Intervenção de Gonçalo Fusco, Encontro Nacional do PCP «Do papel e política do Estado aos meios necessários. Uma outra política de Protecção Civil»

A Força Especial de Protecção Civil

A Força Especial de Protecção Civil

Bom dia camaradas e amigos do Partido Comunista Português.

A Força Especial de Protecção Civil é um corpo de intervenção especializado na área da protecção civil, integrado na estrutura da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil cuja origem remonta a 2005 na sequência de uma estratégia de combate aos incêndios rurais em que foram criadas as brigadas helitransportadas de ataque inicial. Entre 2005 e 2007, esses profissionais, apesar de desempenharem funções para ANEPC, encontravam-se vinculados às Associações Humanitárias detentoras de Corpos de Bombeiros com um vínculo precário.

Posteriormente, em 2007 foi criada a Força Especial de Bombeiros, onde esses profissionais foram integrados, ao abrigo de uma situação contratual que se serviu da barriga de aluguer da Escola Nacional de Bombeiros aprofundando a precariedade em que se encontravam que não previa a progressão da carreira. Entre o período de 2007 a 2023, esses trabalhadores acumularam períodos sazonais de grande empenhamento operacional que eram compensados por intermédio de um banco de horas pornográfico e ilegal quando a tutela prescindia desse empenhamento. Um enorme esquema que perdurou de forma a que o Estado se esquivasse ao pagamento do trabalho extraordinário.

Após mais de uma década de reivindicações para verem a sua situação contratual resolvida e estabilizada, e aproveitando a conjuntura especial de uma maioria parlamentar onde o PCP foi fulcral na melhoria das condições de vida dos portugueses; ao abrigo do Programa de Regularização dos Trabalhadores que desempenhavam funções para o Estado Português em condições precárias (PREVPAV), esses mesmos trabalhadores foram integrados nos quadros da ANEPC dentro de uma carreira especial de Sapador Bombeiro.

Esta força conta actualmente com diversos núcleos especializados, que vão desde os diversos grupos de combate a incêndios florestais, um grupo de análise e uso de fogo que sustenta a tomada de decisão à cadeia de comando nacional, uma brigada no plano aquático de mergulhadores, uma brigada de logística, uma brigada mecanizada de uso de máquinas de rasto, uma brigada de resgate em montanha e uma brigada de aeronaves não tripuladas (vulgo drones).

Esta força encontra-se implantada em diversas bases distribuídas pelo território nacional: Moura, Estremoz, Portalegre, Almeirim, Montijo, Castelo Branco, Sobreira Formosa, Trancoso, Valezim, Unhais da Serra, Guimarães e Famalicão.

Dada a sua relevância operacional e especialização em operações de socorro, conta com diversas missões em território nacional continental e ilhas, e ainda em missões internacionais, como: Chile, Canadá, Moçambique, Haiti e Espanha, onde dando resposta aos pedidos do mecanismo europeu de protecção civil, tem vindo a responder em auxílio às populações em momentos de grande crise criando a estabilização de diversas zonas de sinistro.

Apesar de toda esta importância no sistema de protecção civil português, coexistem e perduram diversos problemas laborais que colocam em risco a existência desta força e que determinam a desvalorização profissional dos seus trabalhadores.

A última recruta efectuada que permitiu o ingresso de mais profissionais na FEPC, foi elaborada em 2014 e esteve restringida à entrada de apenas 28 elementos. Este facto potenciou para níveis extremos a idade média dos seus operacionais que neste momento se encontra acima dos 40 anos, o que é nocivo e perverso numa força especial que operacionaliza o socorro.

Devemos questionar… qual o corpo de bombeiros que sobreviveria sem novos ingressos durante uma década?

Que empresa conseguiria fazer face às inúmeras solicitações sem contratar novos trabalhadores durante dez anos?

Situações como esta, empurram os operacionais desta força para uma taxa de esforço inimaginável durante certos períodos de empenhamento do dispositivo de combate a incêndios. Apesar do actual vínculo à administração pública e do ingresso na carreira de sapador bombeiro, existem operacionais que chegam ao final do dispositivo com 600 horas a mais de trabalho efectuado para além da carga horária permitida por lei.

