Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Tribunal Ambiental «Construir um futuro verde - Juventude Comunista, em luta pelo que é nosso»

«O capitalismo não é, nunca foi nem nunca será verde!»

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Camaradas, gostaria de começar por saudar a Juventude Comunista Portuguesa pela iniciativa que aqui temos hoje, uma saudação que, tendo em conta a temática, estendo aos nossos aliados do Partido Ecologista “Os Verdes” e à Ecolojovem.

Há quem tenha chegado há pouco tempo a esta temática, não é o caso dos comunistas. 

Sabemos que há quem se ponha em bicos de pés e tenha até a pretensão de considerar que descobriu os problemas do ambiente.

É curioso que alguns desses sejam os mesmos que acusam o PCP de ter um discurso gasto e parado no tempo, uma crítica que se estende muitas vezes aos valores de Abril e à Constituição da República.

Vejamos então o que, sobre o ambiente, diz esse tal documento “ultrapassado” com 48 anos.

Diz o Artigo 66.º da Constituição que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, e que “incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos (...), assegurar esse direito (...), no quadro de um desenvolvimento sustentável”.

Também aqui a Revolução de Abril foi e é exemplo de avanço e de visão de futuro, ao consagrar a prevenção e controlo da poluição, o ordenamento do território, a criação de reservas e parques naturais e da conservação da natureza, o aproveitamento racional dos recursos naturais, a promoção da qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, a promoção da educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente.

Ora como podemos ver, também em matéria do ambiente, o que é urgente é que, na vida de todos os dias, o texto constitucional seja levado à prática. Se assim for, a situação será bem diferente.

Sabemos que há quem queira alterar a Constituição adaptando-a às suas opções políticas. São os mesmos que olham para o ambiente, tal como para tudo o resto, como mais uma oportunidade de negócio.

Negócio que de verde não tem nada, a não ser a cor das notas que o move,  chegando ao cúmulo de os países ricos comprarem quotas de produção de poluição dos mais pobres. 
Para o capital tudo é negócio.

É o capitalismo que está sentado no banco dos réus, é ele o responsável pelos crimes ambientais que assistimos.

Para o capitalismo de pouco vale o bem-estar das populações, a preservação da natureza, a defesa dos ecossistemas, dos mares e oceanos, das florestas, dos solos. 

O que conta é primeiro o lucro, depois o lucro e no fim o lucro.

Foi assim e é assim. Não há defesa do ambiente sem justiça social e não é possível justiça social no quadro do capitalismo, logo não se esperem soluções vindas do criador dos problemas.

A procura desenfreada do lucro é responsável pela esmagadora maioria das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, pela desflorestação, pela desertificação, pela extinção de espécies.

O capitalismo não é, nunca foi nem nunca será verde! 

Hoje é evidente que a chamada “economia verde” é mais uma enorme operação com o objectivo de revitalizar o capitalismo, aproveitando justas preocupações de amplas camadas e sectores. 

A justa denúncia da degradação ambiental tem de ser acompanhada de forte resposta e luta contra esta operação do “capitalismo verde” e da sua estratégia de “lavagem verde” à escala de massas.

A justa exigência de medidas de promoção do equilíbrio ecológico tem de ser acompanhada da forte denúncia da incapacidade do capitalismo em responder aos problemas da humanidade, incluindo os problemas ambientais.

Estamos perante um sistema que procura todas as oportunidades para levar ainda mais longe a sua gula. Ainda no ano passado um Relatório do Tribunal de Contas, a pretexto de uma auditoria às contas dos gastos públicos nas áreas protegidas, lá veio aconselhar que parte dessas áreas seguissem o caminho da privatização.

E não são poucas as vozes que, também em Portugal, se vão soltando na ideia de privatizar a água e não falamos apenas da distribuição.

Os resultados da natureza predadora e exploradora do Capitalismo estão a revelar todo o seu esplendor:

Entre 2002 e 2021, desapareceram 68,4 milhões de hectares em florestas primárias correspondendo à diminuição destas áreas em 6,7% neste período de tempo.  

A 17 de Junho de 2022, as Nações Unidas marcaram o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, sendo então afirmado que 55 milhões de pessoas tinham morrido em todo o mundo devido a este problema.

