Pode talvez afirmar-se que a maior parte das pessoas deste país ao ouvirem hoje pronunciar a palavra Algarve, aquilo em que logo pensam é no turismo. Sim, Algarve é turismo! São as belas praias de areias douradas e finas, o sol, as águas cálidas, o clima ameno e, por associação de ideias, as apetecidas férias que oferece o e proporciona aos que para isso têm o dinheiro suficiente. Mas o Algarve não é só isso. Está mesmo muito longe de ser apenas isso.
Para as populações deste recanto do país e para todos os que aqui trabalham, seja no próprio sector do turismo, seja nas fábricas, nos campos, no mar, nos serviços ou noutras actividades, o Algarve não é apenas, nem é sobretudo, o sol, as águas mornas, as praias, o clima doce. Para esses o Algarve é acima de tudo trabalho, canseiras, dificuldades, como de resto acontece em todo o lado com os que têm de ganhar com o seu suor o pão que comem.
E se é certo que para a economia da região e até do país o turismo tem aqui uma importância de primeiro plano, não é menos certo que outras actividades que já existiam antes do turismo e continuarão a existir porque indispensáveis ao equilíbrio económico da região (e ao próprio turismo algumas delas) têm de merecer dos algarvios e dos poderes públicos toda a atenção e todo o carinho que merecem e o apoio que o seu desenvolvimento exige.
Daqui que, se é justo que se dê ao turismo os apoios necessários de acordo com as condições naturais privilegiadas da zona e com os interesses do país, já não nos parece justo que toda a vida económico-social do Algarve seja condicionada pelo turismo que são quatro meses no ano, enquanto que as pescas, a indústria conserveira e a agricultura, por exemplo, se têm debatido e continuam a debater com sérios problemas que se avolumam de ano para ano.
Estas algumas breves palavras que me pareceu justo dizer antes de abordar o tema que me propus tratar: a agricultura.
A importância do sector primário para a região (que em 1970 empregava ainda cerca de 40% da populaçao activa), as suas potencialidades, as características de algumas culturas produzidas fora de época, levam-nos a concluir que a agricultura ê um dos sectores que aqui mais importa incentivar e desenvolver.
Segundo um trabalho do Centro de Estudos de Economia Agrária da Gulbenkian, da autoria de Mario Pereira, o Produto Agrícola Bruto do Algarve em 1970, e preços correntes de 1970, foi de 858.977 contos, ou seja cerca de 25% do Produto Interno Bruto no mesmo ano no distrito, que foi de 3.430.956 contos.
Embora não dispondo de elementos posteriores supomos que a relação se não deve ter alterado em desfavor da agricultura, dado o grande desenvolvimento nos últimos anos da horticultura em estufas e o consequente aumento da produção dos chamados "primores do Algarve". Isto mostra bem a importância da agricultura no conjunto da economia algarvia e quanto é importante que sejam tomadas medidas de apoio por parte dos serviços oficiais para o seu desenvolvimento.
No entanto, as medidas a tomar para o incremento da agricultura no Algarve terão de ter em conta as suas manchas individualizadas e ter em conta que estas não apresentam todas as mesmas carências e o mesmo grau de potencialidade.
Efectivamente a Algarve, sendo uma área de pequena extensão e bem demarcada geograficamente do resto do país, é uma das regiões de Portugal de maior diversidade geográfico-económica e apresenta, consequentemente, zonas de desenvolvimento bem diferenciadas umas das outras.
Temos a zona serrana na qual a silvo-pastorícia é a actividade mais apropriada, sem excluir também algumas aptidões agrícolas que poderiam ser incentivadas com a construção da pequenas barragens de terra batida e represas de baixo custo.
A zona do barrocal, que para uma agricultura rentável exige investimentos dispendiosos, nomeadamente a construção de barragens.
Temos finalmente a zona do litoral que é considerada a região do continente com mais aptidão para as culturas horto-frutícolas e onde nos últimos anos tem sido incentivada a horto-fruticultura protegida, que aliás se estende também a algumas faixas do barrocal.
