Caros Camaradas e Amigos,
Ao longo dos anos e das legislaturas, a intervenção do PCP na Assembleia da República tem vindo a traduzir, naquela frente de trabalho e de luta, a reflexão e o projeto do Partido, quer na denúncia e no combate à política de direita quer na apresentação de propostas concretas (seja no plano legislativo seja das decisões a aplicar no sector) em defesa de um Portugal soberano e desenvolvido.
Para não exagerar em resenhas históricas muito exaustivas e recuadas no tempo, importará enquadrar uma referência centrada em dois momentos, ou dois contextos da nossa intervenção.
Primeiro, num contexto de luta e resistência contra a ofensiva da direita e do capital (mais particularmente na primeira metade da década passada, com as troikas e o pacto de agressão e a política de exploração e empobrecimento. E posteriormente num contexto de luta e proposta no sentido de avanços positivos, e da defesa, reposição e conquista de direitos e rendimentos da população portuguesa.
Nesse contexto da legislatura 2011/2015, do Governo PSD/CDS de Passos e Portas, importa destacar desde logo o decreto-lei 90/2011, que foi então chamado pelo PCP à Apreciação Parlamentar e proposta pelo PCP a sua revogação (“cessação de vigência”).
Falamos do decreto-lei que veio eliminar os direitos especiais detidos pelo acionista Estado na EDP, SA, na GALP Energia, SA, e na Portugal Telecom, SGPS. Foi a última grande machadada no quadro do criminoso processo de privatização, desnacionalização e liberalização em empresas e sectores estratégicos – com os resultados que temos visto e que hoje mesmo aqui discutimos.
Outros diplomas foram também objeto da nossa intervenção, de que destacamos aqui os que vieram criar as ditas Tarifas Sociais na energia (eletricidade e gás natural), como espécie de alibi para o aumento do IVA, de 6 para 23%, desde 1 de outubro de 2011.
Em paralelo com a apresentação, outra e outra vez, da nossa proposta para repor a taxa reduzida do IVA (que ainda agora voltamos a colocar no debate do Orçamento do Estado), a ação do PCP contribuiu para acabar com a injustiça agravada do processo burocrático que excluía centenas de milhares de pessoas do acesso a esse regime; para além da questão do financiamento dessa medida, defendendo que fossem os grupos económicos do sector a suportá-lo – como acabou por suceder.
Entretanto, o processo de discussão parlamentar que porventura mais tinta fez correr, pela informação que permitiu revelar, pelo autêntico escândalo que permitiu denunciar – e que em larga medida foi desencadeado pela ação e iniciativa do Partido – foi o processo das chamadas “Rendas Excessivas” no sector electroprodutor.
Este processo incluiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito, ainda hoje PS, PSD e outros andam a fazer tudo por tudo para ver se se conseguem esquecer, e se conseguem que a gente se esqueça.
Foi um debate que praticamente se iniciou com a ação e a proposta do PCP em março de 2014, com o Projeto de Resolução 988 “Pela eliminação do défice tarifário no sector da energia elétrica, em defesa do interesse nacional”; passou pela denúncia da propaganda fraudulenta de governantes como Álvaro Santos Pereira; passou pela resposta da ERSE (de 12-03-2018) ao Requerimento do PCP; e culminou no Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito aprovado em Maio de 2019. Aliás, a esse propósito, vale a pena reler a Declaração de Voto do PCP sobre esse Relatório, e os elementos aí colocados, até para memória futura.
Ora, o contexto político e a correlação de forças na AR, que em 2015 permitiu derrotar o Governo PSD/CDS, permitiu ainda afazer aprovar um conjunto de decisões e medidas justas (outras não foram aprovadas porque o PS não as aceitou e inviabilizou-as em conjunto com o PSD – foi o caso da reposição do IVA a 6% na energia).
Mas uma das coisas que foi possível defender, por exemplo, foi a manutenção e a continuidade da tarifa regulada na energia elétrica e gás natural – que era para ter sido já eliminada por compromisso do PS, PSD e CDS no famoso acordo com a troika, e já não existiria hoje.
Está bem à vista hoje em dia a importância que esta medida teve por proposta do PCP – não só para os consumidores diretamente abrangidos por este regime, mas pelo efeito mais amplo que tem evidenciado nas tarifas e preços em geral.
Já a possibilidade de ingresso no regime da tarifa regulada (para novos contratos), ou de regresso para quem de lá tenha saído, ainda hoje o Governo PS não está pelos ajustes, como nunca esteve, para aplicar essa nossa proposta. O que existe hoje é o prolongamento do prazo para a extinção dessas tarifas, transitórias por natureza, até ver até 31-12-2025. Cá estaremos para ver (e agir).
Na Legislatura 2019/2021, o PCP interveio no sentido do desagravamento dos custos da energia para os consumidores, propondo a reposição do IVA aplicável à taxa de 6%; o prolongamento das tarifas reguladas de gás natural e eletricidade, combatendo as medidas que continuam a agravar estas tarifas (tendo chamado a ERSE à AR para prestar esclarecimentos sobre as suas propostas tarifárias); o combate às rendas excessivas e à revisão unilateral dos contratos assinados com os fornecedores e distribuidores e a promoção da eficiência energética.
O PCP apresentou ainda iniciativas legislativas no sentido da redução dos preços dos combustíveis, da eletricidade e do gás de botija, contrariando os aumentos realizados num momento de enormes dificuldades e quando as grandes empresas energéticas registam lucros astronómicos.
