A União Europeia (UE) estabeleceu como uma das prioridades para este mandato a questão ambiental, mais concretamente as questões climáticas. Mas será que um projecto intrinsecamente explorador, como é a UE, consegue ser amigo do ambiente? Dito de outra forma:um projecto que subordina as suas políticas ambientais às leis do mercado pode defender o ambiente? É a esta pergunta que vamos tentar responder seguidamente.
Os escândalos de empresas multinacionais que violam a legislação sobre o meio ambiente, e a incapacidade de tomar as decisões necessárias para o combate às alterações climáticas e às dramáticas consequências dos problemas ambientais para os povos comprovam a clivagem entre as palavras e as intenções da UE e os actos e as práticas.
Vejamos, por exemplo, os acordos comerciais: o TTIP, o CETA e, mais recentemente, o MERCOSUL. As negociações dos grandes tratados têm evidenciado o alinhamento da UE com os interesses das multinacionais, sobrepondo-os à soberania dos Estados. Este acordo entre a UE e o MERCOSUL, pelo seu carácter explorador sobre a natureza e sobre os trabalhadores, terá graves impactos nos países do MERCOSUL e é tudo menos sustentável. Será ao uso de pesticidas, de hormonas e outros químicos juntarmos a produção e a comercialização de produtos geneticamente modificados, e ainda o transporte dos produtos, verificamos que, isso, em termos ambientais, será um desastre (só por si o facto de os produtos não serem consumidos onde são produzidos). Os efeitos deste acordo também se sentirão na produção agrícola nacional, desvalorizando a nossa produção e a nossa soberania alimentar, e tornando Portugal num país consumidor ainda mais dependente.
Uma UE amiga do ambiente teria de promover a produção e o consumo locais, onde cada Estado-membro só importa o que não tem capacidade nem potencialidade para produzir!
Também em políticas de agricultura podemos verificar quais são os reais interesses da UE. A PAC (Politica Agrícola Comum), em vez de promover o modelo de produção extensiva, compatível com a preservação da biodiversidade nas zonas rurais, privilegia modos de produção intensiva, de cariz exportador, orientada para alimentar a indústria agropecuária das grandes potências europeias.
Estes modelos de práticas intensivas exigem demasiados consumos de água, de fertilizantes e produtos de síntese química e de energia, aumentando a dependência directa da agricultura de combustíveis fósseis. Um outro efeito directo consiste na degradação e perda de solo por via da sua erosão, poluição e redução da matéria orgânica e da diversidade microbiana. Com o declínio da vida selvagem há, em alguns casos, significativa redução da biodiversidade.
Consequentemente, e com o aumento da poluição dos solos, da água e do ar por compostos azotados e fósforo e pelo aumento das emissões dos chamados gases com efeitos de estufa, a capacidade produtiva fica comprometida e a saúde das populações também. A redução da produção e o abandono da agricultura familiar levam, inevitavelmente, à desertificação do interior. Uma UE amiga do ambiente teria de defender e valorizar as variedade autóctones europeias, proteger os pequenos e médios agricultores, reconhecer o modo de produção como parte da cultura de cada Estado-membro.
De igual modo, o desenvolvimento regional mais não passa de uma miragem que se reflecte na falta de políticas que contribuam realmente para o desenvolvimento regional e rural. Uma vez mais, a decorrência é inevitável: desequilíbrios na distribuição da população, que se move das zonas rurais para as urbanas com consequências ambientais em ambas as partes. Por um lado, o ambiente urbano sofre pressões sobre ecossistemas sensíveis das zonas costeiras e os níveis de poluição aumentam substancialmente; por outro lado, o país rural torna-se mais vulnerável a fogos devido à modificação do coberto vegetal, ampliando-se a sua dimensão com a ausência de actividade humana em grandes extensões do território. Em Portugal, já se sofre as consequências disso, como foi reconhecido aquando dos grandes incêndios de 2017.
Igualmente, no que diz respeito às políticas de transportes muito está por fazer e é indiscutível o seu papel na defesa do ambiente. Em Portugal, e por intervenção do Partido Comunista Português, nas grandes cidades houve um avanço significativo a este nível com a redução do valor mensal dos passes sociais e imediato aumento do número de passageiros que trocaram o seu transporte pelo transporte público. Mas está por concretizar o investimento na ferrovia. A mercantilização e a concentração capitalista do transporte ferroviário têm sido o objecto central dos sucessivos Pacotes Ferroviários da UE e o instrumento que o grande capital usa para destruir o que existia e impor o seu domínio. O que a União Europeia pretende impor com o IV Pacote ferroviário é a tentativa de aprofundar a liberalização do sector ferroviário, o que ajuda a explicar a situação de ruptura dos últimos tempos. As multinacionais pretendem apropriar-se dos sectores rentáveis da CP, nomeadamente o Longo Curso e os Urbanos de Lisboa e Porto, e deixar entregue ao Estado apenas os sectores mais deficitários, como é o caso dos comboios regionais. E aqueles que em Portugal colaboram para atingir estes objectivos tudo têm feito para degradar a actual oferta de transporte, velha e eficaz estratégia de conseguir reduzir a resistência à sua entrega à exploração capitalista. Também as imposições orçamentais comunitárias, e a sua implementação desde 2010, desempenham um papel importante na actual degradação da ferrovia nacional. Por exemplo, a União Europeia tem insistido na redução perversa do número de trabalhadores das empresas públicas, coadjuvada pelo actual Governo. Em nome do défice estrutural, destrói-se a capacidade de resposta das empresas públicas. Desde 1988 que os portugueses perdem transporte ferroviário, assistem ao encerramento de linhas e vêem diminuir a oferta de horários nas restantes. Este caminho foi deliberadamente escolhido pelos sucessivos governos, convenientemente ajudados pelas políticas da União Europeia e da sua Europa a duas velocidades. Enquanto Portugal perdeu 43% dos seus passageiros/quilómetro (PK), a Alemanha ganhou 24% e a França 35%. Enquanto as empresas portuguesas fecharam ou estão em dificuldades, as empresas alemãs, mesmo as públicas, expandiram-se. Este, é mais um exemplo de como as politicas da União Europeia são geradoras de assimetrias de desenvolvimento que põem objectivamente em causa direitos, a soberania nacional e o ambiente, que é o que hoje aqui nos traz.
Uma UE amiga do ambiente teria de promover políticas de transportes para a valorização do transporte público ao transporte particular, como alternativa ecológica, sustentável e socialmente justa.
Por último, queria só referir a questão do militarismo. A UE dirige cada vez mais verbas para gastos militares em nome da articulação com a NATO, ou na perspectiva da criação de um exército europeu. Essas verbas poderiam ser canalizadas para políticas realmente ambientais.
Com lágrimas de crocodilo, chora sobre a crise climática ao mesmo tempo que põe em prática medidas como as que foram enunciadas, e muitas outras, e impõe metas orçamentais que não permitem que os Estados-membros possam investir na promoção da qualidade de vida das populações e sejam soberanos na escolha das políticas e meios de preservação do ambiente e dos recursos naturais.