Gostava de começar a intervenção por enunciar quatro ideias chave:
1. A urgência de medidas de protecção ambiental não pode ser transformada numa arma para fomentar a aceitação do aumento de exploração à escala de massas e uma forma de legitimar a transferência de fundos públicos para os grupos económicos.
2. “Ecorregulação” através do mercado é uma falsa solução - Não é mais que uma forma de favorecer a acumulação de capital, desta feita, tingida de verde, muitas vezes com efeitos contrários aos enunciados.
3. A natureza de quem explora e gere os recursos naturais altera o seu objectivo imediato, o que faz com que a luta pelo controlo público dos sectores estratégicos se torne numa luta fundamental para criar as condições para que o país possa desenvolver uma política de promoção do equilíbrio ambiental.
4. Fragilizar estruturas públicas de controlo, monitorização e gestão ambiental e de recursos naturais abre as portas à sua exploração ao sabor dos lucros privados.
Temos vindo a alertar para que:
Os graves problemas ambientais que enfrentamos não se resolvem exclusivamente com recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos, à taxação dos comportamentos individuais, a mercados e consumo verdes. Alguns destes instrumentos já demonstraram mesmo ser contraproducentes – nos planos ambiental, social e económico.
Os problemas ambientais colocam uma urgência de uma mudança de políticas, que não se esgota na dimensão ambiental, sendo indissociável de uma mudança que se estenda às esferas social, económica e inclua o reconhecimento do direito dos povos ao desenvolvimento.
A discussão nas últimas COP traça como linha de trabalho a implementação das infraestruturas de um mercado de carbono, designando a transição para os mecanismos Net Zero como oportunidade comercial da nossa época, vários governos, incluindo o português, têm vindo a apostar nos chamados instrumentos de mercado na área ambiental. As licenças de emissão de CO2 são apelidadas de «instrumento principal», passando por cima da evidência de que estes mecanismos já demonstraram que não resolvem o problema, tiveram efeitos contrários aos anunciados e apenas criam mecanismos especulativos desenhados para acumular dinheiro nas mãos dos grupos que têm responsabilidades na degradação ambiental.
As soluções apontadas para os “países em desenvolvimento”, onde os impactos das alterações climáticas serão previsivelmente mais negativos e significativos, são mais endividamento e dependência. Para as multinacionais e grupos económicos dos países ricos, subvenções. É este o sentido de aprofundamento de injustiça à escala mundial que se quer consolidar. Não se trata apenas da escassez dos recursos, que deviam ser canalizados por via da cooperação para o desenvolvimento, sem condicionalidades políticas e respeitadora da soberania e legítimas opções destes países. Trata-se também da utilização a dar a esses recursos. Em muitos casos, a “ajuda” destina-se a financiar “investimentos” com os quais os “doadores” obtêm créditos de emissões de CO2, e que estão desajustados das necessidades e realidade dos países. Exporta-se tecnologia, alargando mercados às multinacionais, aprofundando a acumulação capitalista e acentuando relações de dependência, aumentando a dívida e amputando crescentemente a soberania aos países em desenvolvimento, ignorando a necessidade de incorporação do conhecimento local nas estratégias de adaptação, dificultando assim a sua assimilação e apropriação pelas comunidades locais e não se potenciando a sua capacidade de resposta própria.
Não existem tecnologias "verdes" à partida. Empregos ou consumos "verdes" à partida. Tecnologias e produtos serão "verdes" dependendo do modo como são produzidas, geridas e exploradas e do objectivo imediato que perseguem.
É hoje evidente que a alteração da natureza da EDP, alterou o seu objectivo imediato. O que era uma empresa de produção energética passou a ser uma empresa de produção de lucros. A recente venda de barragens desta empresa confirmou isso mesmo. A principal empresa no abastecimento de eletricidade do País e através da sua rede de barragens a principal infraestrutura no armazenamento de água doce do país abdicou do que deveria ser o seu objectivo primeiro, fragilizando a soberania nacional, a sua capacidade produtiva e desarticulando a gestão comum da água da única rede de grandes barragens do país, com a sua entrega a uma empresa francesa.
Está cada vez mais claro que o que está por trás da tentativa dos encerramentos das refinarias, assim como das centrais a carvão, não são preocupações ambientais, mas sim uma estratégia de redução da capacidade produtiva da UE para manter taxas de lucro e favorecer estratégias monopolistas. A etiqueta «ambiente» tem servido para que estas operações sejam financiadas com fundos públicos, com o Estado a assumir os custos, nomeadamente das indemnizações aos trabalhadores e da recuperação dos solos das unidades.
O caminho que se abriu com anos de política de direita, fragilizou as estruturas públicas de gestão ambiental. Perderam trabalhadores, meios e competências,
O caminho de entrega a privados do direito de pesquisa e prospecção de recursos minerais, num quadro em que as estruturas públicas perderam capacidade de acompanhar o processo, aumenta o risco de exploração numa lógica tipo colonial que visa apenas a apropriação de matérias-primas sem o devido retorno para o País e sem a salvaguarda das necessidades económicas , sociais e ambientais.
No sector da água as estruturas públicas foram afastadas da gestão das albufeiras, todas concessionadas a entidades privadas ou de direito privado a quem se delegou competências de administração. A fragilização das estruturas públicas na área ambiental associada e fomentada por uma gestão concentrada na obtenção de lucro têm como consequências ambientais, nas barragens, os recorrentes sinais de desequilíbrio ambiental dos rios e a perda de qualidade da água.
Uma mudança na política ambiental, exige uma consideração tão diversa de medidas como sejam: a adopção de uma abordagem normativa à redução de emissões, por oposição à abordagem de mercado; a valorização da produção e consumo locais, que encurte e racionalize as cadeias de produção e distribuição, reconhecendo a cada país e a cada povo o seu direito a produzir e à soberania em domínios essenciais, como o alimentar; a regulação justa do comércio internacional, que contrarie a desregulação e liberalização vigentes e reverta os seus significativos impactos ambientais, económicos e sociais; a promoção de políticas de mobilidade sustentáveis, que ponham em causa o paradigma do transporte individual e atribuam centralidade ao transporte público; a necessidade de recuperação do controlo público de sectores estratégicos, como o sector da água, o energético, como garantia de que os processos de transição energética e tecnológica são desamarrados dos interesses do grande capital e conduzidos sob os interesses das populações e de cada país; o desenvolvimento de políticas de combate à obsolescência programada; a prevenção dos efeitos das ondas de calor; a prevenção de pragas, doenças e espécies invasoras; a proteção da orla costeira, a proteção contra inundações; a adaptação dos meios urbanos, nomeadamente com a integração de conceitos de adaptação nas políticas de urbanismo; mas também exige o investimento na investigação científica e a luta contra a guerra, o militarismo e a indústria do armamento, que são dos fenómenos mais poluentes a nível mundial.