Um milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçados de extinção. Em Portugal, em 2021, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável apontava para uma situação preocupante. “De entre os habitats com estatuto conhecido, 75% encontrava-se em estado mau ou desfavorável” e “de entre as espécies com estatuto conhecido, 62% encontrava-se em estado mau ou desfavorável”.

Mas é este sistema, que é o responsável pela rápida degradação ambiental, que ao mesmo tempo nos tenta convencer que somos nós, cada um de nós, pela nossa forma de viver e hábitos, os responsáveis pela situação a que chegámos. 

E é o mesmo que fomenta conflitos entre gerações, onde os mais velhos são apresentados como os responsáveis pelo estado a que chegámos e os mais novos como os preocupados. 

Não há defesa do ambiente sem respostas às desigualdades e à injustiça.

Porque face ao dilema que trespassa milhões de pessoas por todo o mundo, de olhar para o ambiente ou garantir comida para si e para os seus, é clara e justa a opção a fazer.

O 1% dos mais ricos são responsáveis por 16% do total de emissões de gases de efeito de estufa. Nos EUA, este 1% corresponde a 3 milhões de indivíduos que emitem, cada um, mais de 318 toneladas de CO₂ por ano: 2500 vezes mais do que as pessoas que vivem nas Honduras, em Moçambique ou no Ruanda.

E o que dizer sobre a profunda hipocrisia dos maiores responsáveis pelas emissões cumulativas de emissões de gases de efeito estufa, tentarem transferir para países emergentes essa responsabilidade? 

Andam há dezenas de anos a produzir acima das suas próprias necessidades, a explorar até ao limite os recursos de todos para potenciar os lucros de uns poucos, e agora a culpa é de quem procura hoje garantir a melhoria das condições de vida dos seus povos.

Às potências capitalistas não interessa que os países utilizem de forma soberana os seus recursos. 

Veja-se o exemplo de África e o apetite que abre ao grande capital.

Os países africanos têm 10% das reservas hídricas do mundo, 10% das reservas de petróleo, 8% das reservas mundiais de gás e 6% das reservas mundiais de carvão. 

Têm potencial solar, geotérmico, eólico, 60% das terras aráveis ainda não cultivadas situam-se na África Subsaariana, bem como algumas das maiores reservas minerais fundamentais para toda a indústria moderna. 

É neste enquadramento e contradições que, de COP em COP, para lá do empenhado esforço de muitos, se vão adiando a resolução dos problemas, se vai empurrando com a barriga, assim foi também na passada COP27.

Os problemas continuam por resolver até porque a sua resolução não é compatível com os objectivos dos que querem dominar o mundo. 
Objectivos assentes na dependência, em relações injustas e de profundas desigualdades de desenvolvimento entre os países sobreexplorados, e as potências capitalistas, particularmente pelos EUA e a União Europeia.

Sim, a luta pelo ambiente é uma luta que diz respeito a todos e não, não estamos todos no mesmo barco.

Não há, em nenhum domínio, políticas neutras e sem ideologia, a ecologia não é excepção e a realidade aí está a demonstrá-lo: como o defensor da Amazónia,  Chico Mendes, sintetizou, de forma certeira, «ecologia sem luta de classes é jardinagem».

A luta pelo ambiente, a luta pela preservação da natureza é uma luta que se insere obrigatoriamente na intensa luta de classe que travamos. 

Não é possível salvaguardar o meio ambiente sem travar a acumulação e a concentração de riqueza predadora, desenfreada e destrutiva.

Não é possível enfrentar os desafios ambientais, no quadro de um sistema, o capitalismo, que condena milhões à pobreza mais absoluta e abjecta, à fome, à doença.

Onde 2,2 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável em casa. 

2,3 mil milhões de pessoas não têm acesso a serviços básicos de saneamento.

Mais de 800 crianças, com menos de 5 anos, morrem por dia, de diarreia.

258 milhões de crianças, um quinto do total, não podem ir à escola.

Onde as mulheres ganham 24% menos que os homens e detêm metade da riqueza dos homens.

Onde 1% da humanidade detém mais do dobro da riqueza que 6,9 mil milhões de pessoas, esse 1% que acumulou quase dois terços da riqueza gerada em todo o mundo desde 2020, quase o dobro dos restantes 99%.

Uma situação que leva a que por cada dólar da riqueza mundial criada desde 2020 recebido por alguém dos 90% mais pobres da humanidade, um bilionário embolse 1,7 milhões de dólares.

