1917-2017 | CENTENÁRIO DO NASCIMENTO
José Vitoriano
militante empenhado
destacado dirigente
Uma vida de luta
Nasceu a 30 de Dezembro de 1917 no lugar de Torre e Cercas, concelho de Silves.
Filho de camponeses pobres, cedo começou a trabalhar nos campos, ingressando aos 13 anos como operário numa fábrica de cortiça.
Em 1932, com 15 anos, participa na primeira greve, seguindo-se a participação na greve de 18 de Janeiro (1934).
Em 1936 começa a colaborar com o Socorro Vermelho e o PCP, ao qual adere em 1941, participando no Comité Local de Silves, Comité Regional do Barlavento Algarvio e no Comité Provincial, com a responsabilidade do trabalho sindical. Integrou o Comité Nacional de Corticeiros e a Comissão Nacional Sindical do PCP.
Em 1945 é eleito Presidente do Sindicato Nacional dos Operários Corticeiros do Distrito de Faro, cargo que exerce até à sua prisão em 1948. Em 1946 participa no IV Congresso do PCP (II Ilegal).
Em 1951, pouco depois de libertado, passa à clandestinidade como funcionário do Partido.
Depois da segunda libertação (1966) desenvolve intensa actividade internacional, participando em iniciativas pela libertação dos presos políticos, em congressos de Partidos irmãos e da Federação Sindical Mundial.
Em 1967 foi cooptado para o Comité Central, ao qual pertenceu até 2000. Integrou o Secretariado do Comité Central de 1968 a 1972; a Comissão Executiva de 1973 a Abril de 1974; a Comissão Política de 1974 a 1988; a Comissão Central de Controle e Quadros de 1988 a 1992; e a Comissão Central de Controle de 1992 a 2000.
Antes e depois do 25 de Abril foi responsável por organizações do Oeste Ribatejo, Margem Sul do Tejo, Alentejo e Algarve.
Foi deputado à Assembleia da República, eleito pelos distritos de Faro e Setúbal, de 1977 a 1987, tendo sido Vice-presidente da Assembleia da República de 1977 até 1984.
Foi preso duas vezes. Passou 17 anos nas cadeias fascistas, 13 dos quais seguidos. Manteve sempre um porte firme perante a polícia e os Tribunais fascistas.
Faleceu a 3 de Fevereiro de 2006, com 88 anos de idade.
Nota do Secretariado do CC do PCP
Sobre o Falecimento de José Vitoriano
Voto de Pesar da Assembleia da República
Intervenção de Jerónimo de Sousa no funeral
Uma intensa
actividade
sindical
José Vitoriano começa a trabalhar na adolescência, como operário corticeiro e ganha rapidamente consciência de classe.
Em 1932, participou na greve contra os descontos para o Fundo de Desemprego que se tinham iniciado então. É o período de consolidação da fascização do Estado, que em Setembro de 1933 criava os chamados Sindicatos Nacionais. Participa na greve do 18 de Janeiro de 1934 em Silves.
A brutal repressão que se seguiu por parte do regime fascista contra muitos corticeiros seus conhecidos irá determinar decisivamente o seu percurso.
Apesar de ainda não ser militante, na segunda metade de 1936 já colaborava activamente com o PCP.
As grandes lutas de massas nos anos de 1942 a 1944, e com as novas condições resultantes da derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial o regime viu-se obrigado a marcar eleições para todos os Sindicatos Nacionais em 1945.
José Vitoriano encabeçou uma lista que saiu vencedora em Janeiro de 1945. Os operários corticeiros de Silves conseguiam assim colocar á frente, como Presidente do Sindicato corporativo dos corticeiros, um operário da sua confiança.
Depois da segunda libertação (1966) desenvolve intensa actividade internacional, participando em iniciativas pela libertação dos presos políticos, em congressos de Partidos irmãos e da Federação Sindical Mundial.
José Vitoriano realizou um exaustivo trabalho em defesa dos corticeiros silvenses que, nos anos 40, viviam afectados pela pobreza, pela fome, pelo desemprego, pela tuberculose, sujeitos às arbitrariedades dos industriais locais.
Dinamizou e participou em importantes lutas por melhores salários, por garantia de trabalho, por novos contratos colectivos de trabalho, pelo respeito dos horários de trabalho, o pagamento de horas extraordinárias, contra os despedimentos, por géneros alimentícios no tempo da guerra, por solidariedade com companheiros de trabalho, para já não falar na luta pela liberdade e pela democracia.
ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA VÉRTICE, N.º 68 DE SET/OUT 1995
Apontamentos sobre a luta sindical durante o fascismo
1 Setembro 1995
COMUNICAÇÃO AO 10.º CONGRESSO DO ALGARVE
Notas sobre o movimento operário em Silves
24 Fevereiro 1999
A prisão como continuação da lutaJosé Vitoriano foi preso duas vezes
17
Anos
nas cadeias fascistas
A primeira prisão foi em 1948, torturado, resistiu à "estátua", atirando-se para o chão. Tal atitude valeu-lhe fortes espancamentos, mas obrigou a PIDE a acabar os interrogatórios. Condenado a dois anos e meio, foi libertado em 1951.
Foi novamente preso em 1953, já como funcionário do PCP, responsável pela organização da região do Oeste e Alto Ribatejo. Julgado no Tribunal Plenário de Lisboa, foi condenado a 4 anos e "medidas de segurança".
José Vitoriano esteve preso nas cadeias do Aljube, Caxias, na Cadeia da Comarca de Setúbal na aplicação de um castigo, e em Peniche, donde foi libertado em 1966, na sequência duma intensa campanha nacional e internacional para a sua libertação. Na totalidade, José Vitoriano esteve quase 17 anos na cadeia. Manteve sempre um comportamento digno e corajoso perante a polícia e os carcereiros.
Na prisão, José Vitoriano participou em várias lutas, incluindo greves da fome, pela melhoria das condições prisionais. Não só foi castigado várias vezes, como lhe levantaram - e a outros companheiros de cela - um processo "por actividades subversivas na cadeia", que ficou conhecido como "processo dos papelinhos". José Vitoriano foi acusado de ser o autor dos estatutos da "comuna" (ou seja, das normas de solidariedade entre os presos), o que se traduziu numa condenação superior à que lhe tinha sido aplicada pelo Tribunal Plenário.
José Vitoriano que não tinha visitas frequentes dada a distância a que vivia a família, encarou sempre a prisão como o prosseguimento da luta.
Pouco depois de ter sido libertado, e de passar de novo à clandestinidade, explicitou aos microfones da Rádio Portugal Livre como encarava o período da prisão: "a arma mais forte que o militante tem, ao cair na prisão, é a sua confiança na luta, confiança no Partido, confiança no triunfo da causa que serve. Essa luta será ainda difícil, mas podemos estar certos da vitória".
“a arma mais forte que o militante tem, ao cair na prisão, é a sua confiança na luta, confiança no Partido, confiança no triunfo da causa que serve. Essa luta será ainda difícil, mas podemos estar certos da vitória”
José Vitoriano
Recordações da cadeia de Peniche
Artigo n´«O Militante» n.º 235 - Junho / Agosto - 1998
Peniche – 1950, Lembranças de uma fuga
Artigo n´«O Militante!», Edição n.º 286, Jan/Fev de 2007
empenhado
militante do Partido
José Vitoriano cedo assumiu responsabilidades partidárias.
Pouco tempo após a sua adesão formal ao Partido (1941) e ter integrado o Comité Local de Silves, passou a ter a responsabilidade do Comité Regional do Barlavento, que acompanhava Silves, Portimão e Lagos. Era o período da reorganização do Partido de 1940/41 com novas orientações e métodos de trabalho, nomeadamente a valorização das células de empresa, das Comissões de Unidade, da estreita ligação às massas, da unidade antifascista.
José Vitoriano, que logo em 1932 participou numa greve, tinha não só uma forte consciência de classe como se interessava por tudo o que o rodeava. Acompanhou o desenrolar da Guerra Civil de Espanha, contribuía para o Socorro Vermelho Internacional, lia o «Avante!», aprendeu e ensinou Esperanto, criou uma Biblioteca Popular e intervinha em várias colectividades da sua terra. Foi esta sua actividade intensa que contribuiu para a sua formação política, que se aprofundou, também no plano ideológico com as responsabilidades que lhe foram atribuídas. Com a sua entrega à luta e o seu sentido de responsabilidade, no quadro da reestruturação da organização do Partido então em curso, veio rapidamente a integrar o Comité Provincial do Algarve, tendo entre outras tarefas a responsabilidade do trabalho sindical.
Participa, como quadro na legalidade, no IV Congresso do PCP, que se realizou em 1946 na Lousã, e que constituiu um marco importante na vida do PCP. Aí se confirmou o "levantamento nacional" como via para o derrubamento do fascismo; aí se definiu uma ampla política de alianças e se apontou a luta de massas como "tarefa essencial". Aí se fez o balanço das eleições sindicais de 1945 e se definiram importantes orientações para o trabalho sindical que, para José Vitoriano, significaram novas tarefas e responsabilidades -membro do Comité Nacional Corticeiro e da Comissão Nacional Sindical.
