Intervenção de José Pós-de-Mina, Mesa Redonda «Energia e recursos na transição energética. Soberania, segurança, ambiente e desenvolvimento»

As possibilidades e as responsabilidades da intervenção das autarquias locais na transição energética

Queria começar por sublinhar a importância desta iniciativa num momento em que o tema da energia ocupa uma grande centralidade mediática e numa ocasião em que se intensifica a campanha ideológica, primeiro em torno do tema das alterações climáticas e agora por causa da Guerra para abrir espaços a novos negócios, neste caso na área da energia, o que mostra algum espírito criador do capital que no afã de se reproduzir e de prosseguir o seu processo de acumulação aproveita todas as oportunidades para fazer negócios.

As quatro palavras base desta iniciativa: Soberania; Segurança; Ambiente e Desenvolvimento são extremamente importantes e não se podem dissociar umas das outras, porque as 4 são essenciais e devem ser vistas numa perspetiva integrada e também porque não podemos dispensar nenhuma naquilo que é a nossa visão do setor da energia. E sublinhando no que se refere ao desenvolvimento que a energia é necessária para o atingir, mas também pode ela própria ser um fator de desenvolvimento.

Importa por isso recordar o que o PCP diz no seu Programa sobre a energia: “A política energética deve ter como objectivos fundamentais a eficiência na utilização da energia pelos vários sectores e a redução do défice energético, para o que será necessário:

  • Aumentar a produção energética nacional com a valorização dos recursos endógenos e diversificar as fontes de energia e as origens geográficas das matérias-primas importadas;

  • Promover a utilização racional da energia e uma adequação ao processo de esgotamento dos combustíveis fósseis;

  • Salvaguardar o equilíbrio ecológico e acautelar a segurança das populações;

  • Acelerar o aproveitamento de novas fontes energéticas, especialmente as energias renováveis.”

Para o PCP e conforme refere a Resolução do XXI Congresso “o país continua confrontado com a ausência de um planeamento energético – em múltiplas dimensões, designadamente na política de transportes, redução de consumos – e a não concretização de programas para a eficiência energética; a segmentação e entrega a grupos estrangeiros de importantes activos, o desenvolvimento desadequado da energia renovável – instrumento fundamental para a diminuição da dependência externa – porque conduzido segundo os interesses e promiscuidade com o capital monopolista; (...) a dependência financeira e tecnológica externa.” Por isso e conforme refere também a Resolução “tal como noutras dimensões, os processos de aproveitamento dos recursos endógenos, incluindo os renováveis, e de transição tecnológica, precisam de ser desamarrados dos interesses do grande capital e reorientados para a satisfação das necessidades do país, tendo como objectivo a soberania energética centrada no aproveitamento dos recursos energéticos nacionais.”

Considero por isso que a questão essencial é recuperar para o setor público o controlo deste setor estratégico.

Gostaria agora de falar sobre as possibilidades e as responsabilidades da intervenção das autarquias locais neste domínio, onde considero haver 5 aspetos a referir.

  • A competência em matéria de eletricidade em baixa tensão é dos municípios que está na atualidade concessionada à EDP.

  • As responsabilidades que os municípios têm em matéria de gestão e ordenamento do território com grande implicação na concretização de projetos energéticos.

  • O papel das autarquias locais enquanto consumidores de energia, sendo um dos principais consumidores.

  • O apoio que podem desenvolver à economia e às comunidades locais.

  • A participação na organização e funcionamento do mercado de eletricidade.

1. Sobre a questão da eletricidade em baixa tensão, torna-se premente resolver de uma vez por todos o processo do lançamento do novo concurso para a concessão, reduzindo ao mínimo o tempo do período transitório de prolongamento dos atuais contratos e definindo em termos do caderno de encargos e do programa de concurso, regras que privilegiam o serviço público, a qualidade da sua prestação, a adequada compensação das autarquias locais, medidas de acompanhamento regular de execução dos contratos, a programação dos investimentos a realizar nas redes e na iluminação pública, e a abertura à criação de condições para a resposta a novas necessidades e ainda uma adequada transição entre concessões garantindo que não haja encargos por parte das autarquias locais neste processo. É evidente que todo este processo teria a ganhar se previamente se procedesse à recuperação para a esfera pública do controlo do setor da energia.