A agravar esta situação, não foram pagas a totalidade das horas de trabalho suplementar do dispositivo do ano transacto, e não foram pagas a totalidade das horas de trabalho suplementar do dispositivo do ano presente.

Apesar dos esforços empreendidos pelo sindicato perante a ANEPC e a tutela para a elaboração de um acordo colectivo de trabalho consistente que preveja a regularização de todas estas situações, esses actores recusam-se insistentemente à negociação, empurrando os seus trabalhadores para um banco de horas ilegal e inexistente perante a lei porque extravasa em centenas de horas o limite permitido e impede os tempos de descanso minimamente aceitáveis entre as diversas operações de socorro.

Muitas destas dificuldades dos trabalhadores desta força, são similares a todos os bombeiros do país que estão integrados na carreira de sapador bombeiro, uma vez que as interpretações jurídicas acerca do estatuto de disponibilidade permanente desta carreira, não permitem o pagamento de horas extraordinárias porque se assume que todo esse trabalho suplementar estará à partida incluído no salário base.

Perante isto, o governo na passada quinta-feira dia 26 de Outubro, em reunião de conselho de ministros, determinou ser admissível o pagamento das horas de trabalho suplementar aos bombeiros profissionais da administração local, esquecendo porém que os operacionais da Força Especial de Protecção Civil, dependem da administração central, uma vez que são os únicos sapadores bombeiros que não estão agregados ao poder local.

Curiosamente, falamos dos trabalhadores desta carreira que acumulam o maior número de horas extraordinárias de serviço operacional, uma vez que nos momentos mais críticos do dispositivo chegam a efectuar cargas horárias mensais de 400 horas.

Perante isto e apesar da inclusão nesta carreira, estes operacionais arriscam-se pelo segundo dispositivo de combate a incêndios seguido, a verem-se sonegados da remuneração justa pelo seu alto empenhamento na resolução dos problemas operacionais complexos que o país atravessa todos os verões.

Existem outros problemas que infelizmente provocam desgaste nestes trabalhadores e os arrastam para uma cada vez maior fragilidade operacional… torna-se ridículo que uma força especial que depende directamente da tutela, tenha os seus equipamentos de protecção individual com demasiado desgaste e sem substituição à vista.

Torna-se cada vez mais difícil e perigoso o combate aos incêndios com fardamentos que já desempenharam o seu tempo útil de vida e que contam com centenas de horas de exposição ao calor, à máquina de lavar a roupa e à máquina de costura para serem remendados.

Para terminar, relembro que esta força foi criada para o ataque inicial aos incêndios rurais no âmbito das brigadas helitransportadas.

No final do ano fatídico de 2017, fomos afastados dos centros de meios aéreos e dos respectivos helicópteros para que os mesmos passassem a ser tripulados exclusivamente pela GNR. Esta foi uma decisão política não sustentada e que teve efeitos imediatos no ano seguinte, onde a eficácia desses meios aéreos ficou reduzida como atestam alguns estudos efectuados posteriormente.

O Estado Português ao invés de clarificar a sua política de protecção civil e efectuar uma aposta clara nos seus melhores agentes que são os bombeiros (sejam eles provenientes das associações humanitárias ou integrados na carreira de sapador bombeiro), decidiu estabelecer a confusão e misturar os conceitos de Safety e Security, colocando aqueles que se deviam preocupar exclusivamente das questões de segurança e ordem pública a apagar incêndios.

Seria fácil ser optimista e traçar aqui um cenário mais leve para o Sistema Integrado de Operações de Socorro nacional para os próximos anos, mas perante a falta de respeito pelas condições laborais do seu braço armado operacional e perante a falta de investimento nas suas próprias estruturas por parte do actual governo, estaria simplesmente a sustentar uma mentira.

Não basta ao presidente da ANEPC afirmar que a Força Especial de Protecção Civil é a sua guarda pretoriana conforme tem dito em diversos fóruns, porque palavras leva-as o vento.

É urgente uma outra política de protecção civil tanto na prevenção como na reacção… e enquanto isso não for feito, o Partido Comunista estará por cá para dar voz às denúncias dos trabalhadores, estaremos nos diversos locais de trabalho das diversas entidades que concorrem na protecção civil, de forma a que as medidas de protecção laboral dos bombeiros e outros agentes de protecção civil sejam justas para potenciar um socorro de qualidade no território nacional.

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