Como é do conhecimento geral a água constitui uma importante carência da região, com implicações que ultrapassam o sector agrícola. No entanto, essas carências não são iguais em todo o Algarve.
No Barlavento as barragens do Arade e da Bravura (perímetros de rega de Silves e Odeáxere) fazem com que os problemas estejam mais próximos da resolução. Mas no Sotavento, a situação é diferente e agrava-se de dia para dia com o recurso sistemático às águas subterrâneas. Esta opção é marcadamente anti-económica e está já a causar prejuízos nos solos. Como é sabido, a excessiva utilização das águas subterrâneas tem provocado a invasão, pela água salgada, do espaço deixado pela água doce, estando já nalguns locais a aparecer águas salobras.
Este aumento de salubridade dos terrenos terá consequências catastróficas se não se mudar rapidamente o rumo que tem sido seguido e não se optar pelo aproveitamento integral das águas de superfície.
É por isso que defendemos o prosseguimento do projecto do Alqueva-Rocha da Galé que terá efeitos bastante positivos na economia do Algarve.
É por isso também que defendemos a execução do Plano Geral dos Aproveitamentos do Algarve, com as obras dos Perímetros de Rega do Barlavento (barragens do Funcho e Odelouca) e do Sotavento (barragens de Beliche, Odeleite, Foupana, Vascão) e a construção, com o apoio estatal, de pequenas barragens de terra batida na serra e no barrocal.
Lamentavelmente as verbas para as barragens do Funcho e Odelouca no OGE de 1980 sofreram uma redução de cerca de 50%.
O conjunto do projecto Alqueva-Rocha da Galé com o Plano de Aproveitamentos do Algarve permitiria regar cerca de 50.000 hectares (actualmente regam-se apenas l6.000, dos quais 12.000 pelo recurso a águas subterrâneas), acabar com o perigo das águas salobras e, paralelamente, contribuir para a resolução das questões do abastecimento de água e da energia eléctrica.
Um outro aspecto que importa ter em contana problemática da da agricultura algarvia é a estrutura fundiária, que é dominada pela pequena propriedade. Mais de 60% das propriedades têm menos de 4 hectares e cerca de 95% menos de 20 hectares.
Nestas condições o problema de crédito, sendo um problema que preocupa a agricultura em gera, preocupa em particular a agricultura do Algarve.
Actualmente o crédito é de difícil acesso, sobretudo para os pequenos e médios agricultores, por estar altamente burocratizado e sujeito a elevadas taxas de juro. Basta referir que de 1976 até hoje as taxas de juro aumentaram: 120% para o crédito a curto prazo (de campanha) e 200% para o crédito de investimento.
É urgente modificar radicalmente esta situação, facilitando o crédito aos agricultores.
A questão do arrendamento rural é também muito importante nesta região do país por existir um considerável número de rendeiros, os quais necessitam de uma lei de arrendamento rural em que se possam apoiar para não ficarem à mercê das arbitrariedades de certos senhorios pouco escrupulosos.
Na Assembleia da República o Grupo Parlamentar do PCP, de que faço parte, tem-se batido por uma lei que traduza as aspirações dos rendeiros e votou favoravelmente um projecto de alterações à lei actual, alterações que acabaram por não ser promulgadas.
No âmbito dos preços e da comercialização existem muitos problemas que é necessário ultrapassar.
Os factores de produção como adubos, sementes, rações, pesticidas, combustíveis e outros, sobem continuamente, por vezes a um ritmo assustador, criando imensas dificuldades aos pequenos e médios agricultores que não têm suporte para tais subidas. Isto obriga muitas vezes a reduções na utilização de certos factores de produção que depois se reflectem negativamente na produtividade e rentabilidade das culturas.
Como exemplo podemos referir que de 1975 para cá o aumento de alguns factores de produção se cifravam, em Novembro passado, em:
- 80% pera os adubos
- 100% para os pesticidas
- 120% para o gasóleo
- 80% para as máquinas agrícolas nacionais
- 120% para as importadas
No que respeite â comercialização acontece que aqui no Algarve o grosso dos produtos hortícolas e outros, são enviados para Lisboa e entregues a "mandatários" do Mercado Abastecedor, de quem os produtores ficam à mercê sem possibilidades de um real controlo dos preços de venda, havendo casos em que o produto mal chega para as despesas ou nem mesmo dá.