Que leva a que, em Portugal, a minoria dos 5% mais ricos concentre nas suas mãos 42% de toda a riqueza nacional.

Que leva a que, segundo o Banco Mundial, assistamos no mundo ao maior aumento na desigualdade entre países e na pobreza desde a Segunda Guerra Mundial.

Está mais que visto, provado e demonstrado que não vamos lá com este sistema, que não vamos lá com a fome, a guerra, a destruição do ambiente. Não vamos lá com um punhado de beneficiários e milhões na miséria.  

Esta denúncia da incapacidade do modo de produção capitalista não se pode esgotar em proclamações generalistas e visões catastrofistas, e exige medidas concretas no nosso País.

Precisamos de mais meios para as estruturas públicas em matéria de planeamento, ordenamento, monitorização e intervenção ambiental e não os caminhos que se têm aberto aos privados.

Bem pode o Governo anunciar mais verbas para o Ministério do Ambiente. Elas são fundamentais, mas têm poucos efeitos práticos se não forem acompanhadas por uma mudança de políticas, nomeadamente de contratação de pessoal na Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território ou no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, por exemplo, reforçando com mais trabalhadores, nomeadamente na limpeza e na vigilância, e com direitos laborais condizentes, como valorização das carreiras.

Mas mudanças de políticas também ao nível do poluidor-pagador, que dão àqueles com maior poder económico a possibilidade de poluírem. Um princípio perverso, aplicado a tantos domínios da nossa vida, e que tem de ser firmemente contrariado.

Precisamos de levar por diante o controlo público dos sectores estratégicos, como o sector energético. A EDP e a venda de barragens, e a Galp e o encerramento da refinaria de Matosinhos, para dar apenas dois de muitos exemplos, demonstram a necessidade e a urgência de pôr estas empresas a responder às necessidades do País e não aos accionistas que vão distribuindo entre si cada vez mais milhões, à custa da especulação e da exploração.

Precisamos de políticas de mobilidade sustentáveis que dêem centralidade ao transporte público, assegurando a sua qualidade, alargando a sua rede e garantindo preços acessíveis.

O Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos Transportes Públicos e o passe social conquistado no anterior quadro da situação política nacional foram medidas nesse sentido, de grande importância, que precisam de ser valorizadas e prosseguidas. 

É fundamental o investimento na ferrovia, contrariando o que vêm sendo décadas de política de direita, aliada às imposições da União Europeia.

Precisamos de produção e consumo locais, reconhecendo a cada país e a cada povo o seu direito a produzir e à soberania em domínios essenciais, como o alimentar.

Precisamos de garantir o controlo público da água, aumentar a eficiência do seu uso, combater a mercantilização do sector dos resíduos, o desperdício e a obsolescência programada.

Precisamos de medidas de adaptação aos efeitos das alterações climáticas sobre o território nacional.

Precisamos de prosseguir os esforços para os quais demos uma importante contribuição de reforço dos Centros de Recolha Oficial de Animais, com apoios dedicados à sua valorização e aos serviços que prestam.

Precisamos de um caminho diferente, o caminho da paz, da solidariedade e da cooperação.

Pouco a pouco a compreensão da natureza do capitalismo e das suas consequências vai alargando a amplas e diversas camadas e sectores.

Também assim é na e junto da juventude. Juventude que com a sua forma de estar, disponibilidade, criatividade, capacidade de organização e de luta muito próprias, está a assumir, também na luta pelo ambiente, um papel determinante.

Também nesta luta, aí estão os jovens comunistas, envolvidos e a mobilizar,  protagonistas neste processo e puxando outros jovens para a luta e para as razões fundas do que está em causa.

A todos os que genuinamente se preocupam com o presente e o futuro, lhes dizemos, venham connosco, alarguem esta acção, ajam pela defesa da coesão territorial; valorizem o mundo rural e a floresta, protejam os ecossistemas e promovam a biodiversidade, garantam que um dos maiores bens e recursos disponíveis e ao serviço da humanidade, a água, se mantém como um bem público.

Venham connosco e ajam, com as vossas características próprias e com a vossa forma de estar na vida, pela melhoria do ambiente, pela melhoria das condições de vida.

Para construir um futuro verdadeiramente verde, sustentado e duradouro, não há volta a dar, camaradas, é mesmo com uma política patriótica e de esquerda, a curto prazo, e, a longo prazo, com o socialismo e o comunismo.