Os brutais aumentos dos preços da energia e dos combustíveis reforçam a necessidade, por um lado, de assegurar o controlo público sobre este sector estratégico, e por outro, de num plano imediato articular medidas de âmbito fiscal com a fixação de regimes de preços máximos, que atuem sobre as margens apropriadas pelas energéticas, como o PCP tem defendido e proposto.
Depois de ter entregue, em fevereiro de 2020, uma iniciativa para impedir a segmentação da concessão de ativos electroprodutores estratégicos, como é o caso da venda da concessão das seis barragens do Douro por parte da EDP ao consórcio francês Engie, o PCP voltou a apresentar uma iniciativa nesse sentido em 2021.
Às razões de política energética juntou-se o inaceitável esquema montado pela EDP e pela Engie com o objetivo de fugir aos impostos, caucionado pelas declarações do Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
A proposta do PCP foi rejeitada, mas mantem-se a premência da iniciativa do PCP para impedir esta ruinosa operação.
O PCP interveio também na defesa dos direitos dos trabalhadores do sector, como na Petrogal/GALP, que promoveu o despedimento de trabalhadores, apesar de continuar a distribuir dividendos pelos seus acionistas, com o assentimento do Governo.
Foi também nesse sentido que foram desenvolvidas várias iniciativas parlamentares, que culminaram com a apresentação de um Projeto de Resolução, contra o encerramento da Refinaria de Matosinhos, pela defesa da produção nacional da soberania energética e pela salvaguarda dos postos de trabalho.
Por outro lado, o PCP interveio no sentido de que fosse assumido de facto que a atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão (BT) é um direito exclusivo dos municípios e que seja efetivada por uma empresa pública no quadro de uma única concessão atribuída pelo conjunto dos municípios. Essa é a forma de garantir uma concessão equilibrada, permitindo ganhos aos municípios e uma redução tarifária.
Para além de propostas autonomizadas (projetos de lei ou de resolução) para este sector, o PCP sempre tem apresentado propostas ao Orçamento do Estado para esta área, com uma grande centralidade dada a este tema.
Foi nessa sede que propusemos, e ficou em vigor, a continuação da tarifa regulada na eletricidade que ainda agora mencionei.
Propusemos a eliminação dos pagamentos às empresas eletroprodutoras para a garantia de potência, uma redução não inferir a 50% dos custos dos contratos de interruptibilidade, a renegociação dos contratos de aquisição de energia com vista à sua gradual eliminação, pondo cobro a essas rendas garantidas aos grupos económicos do setor energético e propiciando correspondentes reduções no preço final.
Propusemos, ainda, a redução das tarifas de gás natural em 2016, 2017 e anos subsequentes com vista à devolução aos consumidores das verbas correspondentes às margens de comercialização excessivas nos contratos celebrados com a Nigéria.
Apresentámos a proposta da obrigatoriedade de que os custos decorrentes da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural, bem como do operador logístico de mudança de comercializador, sejam suportados pelas empresas fornecedoras de energia e não pelos clientes finais.
E neste Orçamento do Estado (para 2022), voltamos a colocar as questões da Energia em destaque no debate parlamentar.
Para combater o agravamento dos preços da energia – combustíveis, eletricidade e gás – foram entregues diversas propostas que atuam quer no plano fiscal, quer no plano da regulação de preços impedindo a acumulação de lucros escandalosos por conta da especulação e do aproveitamento do grande capital.
No plano fiscal, foram apresentadas as propostas de reposição do IVA nos 6% na eletricidade e no gás, o fim da dupla tributação do IVA sobre o ISP e o fim do adicional do ISP.
Foram apresentadas propostas visando o reforço das tarifas reguladas de eletricidade e gás - mecanismo fundamental para travar a especulação e conter os preços.
Foram ainda apresentadas propostas com vista ao controlo e regulação de preços dos combustíveis, limitando as margens especulativas, e impondo uma contribuição extraordinária sobre o sector petrolífero cuja receita visa a diminuição dos preços dos combustíveis para os consumidores.
Por último, neste âmbito foi apresentada uma proposta para a redução de incorporação de biocombustíveis (reforçando a componente de biocombustíveis avançados), visando a redução do preço e a defesa do meio ambiente.
Muitas destas propostas, tal como já foi dito, retomam (e em alguns casos pela enésima vez) questões e respostas que o PCP vem colocando desde há muito tempo.
Já neste mandato, no mês passado, levámos a Plenário a proposta para um conjunto de medidas de resposta imediata a esta escalada de preços especulativos na energia, de aproveitamento da guerra e das sanções pelos grupos económicos. Demonstrámos que o controlo dos preços é uma medida indispensável e que a propaganda liberal era uma fraude política – e que o desagravamento fiscal é uma medida necessária, mas não suficiente. A proposta foi rejeitada com o voto contra de PS, PSD, CH, IL. A vida encarregou-se de demonstrar – e aí está a demonstrar todos os dias – que tínhamos e temos razão.
Camaradas e Amigos,
As propostas do PCP são atuais, justas, indispensáveis, em áreas chave e sectores estratégicos da vida nacional como é o da Energia, para que o nosso país seja mais justo, soberano e desenvolvido.
Com as forças que temos, com condições agora mais desfavoráveis, com uma correlação de forças pior no contexto atual, não deixaremos de dar voz, dar tradução e dar sequência nesta frente de trabalho e de luta à reflexão e à proposta do nosso coletivo partidário – em que a iniciativa de hoje, pela sua riqueza e qualidade das contribuições aqui trazidas, assume uma indesmentível importância e oportunidade. Daí que seja justo saudar e valorizar essa participação.
A luta continua! Bom trabalho a todos.