rede SIRESP, avaliando em contínuo a sua eficácia e eficiência.

Garantir alternativa credível e eficaz em caso de a rede ser afectada.

V – Medidas imediatas

1. Propor a realização de um Debate na AR sobre a Protecção Civil que o país precisa;

2. Aumentar para 52 Milhões de euros a verba do OE de 2024 de suporte ao financiamento previsto na Lei 94/2015;

3. Eliminar a norma, prevista no nº 6 do artigo 4º da Lei 94/2015, que impede cada AHBV de ter uma variação positiva do financiamento superior a 10% com reporte ao montante atribuído no ano precedente;

4. Inserir no OE 2024 verba a transferir para as Câmaras Municipais que assegure a sustentabilidade do dispositivo de protecção civil municipal, incluindo a efetiva estruturação dos SMPC de acordo com a Carta de Risco de cada Município;

5. Utilizar os fundos do PRR para investimento no sistema de Protecção Civil, nomeadamente quanto ao reforço de meios humanos e de equipamento nos corpos de bombeiros;

6. Garantir aos Bombeiros o combustível de emergência, isento de IVA;

7. Apoiar com 70 milhões de euros as obras de manutenção e requalificação em quartéis;

8. Disponibilizar 30 milhões de euros para retirada do fibrocimento dos quartéis dos bombeiros;

9. Apoiar em 660 mil euros a revisão/manutenção das auto-escadas;

10. Revisão do protocolo entre as AHBV e o INEM e a ANEPC de modo a contemplar os valores que cubram de modo integral os custos efetivos dos serviços prestados e do equipamento e materiais utilizados;

11. Melhoria dos seguros de todos os agentes de protecção civil;

12. Promover uma jornada de divulgação das conclusões do Encontro Nacional e das propostas para o OE 2024, junto dos bombeiros e dos outros agentes de protecção civil.

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