2. Quanto à questão da gestão e ordenamento do território e num quadro de grande complexidade, onde confluem interesses contraditórios (de que é exemplo o interesse de pequenos e grandes proprietários que arrendam terrenos para o efeito a valores acima do que obteriam através do aproveitamento agrícola), e com competências repartidas entre várias entidades, e sem total autonomia por parte das autarquias locais para decidirem sobre a matéria, há um conjunto de preocupações que as autarquias CDU no caso de maioria, e os eleitos da CDU no caso de minoria, devem ter em conta nesta matéria:

  • Enquadrar a análise dos projectos no quadro da estratégia de desenvolvimento local definida e das normas em vigor dos Planos Directores Municipais e verificar a necessidade da alteração destes, colocando as preocupações do município sobre a matéria, tendo em conta a prioridade a dar ao desenvolvimento agrícola, a diversificação da atividade económica, a salvaguarda de valores ambientais e patrimoniais, incluindo a paisagem e ainda o acesso a atividades do mundo rural, como o caça e a pesca;

  • Intervir sempre nos processos de Avaliação de Impacte Ambiental (obrigatória para projectos a partir dos 50 MW) ou nos Estudos de Incidências Ambientais, reforçando os aspectos referidos no item anterior e dando uma grande atenção à discussão pública e à explicitação às populações das posições da Câmara sobre o assunto, denunciando a responsabilidade do Governo pelas opções erradas que forem por este tomadas ou impostas;

  • Impedir que sejam ocupados solos que estejam já classificados como RAN, e incluídos ou em fase de inclusão em perímetros de rega;

  • Avaliar no caso de outros solos com aptidão agrícola, o seu tipo de classificação, os usos possíveis e recusando a utilização dos que se consideram necessários para a concretização da estratégia de desenvolvimento local do município;

  • Ter em conta na análise dos projectos a introdução de perímetros de protecção às localidades, bem como o seu enquadramento paisagístico;

  • Considerar que em áreas de REN, e apesar de a legislação considerar que se trata de um uso compatível, o mesmo deveria estar sujeito a um processo de avaliação de incidências ambientais, devendo ser efectuada uma análise criteriosa sobre as diferentes classes de espaço inseridas na REN, tendo em conta os valores ambientais em causa;

  • Ponderar no quadro das avaliações ambientais a ocupação de áreas inseridas na Rede Natura 2000 ou em Áreas Protegidas, tendo em conta os valores que devem ser protegidas e as implicações que a instalação de unidades de produção de energia renovável podem provocar;

  • Salvaguardar as áreas de montado de sobro e de azinho, impedindo o corte ou abate de sobreiros e azinheiras, e em áreas de eucaliptal ter em conta o estado em que o mesmo se encontra, e no caso de se concluir pela sua substituição, assegurar que o mesmo terá compensação em termos equivalente, com a plantação de áreas de sobreiros, azinheiras ou pinheiros.

3. O papel das autarquias locais enquanto consumidores de energia a nível da eletricidade e dos combustíveis não é despiciendo, representando um dos seus significativos encargos, pelo que devem equacionar a questão da contratação dos serviços de fornecimento de energia, de outras alternativas como seja a produção própria ou a aposta na eficiência energética, como medidas indispensáveis para a redução dos seus gastos, com efeitos também benéficos a nível ambiental. Nesta linha também importam medidas internas de sensibilização para a adoção de práticas de utilização racional da energia.

 4. O apoio que podem desenvolver à economia e às comunidades locais neste setor também é relevante e é conhecido o papel das agências de energia, que promovem a articulação entre vários municípios e que podem em interação com outras entidades contribuir para que a área da energia ocupe um espaço mais importante nas preocupações de gestão e de intervenção. O acompanhamento da evolução dos projetos energéticos nos concelhos, cuidando da sua interligação com políticas de desenvolvimento local e regional, acentuando o seu papel enquanto contributo para o próprio desenvolvimento, assegurando adequadas contrapartidas para os municípios e para as comunidades sem que isso ponha em causa o baixar de guarda relativamente a aspetos do ordenamento e gestão do território também deve ser objeto de atenção.

5. A participação na organização e funcionamento do mercado de eletricidade, tem vindo a assumir uma maior importância, tendo em conta a legislação que tem sido produzida e aqui interliga-se o aspeto da vertente do autoconsumo, com a vertente da participação ou até promoção de comunidades de energia renovável, que podem vir a fornecer eletricidade a diversos tipos de consumidores, com potencialidades para reduzir os custos de consumo e influenciar a nível local os preços. Trata-se como é evidente de matéria de grande complexidade, para a qual se deve estar atento, sem que se perca o foco do que deve ser a atividade autárquica nas suas múltiplas dimensões e sem transformar estes processos em novos comercializadores de eletricidade.

A questão da energia e da eletricidade em particular ocupa por isso, e na nossa perspetiva deve faze-lo cada vez mais, um papel importante na atividade autárquica, pelas diversas implicações que aqui reproduzimos e pelas potencialidades que apresenta, nunca perdendo de vista que o nó górdio da questão energética, está na recuperação da gestão para o setor público, condição indispensável e peça importante da política patriótica e de esquerda que defendemos para o nosso País.

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