A rede eléctrica tem por objectivo ligar as instalações de produção de electricidade às instalações de consumo, por forma a veicular a energia produzida num local para outro, onde é utilizada (consumida). Existem várias características técnicas que diferenciam as redes, nomeadamente o nível de tensão. Distinguem-se as redes de transporte, em Alta e Muito Alta Tensão, com capacidade de transporte de grandes potências, e as redes de distribuição, em níveis de tensão inferiores, Média e Baixa Tensão, de menor capacidade de transporte, mas com maior capilaridade e presença territorial.
No território continental o comprimento total das redes de serviço público (não são contabilizadas as redes particulares de centros electroprodutores, de unidades industriais, redes no interior de edifícios, etc.) é de cerca de 240 mil km (mais de 60% são redes em Baixa Tensão), de que resulta uma densidade de 2700 m de rede por km2 de superfície. Para além das linhas, fazem igualmente parte das redes as subestações e postos de transformação, que interligam redes com diferentes níveis de tensão. No total, são mais de 500 subestações (503) e quase 70 mil postos de transformação. Estas redes ligam umas dezenas de milhar de instalações produtoras a mais de seis milhões de instalações de consumo.
Pela sua dimensão e pelos custos económicos e sociais de estabelecimento, as redes eléctricas constituem um monopólio natural, tal como as estradas e outras redes de transporte e de distribuição de outros recursos (águas, gás, comunicações). Esta é a realidade em todo o mundo. Mesmo quando em Portugal existiram várias empresas proprietárias de redes eléctricas, estas estavam repartidas em várias concessões funcionais (rede de transporte, rede de distribuição) e territoriais (redes de distribuição).
Actualmente, no sector eléctrico, as actividades de gestão e exploração das redes eléctricas são objecto de concessão. No território continental, existe a concessão da Rede Nacional de Transporte (em Muito Alta Tensão), a concessão da Rede Nacional de Distribuição (em Alta e Média Tensão) e 278 concessões municipais de redes de distribuição em Baixa Tensão (todas concessionadas à mesma empresa concessionária da rede de distribuição em Alta e Média Tensão, agora com a designação de E-REDES, mantendo a sua pertença ao Grupo EDP).
As actividades das concessões são objecto de regulação económica exercida pela ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, uma entidade independente que se rege unicamente pelos seus estatutos. À ERSE compete, em particular, a definição dos proveitos das actividades das empresas concessionárias das redes e a aprovação dos preços das tarifas reguladas.
A definição dos proveitos é fundamentalmente baseada no volume de custos de exploração reconhecidos (alguns custos são reconhecidos automaticamente, como rendas, taxas, outros estão sujeitos a um indicador de eficiência) e na remuneração do investimento realizado nas redes (através de uma taxa de remuneração aplicada ao capital investido). Os proveitos das concessionárias são naturalmente pagos pelos consumidores, através das tarifas reguladas, mais propriamente, através das chamadas tarifas de uso de redes.
Obviamente, as concessionárias, empresas privadas dominadas pelo grande capital estrangeiro, procuram obter os maiores lucros possíveis, procurando não ultrapassar os custos reconhecidos, frequentemente, em prejuízo do exercício de uma adequada manutenção das condições de exploração das infra-estruturas, e promovendo os investimentos desde que a taxa de remuneração seja atractiva, nem sempre com evidência da sua necessidade, nem com a opção pela solução mais eficientes. Se a taxa de remuneração não é atractiva para o capital privado, as concessionárias deixam de investir nas redes, deixando-as degradar e tornando-as obsoletas.
Os investimentos dos operadores de rede estão contidos em planos plurianuais, designados Plano de Desenvolvimento e Investimento na Rede de Transporte (PDIRT) e Plano de Desenvolvimento e Investimento da Rede de Distribuição (PDIRD), que são propostos pelas próprias concessionárias e aprovados pelo membro do governo com a pasta da energia, após consulta pública e, ultimamente, após parecer da Assembleia da República.
A ERSE tem exercido pressão para conter os investimentos, por forma a não onerar as tarifas. Durante anos, o Plano de Investimento da Rede de Transporte não era aprovado. Com a retoma acelerada da política da transição energética, e com a desculpa da necessidade de reforçar as redes para permitir a ligação de mais produção de electricidade a partir de fontes renováveis, os últimos PDIRT acabaram por ser aprovados.
A política de transição energética está orientada para a descarbonização total da sociedade através do desenvolvimento das energias renováveis, do aumento da produção distribuída, da proliferação de pequenas unidades de produção associadas às instalações de consumo, o designado autoconsumo, e do crescimento da mobilidade eléctrica.
Naturalmente, estas alterações têm impacto nas redes de transporte e distribuição de energia eléctrica. Em primeiro lugar, a natureza limitada e intermitente das fontes renováveis, o menor grau de previsibilidade e variabilidade em função do estado do tempo obrigam a sobredimensionar o sistema de produção. Do passado já eram conhecidas as dificuldades e constrangimentos resultantes da variabilidade dos regimes hidrológicos (anos húmidos/ anos secos). Ainda assim, cerca de metade da potência hidroeléctrica estava associada a centrais com albufeira, o que permite uma produção mais regularizadas (algumas centrais têm capacidade de regularização interanual).