Em 1951 torna-se funcionário do PCP e tem a responsabilidade das organizações do Oeste e Alto Ribatejo, assim como da zona de Venda Nova a Sintra, nomeadamente a Sorefame e fábricas em Pêro Pinheiro. Viveu em várias casas clandestinas - Setúbal, Queluz, Venda Nova e Caneças onde residia quando foi preso em 1953
“os quadros nascem da luta”
José Vitoriano
INTERVENÇÃO NO VII CONGRESSO DO PCP (EXTRAORDINÁRIO)
Os Sindicatos e os Trabalhadores
20 Outubro 1974, Lisboa
INTERVENÇÃO NO 1.º CONGRESSO NACIONAL DO ALGAVE
Breves apontamentos sobre alguns dos numerosos problemas que a agricultura vive no Algarve
Maio 1980
A última reunião da Comissão Executiva na clandestinidade
Artigo n´«O Militante» Nº 240 - Maio / Junho - 1999
destacado
dirigente do PCP
Após as duas prisões que sofreu, em 1967, José Vitoriano é cooptado para o Comité Central. Passado um ano - em Setembro de 1968 - passa a ser um dos membros do Secretariado do Comité Central, que funcionava no exterior do país por razões de defesa. Tem esta responsabilidade até 1972.
Em Janeiro de 1973 regressa ao interior do país e passa a integrar a Comissão Executiva. Tem a responsabilidade da organização da Margem Sul do Tejo, tarefas no plano sindical, integra a redacção do «Avante!» e é responsável pela tipografia de «O Militante». Vive então clandestinamente na cidade do Porto, junto à Foz do Douro.
No VII Congresso Extraordinário, realizado após o 25 de Abril, José Vitoriano intervém sobre "Os sindicatos e os trabalhadores", relevando a importância da liberdade sindical e que a unidade sindical é "a melhor arma para a defesa dos seus interesses" e simultaneamente "na luta contra a reacção e pela defesa das liberdades democráticas".
A partir de 1974 até 1988 é membro da Comissão Política. Durante este período tem responsabilidades pela Organização Regional de Setúbal, e mais tarde pelo Alentejo e Algarve, no plano sindical e na Comissão da Pesca. De 1988 a 1992 integra a Comissão Central de Controlo e Quadros e até 2000 a Comissão Central de Controlo.
Em quatro Congressos - VIII, XIV, XV e XVI - intervém sobre a política de quadros de forma profunda, considerando-os como "elemento essencial de toda a actividade partidária".
A partir desta concepção e que "os quadros nascem na luta", valorizando sempre o trabalho colectivo, aborda vários aspectos relacionados com a política de quadros.
José Vitoriano foi um destacado dirigente do PCP, sempre atento e sensível aos problemas dos quadros e do seu Partido.
Actividade Internacional
José Vitoriano, poucos meses após a sua libertação, retoma o seu posto de combate como funcionário do PCP. A direcção do Partido decide que desempenhe tarefas no exterior do país. Esta decisão vai proporcionar que tenha tarefas no quadro da actividade internacional do PCP.
A primeira tarefa que tem é a da participação no Congresso dos Sindicatos Checoslovacos, em Praga, em Fevereiro de 1967. Além de intervir neste Congresso realiza uma visita à Checoslováquia.
Em Fevereiro de 1968 participa, em Lausanne, na Suíça, com Francisco Miguel, numa Mesa-Redonda sobre "O Terror Policial". Na qual fala das torturas a que a PIDE recorre durante os interrogatórios: "estátua", "tortura do sono", e das condições prisionais na Cadeia do Forte de Peniche, onde passou 14 anos.
Ainda nesse mês participa, em Budapeste, no Encontro Consultivo Preparatório da Conferência Internacional de Partidos Comunistas e Operários que irá ter lugar no ano seguinte, em Junho de 1969, em Moscovo. Álvaro Cunhal dirige então a delegação do PCP que, para além de José Vitoriano, integra Carlos Aboim Inglês, a esta importante Conferência que juntou setenta e cinco partidos e que significou "importante progresso no sentido da defesa e do reforço da unidade do movimento comunista".
Em Outubro de 1969, José Vitoriano está de novo em Budapeste, no VII Congresso da Federação Sindical Mundial (FSM). José Vitoriano era então reconhecido internacionalmente pela sua luta contra o fascismo como sindicalista.
Em Junho de 1970 integra a delegação do PCP, dirigida por Álvaro Cunhal, que visitou a República Popular da Hungria.
Durante o período que viveu no estrangeiro, José Vitoriano escreveu para a imprensa sindical internacional e deu algumas entrevistas à Rádio Portugal Livre.