No caso de outros produtos, como os frutos secos, que embora tenham cada vais menos peso no conjunto da agricultura algarvia, têm ainda importância significativa na zona do Barrocal, a sua comercialização este nas mãos de grandes exportadores, fazendo-se a compra aos produtores através de um circuito de vários intermediários, de tal forma que os preços no produtor frequentemente não pagam as despesas da colheita, pelo que não é raro ficar grande parte dos frutos nas árvores.
Ê cada vez mais premente a montagem de estruturas de comercialização que beneficiem a agricultura e deixem o mercado liberto dos grandes intermediários que o dominam e são desnecessários.
Ainda no domínio da comercialização, os produtos hortícolas e frutícolas apresentam problemas de escoamento, sobretudo nos momentos de plena estação ou fora da época alta do turismo.
Ora as características particulares das produções algarvias, permitem desde já pensar na possibilidade de colocar parte desses produtos no estrangeiro a preços altamente competitivos. Embora já alguma coisa se passe neste domínio, tal não tem ainda qualquer expressão significativa.
E aqui surge a questão do Mercado Comum. Poderá haver e há certamente quem pense que a nossa entrada para o Mercado Comum, resolve estes problemas.
Para já há uma distinção que é necessário fazer. O Mercado Comum actual, o dos 9, não é exactamente aquele para onda vamos entrar. Esse será o dos 12, visto que para além de nós entrarão também a Espanha e a Grécia, paises com características naturais, especialmente climatéricas, muito parecidas com as de Portugal, e acontecendo que qualquer deles tem uma agricultura mais desenvolvida que a portuguesa.
Por outro lado, o Algarve não produz apenas os conhecidos "primores", frutos e produtos hortícolas fora da época, produções que por via duma agricultura protegida e intensiva, aproveitando as excelentes condições naturais, são altamente rentáveis e competitivas.
O Algarve produz também e em grande quantidade, citrinos, por exemplo. A produção citrícola do Algarve não anda longe de metade de toda a produção nacional de citrinos que foi em 1976 de cerca de 162 mil toneladas.
O peso dos citrinos na fruticultura do Algarve e na sua economia é hoje muito importante, sobretudo nalgumas zonas, e tem tendência para crescer. Aliás, o Algarve é uma região privilegiada para esta cultura. Existem zonas de verdadeira vocação citrícola com produções unitárias comparáveis às das melhores regiões mediterrânicas.
Mas a Espanha e também não somente um grande produtor de citrinos, mas o maior exportador mundial destes frutos, principalmente de laranja e tangerina, ocupando a Grécia um lugar destacado na exportaçao de limões. É pois de temer que a livre concorrência com os paises citados tenha como consequência não apenas a inviabilidade da criação de novos mercados para exportação das nossas espécies cítricas, mas a inundação do nosso próprio mercado interno com citrinos provenientes destes paises, devido ao desarmamento aduaneiro, a preços susceptíveis de provocar a ruína de numerosos pequenos e médios citricultores.
Logo, se no caso dos produtos hortícolas frescos, estes podem ter hoje condiçoes de elevada competitividade nos paises do actual Mercado Comum, dadas as excelentes condições climatéricas da região favoráveis à sua maturaçao numa época em que a oferta é ainda pequena, o mesmo não acontece com outros, como é o caso dos citrinos, após a entrada da Espanha e da Grécia para a Comunidade Europeia.
Mas, mais. Não se ignora que a Espanha é igualmente exportadora de produtos hortícolas frescos, frutas frescas, tomate industrializado, etc. e, portanto, concorrente connosco no Mercado Comum. E no próprio mercado interno os produtos frescos acima referidos e outros que se produzem essencialmente pera o abastecimento interno teriam também uma feroz concorrência dos produtos espanhóis logo que se desse o desarmamento alfandegário.