Com a predominância das novas fontes renováveis eólica e solar, na tecnologia comumente utilizada, a fotovoltaica, a aleatoriedade da disponibilidade do recurso (na eólica, o vento, na fotovoltaica, a ausência de nebulosidade) e a sua intermitência conduzem a que os sistemas de produção tenham de ser largamente sobredimensionados em potência. Para uma central fotovoltaica produzir a mesma energia de uma central térmica convencional, tem de ter uma potência 4 vezes superior a esta. Este sobredimensionamento intrínseco da produção de electricidade renovável obriga ao maior dimensionamento das redes de transporte e distribuição de energia e, consequentemente, ao investimento suplementar nas redes, naturalmente, a ser ressarcido pelos consumidores. Por exemplo, para a concretização do leilão solar de 2019, ao concessionário da rede nacional de transporte foi aprovado um investimento adicional de cerca de 80 M€ para reforços da rede.
A energia produzida em excesso quando há disponibilidade do recurso renovável, (concentrada no período diurno, nas centrais fotovoltaicas, ou quando há vento, nas centrais eólicas), tem de ser armazenada durante um período, para ser consumida quando necessária. A solução mais equilibrada passaria por dotar os centros electroprodutores com instalações de armazenamento local. A energia só seria então injectada na rede quando necessária para ser consumida.
Devido à ausência de planeamento integrado de desenvolvimento do sector energético, tal não acontece. Actualmente, com a função de armazenamento de energia só existem os sistemas de bombagem em centrais hidroeléctricas. Continuam a proliferar as centrais fotovoltaicas, com muitos milhares de MW, sem que estejam planeados os sistemas de armazenamento que lhes permitiriam assegurar a utilização da energia produzida. Os sistemas de armazenamento que estão na carteira de intenções de construção, obedecendo aos interesses privados dos seus promotores, estão desadequados face à localização dos centros electroprodutores. Esta situação conduz ao trânsito suplementar da energia pelas redes, dos centros electroprodutores para os sistemas de armazenamento e, mais tarde, destes, para os locais de consumo, obrigando ao reforço das redes para esse trânsito, reduzindo a eficiência do sistema (aumentam as perdas no transporte e na distribuição).
Só o planeamento integrado do sector energético, exercido pelo estado, possibilitaria o desenvolvimento equilibrado e eficiente das redes eléctricas.
Faz-se notar que existem tecnologias de aproveitamento da energia solar que armazenam o calor e que tornam a produção de energia eléctrica mais estável ao longo do tempo. São tecnologias mais caras, mas que integram em si a capacidade de armazenamento. Infelizmente, os exemplos reais de utilização da tecnologia termosolar são poucos, porque os agentes do sector procuram maximizar os lucros, não se preocupando com o equilíbrio e a eficiência do sector.
O crescimento da mobilidade eléctrica, com a instalação de cada vez mais postos de carregamento públicos, bem como o carregamento eléctrico efectuado a partir das residências, terá impacto no dimensionamento e na exploração das redes eléctricas. Contudo, sendo uma evolução mais lenta e integrada no esforço geral de electrificação da actividade humana, e desde que gerida de forma inteligente (ajustando os carregamentos aos períodos de vazio dos consumos), as consequências serão menores.
Um aspecto importante desta política de transição energética com impacto relevante nas redes de distribuição resulta da proliferação de pequenas unidades de produção associadas a consumidores (autoconsumo individual), ou a grupos de consumidores (autoconsumo colectivo). Pretende-se generalizar a participação dos consumidores e produtores no mercado de energia como se tratasse de uma espécie de capitalismo popular.
A massificação dos agentes do mercado, ainda que sob a tutela de empresas privadas designadas por “agregadoras”, que vão licitar a energia no mercado (e ficar com os lucros do negócio), obriga à instalação e exploração de complexos sistemas de medição e controlo da energia. Estes sistemas são caros e têm custos de exploração elevados. Trata-se de medir e controlar as energias consumidas e produzidas cada 15 minutos, de cada um dos 6 milhões de consumidores. A fim de promover a expansão destes negócios, a legislação prevê até que os custos com a instalação dos equipamentos de medida (contadores) especiais para a contagem da energia transaccionada pelas comunidades de energias renováveis sejam suportadas pelas tarifas pagas por todos os consumidores. Trata-se de uma clara acção para atingir objectivos políticos, à custa do sacrifício das populações.
As redes de transporte e de distribuição de energia são monopólios naturais que deviam ser geridas no interesse do povo. No quadro actual da concessão das redes eléctricas às empresas privadas, o caminho exageradamente acelerado para a transição energética definido pelo governo irá possibilitar maiores lucros a essas empresas e agravar as tarifas de electricidade.