Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

PCP propõe medidas para a concretização do cadastro rústico em Portugal

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Cada vez que se agudiza a problemática dos incêndios florestais em Portugal, volta a lembrar-se a necessidade de fazer o cadastro rústico, como elemento fundamental para uma adequada gestão florestal. A realização do cadastro rústico é fundamental para o conhecimento real da propriedade rústica em Portugal e será um elemento importante para o estímulo à produção nacional, necessária para garantir a nossa soberania alimentar e como resposta à situação económica e social em que o País está mergulhado. O reconhecimento da sua importância é tal que todos os governos que entram em funções assumem a sua realização. A falta de concretização do cadastro rústico em Portugal só se deve à falta de determinação política de sucessivos governos, nomeadamente por não terem disponibilizado os 700 milhões de euros que se calcula poder custar a sua realização. É fundamental que este investimento se faça, pois, sem investimento não há cadastro de qualidade. As experiências-piloto avançaram com metade do custo relativamente ao que era previsto, avançaram com recurso a trabalhadores precários no terreno, sem responsáveis técnicos em permanência e com equipas de gabinete, e agora arrastam-se as reclamações.

O PCP há muito que defende que a constituição de um corpo de técnicos cadastrais junto da Direção-Geral do Território seria um elemento importante para levar por diante esta tarefa. Os poucos dados conhecidos sobre as experiências-piloto que decorreram em sete concelhos demonstram as dificuldades. Como o registo dos prédios não era obrigatório, muitos proprietários não o fizeram, e por isso se diz que 40% da propriedade não tem dono conhecido, o que, claramente, não corresponde à realidade. Que o digam os autarcas que, querendo alargar caminhos rurais, depressa se veem confrontados com os proprietários afetados que então aparecem. Esta fraca adesão não estará desligada dos custos de registo da propriedade, quantas vezes provenientes de herança e com um valor patrimonial muito abaixo desses custos. São, por isso, fundamentais equipas no terreno e medidas extraordinárias de regularização do registo de propriedade. Se não existem dúvidas quanto à importância da realização do cadastro predial, também não deve haver indecisões quanto ao seu avanço.

O PCP considera que instrumentos não faltam, mas têm faltado meios. E é nesse sentido que o PCP propõe que se faça, com urgência, uma avaliação das experiências-piloto na realização do cadastro predial, como primeiro passo para delinear a estratégia e para que, em seguida, se realize o cadastro rústico em Portugal, assente numa estratégia de equipas no terreno. Propõe também o PCP que se dotem os serviços públicos dos técnicos de cadastro necessários ao acompanhamento desta tarefa extraordinária, bem como na posterior gestão do cadastro. Considera ainda o PCP serem necessárias medidas extraordinárias de regularização da propriedade transitada por herança, com custos reduzidos para a pequena propriedade.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Rocha,

Muito obrigado pela questão que coloca. No PCP, consideramos que há instrumentos necessários, suficientes para que a criação de um cadastro possa avançar. Há, desde 2007, instrumentos legislativos que permitiram suportar as experiências piloto que então avançaram. Entendemos que é fundamental avançar, é preciso é decisão política. Devido aos custos envolvidos na realização do cadastro, percebemos que este não pode ser feito de hoje para amanhã, mas, também por essa razão, é preciso começar já. E para começar já, pode, certamente, e deve ser desenvolvido um conjunto de parcerias necessárias para a realização deste cadastro. Mas, atenção, estas parcerias nunca poderão significar o afastamento da responsabilidade do Estado nesta matéria, porque a maior responsabilidade é a do Estado, e é isso que tem de ser feito.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O PSD e o CDS-PP promovem uma alteração legislativa numa área em que a anterior legislação, de certo modo, não chegou a ser verdadeiramente testada nem posta em prática, e isso também é da responsabilidade do anterior Governo. Ainda no final do mandato do Governo Sócrates, o PSD não se cansou de reclamar, de insistir, de justificar a necessidade do cadastro para o combate aos fogos florestais. Qual o resultado das pomposas resoluções do Conselho de Ministros do Governo Passos/Portas, da responsabilidade da então Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, hoje líder do CDS-PP, sobre a matéria? Onde está o cadastro, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP? Zero! Se hoje não há cadastro rústico em Portugal, ou se não se iniciou de forma estruturada a elaboração do cadastro rústico, a responsabilidade é, também, do PSD e do CDS-PP. Este assacar de responsabilidades não torna menos necessária nem menos urgente a realização do cadastro e, por isso, terá este Governo de assumir essa responsabilidade e começar a fazer o que anteriores governos não fizeram.

Relativamente à proposta do PSD e do CDS-PP hoje em discussão, e antes de uma avaliação do seu conteúdo, gostaríamos de realçar que estes partidos partem, aparentemente, de um erro de avaliação, que é, afinal, mais uma forma de esconder responsabilidades. Se o cadastro não está hoje feito não é por falta de instrumentos nem de legislação, é por falta de afetação de recursos ao processo e à Direção-Geral do Território. E, por isso, mais do que legislação, o que faz falta é decisão. A proposta do PSD e do CDS-PP não nos levanta objeções de fundo. Porém, entendemos que precisa de especificações relativas a algumas matérias.

Entendemos que não fazer distinção metodológica entre o cadastro urbano e o rústico — tendo em conta a complexidade em torno do cadastro rústico e da sua execução —, pode não traçar a necessária diferenciação para o avanço deste último. A proposta também não considera os necessários estímulos à inscrição dos prédios, elemento fundamental para a colaboração dos proprietários. O PSD e o CDS-PP querem, com mais este projeto, expiar os seus pecados. É tempo de o Governo em funções tudo fazer para mitigar esta lacuna do País, com empenho, para que um dia mais tarde não venha também a arrepender-se de não o ter feito.

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