A posição geográfica da Espanha e as vias de comunicação, existentes tornam o grande centro de consumo que é Lisboa um bom alvo a partir de todo o sul de Espanha em condições não inferiores às do Algarve.
Acontece ainda que os actuais paises da CEE estão a preparar-se para enfrentar a concorrência dos produtos agrícolas portugueses, espanhóis e gregos, de forma que, quando estes paises entrarem na CEE, se defrontarão com uma concorrência muito dura no que respeita a produtos tais como: vinhos, azeite, frutos e legumes frescos.
A Comissão das Comunidades Europeias concedeu já, com esse objectivo, o equivalente a cerca de 72 milhões de contos da nossa moeda à agricultura mediterrânica da comunidade.
Portanto, ao contrário do que muita gente pode pensar, a entrada para o Mercado Comum não resolve os nossos problemas, da agricultura ou outros, mas antes, em nosso entender, os agrave. Por isso temos defendido e defendemos acordos com o Mercado Comum em vez da integração.
A ausência de seguro agrícola em condições aceitáveis para a agricultura tem também importância particular nesta região. Calamidades como a "geada negra” que no passado mês de Dezembro atingiu os agricultores algarvios mostra bem a importância de um seguro agrícola que cubra em situações como esta os prejuízos ou parte dos prejuízos sofridos pelos agricultores.
É certo que o Governo abriu uma linha de crédito bonificado, mas o que os agricultores pediam e no caso precisavam era de uma indemnização que os compensasse, pelo menos em parte, dos prejuízos que tiveram. Por isso a instituição do seguro agrícola é uma necessidade urgente.
Finalmente, duas palavras sobre os problemas da pecuária no Algarve. Ainda que tenha de reconhecer-se a falta de aptidão da região, especialmente para o gado bovino, a importância deste sector não deve ser menosprezada.
Com efeito a predominância da exploração familiar e a necessidade de grande quantidade de matéria orgânica para a produção hortícola, que se faz de forma intensiva, exige a já tradicional engorda e recria. Mas também aqui há que libertar o produtor do circuito dos intermediários e intervir directamente nos circuitos comerciais.
A instalação de uma rede de frio para os produtos frutlcolas, hortícolas, da pecuária e das pescas ê uma das maiores necessidades para a defesa e melhoria da economia da região do Algarve.
A assistência técnica e financeira e maiores facilidades de escoamento são também questões que não poderão alhear-se duma efectiva e racional programação da produção que acabe com os tradicionais problemas da sazonalidade da oferta.
Em síntese, a restruturação da agricultura algarvia deverá contar com a ajuda das entidades oficiais, cuja acção e direcção é indispensável no apoio técnico e no incentivo ao associatlvismo agrícola.
Nos termos da Constituição da República, o Governo deve também estimular a participação dos pequenos e médios agricultores na definição das medidas de política agrícola, entre as quais são de salientar no Algarve as seguintes:
- Preços dos factores de produção ajustados às necessidades do sector.
- Simplificação dos mecanismos de crédito de curto prazo e investimento e taxas de juro compatíveis com as condições do sector.
- Apoio à introdução de normas tecnológicas de produção.
- Institucionalização do seguro agrícola.
- Aproveitamento integral das águas de superfície através da realização do projecto do Alqueva-Rocha da Galé, do Plano de Aproveitamento do Algarve e da construção da pequenas barregens na Serra e no Barrocal.
- Estabelecimento de preços de garantia ajustados aos custos reais de produção.
- Desenvolvimento das infraestruturas necessárias à melhoria dos processos de comercialização, transporte, conservação e transformação dos produtos agrícolas e pecuários.
- Instalação de uma rede de frio que defenda os produtores das dificuldades de escoamento e dos preços degradados em momentos de super-abundância.
Eis Senhores Congressistas, uns breves apontamentos sobre alguns dos numerosos problemas que a agricultura vive aqui no Algarve.
Mas falar da agricultura é falar também de quem a faz, é falar do homem e esta está imensamente desprotegido quando a doença ou a velhice o atingem. Por isso também aqui, no terreno da segurança social, muito é preciso fazer para dignificar a agricultura, para dignificar o homem.