Após o 25 de Abril, representou o PCP no IV Congresso do PAIGC, em Bissau
Participa na delegação do PCP, dirigida por Álvaro Cunhal, às Comemorações do 70.º aniversário da Revolução de Outubro promovidas pelo PCUS e que, no seu programa, integrou um Encontro de Partidos e movimentos democráticos e progressistas de todo o Mundo.
Intervenção
Institucional
Assembleia da República
José Vitoriano foi deputado à Assembleia da República entre 1976 e 1989, eleito pelo círculo eleitoral de Faro e de Setúbal.
Foi Vice-Presidente da Assembleia da República, sendo sucessivamente eleito para esta função até 1987.
Como deputado interveio sobre diversas matérias, nomeadamente os direitos dos trabalhadores, a defesa da pesca portuguesa e os direitos dos pescadores, o terramoto nos Açores, o poder local democrático.
Destacam-se ainda:
- A intervenção na Sessão Solene do 25 de Abril de 1978 - afirmando: "Para as gerações futuras o levantamento militar de Abril será uma lição de patriotismo, um exemplo do amor à liberdade, a garantia de que os ideais do progresso saberão sempre encontrar forças e homens capazes de os levar à prática";
- A Declaração de Voto dos deputados comunistas sobre a votação final da Lei que cria a Universidade do Algarve em 16 de Janeiro de 1979. Lei "que veio dar satisfação a uma antiga e justa aspiração das populações algarvias, particularmente da sua juventude”;
- A intervenção em 15 de Fevereiro de 1979 que assinalou um ano sobre a data da transladação para Portugal dos restos mortais dos 32 antifascistas mortos no Tarrafal - sublinhando que "só foi possível porque houve em Portugal o 25 de Abril e porque o Tarrafal e os seus mortos não devem - não podem - ser jamais esquecidos pelos antifascistas, por todos os democratas, por todos os que querem viver em democracia".
A avaliação do trabalho institucional de José Vitoriano está bem expressa no voto de pesar pelo seu falecimento, aprovado pela Assembleia da República, no qual sublinhou: «[...] foi deputado à Assembleia [...] funções, que exercia com grande rigor e competência [...] profundamente respeitado por todas as bancadas parlamentares. José Vitoriano pautou toda a sua vida e acção política pela vontade desinteressada de servir o seu povo e o seu país, tendo exercido as mais altas funções políticas e institucionais, mantendo uma profunda humildade de carácter e uma enorme dimensão humanista.»
"Para as gerações futuras o levantamento militar de Abril será uma lição de patriotismo, um exemplo do amor à liberdade, a garantia de que os ideais do progresso saberão sempre encontrar forças e homens capazes de os levar à prática
José Vitoriano
"só foi possível porque houve em Portugal o 25 de Abril e porque o Tarrafal e os seus mortos não devem - não podem - ser jamais esquecidos pelos antifascistas, por todos os democratas, por todos os que querem viver em democracia"
José Vitoriano
INTERVENÇÃO
«Com o 25 de Abril o povo português celebra a conquista da liberdade e da democracia e afirma a sua inquebrantável vontade de as defender»
25 Abril 1978
DECLARAÇÃO DE VOTO
Criação da Universidade do Algarve
16 Janeiro 1979
INTERVENÇÃO
Na passagem do 1.º ano sobre a trasladação para Portugal dos restos mortais dos trinta e dois antifascistas mortos no Tarrafal
15 Fevereiro 1979
Revolucionário
de Verdade
José Vitoriano permanece indissoluvelmente ligado à reorganização do PCP e à sua transformação num grande partido nacional, vanguarda da luta antifascista pela liberdade e pela construção de um Portugal verdadeiramente democrático, soberano, socialista e comunista.
José Vitoriano, por mérito próprio faz parte dos que se tornaram um exemplo e estímulo para as jovens gerações, pelas profundas convicções comunistas, pela entrega plena e generosa ao seu partido de toda uma vida, o PCP, pela firmeza perante os inimigos de classe, a solicitude pelos quadros e a sã camaradagem.
Como deputado interveio sobre diversas matérias, nomeadamente os direitos dos trabalhadores, a defesa da pesca portuguesa e os direitos dos pescadores, o terramoto nos Açores, o poder local democrático.
O que foi José Vitoriano como comunista, como revolucionário, pode resumir-se nas suas próprias palavras perante o Tribunal fascista, ao reivindicar a sua condição de comunista, «um representante dos trabalhadores, orgulhoso pela luta que trava contra o fascismo e a exploração».
Se o PCP é o que é hoje, muito se deve a comunistas como José Vitoriano, cuja vida se confunde com a luta dos trabalhadores e do nosso povo.
Artigo de Luísa Araújo, membro do Secretariado do Comité Central do PCP
O centenário do nascimento de José Vitoriano
Artigo n´«O Militante» n.º 351 - NOV/DEZ 2017