Artigo de José Vitoriano, publicado na Revista Vértice, n.º 68 de Set./Out. de 1995 p.5-10

Apontamentos sobre a luta sindical durante o fascismo

Quando em Setembro de 1933 foi publicado o decreto que criava o Estatuto do Trabalho Nacional e os chamados Sindicatos Nacionais, e extinguia os sindicatos livres dos trabalhadores, as organizações sindicais então existentes estavam estruturadas à volta de três tendências: Comissão Inter-Sindical (CIS), constituída em 1930 e partidária da Internacional Sindical Vermelha; Confederação Geral do Trabalho (CGT), constituída em 1919 e que em 1922 aderira à Associação Internacional dos Trabalhadores que acabava de se constituir em Berlim, de tendência anarco-sindicalista; alguns sindicatos de tendência socialista. Segundo dados citados por Bento Gonçalves (1), referentes a esta época em «Duas Palavras», a importância numérica dos trabalhadores que agrupava cada uma destas tendências correspondia à ordem por que aqui são referidas.

A dissolução dos sindicatos livres representava a supressão do que ainda restava das liberdades democráticas desde que o fascismo subira ao poder com o golpe militar de 28 de Maio de 1926. No decreto que os extinguia fixava-se o dia 31 de Dezembro desse ano como data limite para o seu encerramento e entrega dos seus bens, sob pena de intervenção directa das autoridades fascistas. De facto, todos os sindicatos livres foram encerrados a partir de 1 de Janeiro de 1934, tendo muitos deles sido assaltados pela polícia que os fechou e se apoderou dos seus bens.

O 18 de Janeiro de 1934, que teve a sua maior expressão na Marinha Grande, onde os operários tomaram conta da vila e a mantiveram em seu poder durante algumas horas, foi um corajoso acto de resistência da classe operária, a primeira reacção organizada dos trabalhadores portugueses contra o encerramento dos seus sindicatos pelas autoridades fascistas. O 18 de Janeiro pretendeu ser, como se sabe, uma greve geral revolucionária, para que não estavam criadas as condições indispensáveis a um eventual êxito. Sendo uma atitude corajosa dos trabalhadores, que ficou na história do movimento operário português como um símbolo da sua luta contra a fascização dos sindicatos e pela defesa das liberdades sindicais, saldou-se por uma pesada derrota de que o fascismo se serviu para o decapitar de centenas dos seus dirigentes e quadros mais capazes através da brutal repressão que se lhe seguiu. Por todo o país, centenas de operários foram presos, julgados em tribunais especiais, muitos deles condenados a pesadas penas e deportados para a fortaleza de Angra do Heroísmo, donde uma grande parte viria depois a ser transferida para o campo de concentração do Tarrafal, alguns deles aí deixando para sempre a vida.

A imposição dos Sindicatos Nacionais aos trabalhadores deparou com forte resistência destes. Aos trabalhadores repugnava a adesão a tais sindicatos, integrados na orgânica corporativa e por ela controlados, em substituição das suas anteriores associações de classe, violentamente dissolvidas pelos governantes fascistas.

Para responder á nova situação, os dirigentes do movimento operário estabeleceram uma orientação que consistia no boicote aos Sindicatos Nacionais e na criação de sindicatos ilegais.

Efectivamente foram criados vários sindicatos ilegais e, durante alguns anos, os trabalhadores em geral recusaram filiar-se nos sindicatos fascistas, havendo sindicatos ilegais com mais aderentes que os sindicatos fascistas do mesmo ramo, segundo afirmações de dirigentes sindicais dessa altura.

Contudo, Bento Gonçalves constatava em 1935, no seu informa ao VII Congresso da Internacional Comunista, que «... os sindicatos ilegais não fazem nenhum trabalho sério de massas. A actividade de alguns sindicatos ilegais limita-se à publicação do seu órgão».

A experiência mostrava, portanto, que os sindicatos ilegais não eram a resposta certa aos Sindicatos Nacionais. Esses sindicatos «não tinham capacidade para promover a luta de massas», diz ainda Bento Gonçalves. Aos sindicatos clandestinos aderiam os trabalhadores de vanguarda. As massas não. Mas estas, embora não aderissem aos sindicatos clandestinos, também não aderiam voluntariamente aos Sindicatos Nacionais, apesar de toda a pressão e demagogia fascistas. Daí que o governo tenha vindo mais tarde a decretar a inscrição obrigatória de todos os trabalhadores nos Sindicatos Nacionais.

Era pois necessária uma viragem na orientação até então existente, convencer os trabalhadores a entrarem em massa para os Sindicatos Nacionais e a utilizá-los na luta pela satisfação das suas reivindicações, quer pressionando as direcções respectivas (que na sua quase totalidade eram constituídas por elementos sabujos do fascismo por si ali colocados), quer lançando-se à conquista das próprias direcções sindicais, elegendo trabalhadores honestos, com prestígio e gozando da confiança da classe, dispostos à defesa dos seus interesses, independentemente das ideias políticas ou credos religiosos que professassem ou não. Este problema colocara-se já em 1935, como referimos atrás, mas só a partir de 1937 começam a dar-se alguns passos, ainda tímidos, nessa direcção.

A viragem realiza-se

Entretanto, no terreno político, um acontecimento importante tinha lugar no início da década de 40: a reorganização do Partido Comunista Português nos anos de 1940/41, cuja intervenção ao nível da acção de massas viria a ser decisiva na concretização dessa viragem.

A batalha não era nem foi fácil. Depois de anos a defender-se o boicote dos Sindicatos Nacionais, passar a defender-se a entrada em massa dos trabalhadores nos mesmos sindicatos, era natural deparar com forte resistência. Resistência passiva da grande maioria, resistência activa de alguns elementos que continuavam convencidos da justeza das suas posições anteriores. Aliás, já em plena fase marcelista, quando os trabalhadores alcançavam tão importantes êxitos na sua luta servindo-se dos Sindicatos Nacionais, continuaram a ouvir-se algumas vozes a pugnar por sindicatos clandestinos.

Embora lentamente, os trabalhadores foram sendo ganhos para entrar para os sindicatos e, pouco a pouco, foram-se filiando. O próprio autor destas linhas que, aquando da formação do sindicato da sua classe (alguns anos já depois do encerramento do anterior), contactado para aderir se recusou, acabou por ir posteriormente, e por iniciativa própria, inscrever-se.

Como referimos atrás, o Governo fascista veio posteriormente a publicar legislação tornando obrigatória a inscrição nos sindicatos respectivos de todos os trabalhadores por conta de outrém em cuja actividade havia sindicatos, assim como o pagamento obrigatório da quota a descontar pela empresa nos seus salários. Só que os que não eram sócios e enquanto se não inscrevessem como tal ficavam na categoria de contribuintes, sem quaisquer direitos, incluindo o de votar em eleições sindicais e ser eleito. Os jovens de menos de 18 anos, esses não podiam associar-se, mesmo que quisessem, mas eram obrigados a descontar.

Com a viragem operada no trabalho sindical para dentro dos Sindicatos Nacionais, com as grandes lutas de massas que tiveram lugar nos anos de 1942 a 1944 (nomeadamente as grandes greves de Outubro/Novembro de 1942, Julho/Agosto de 1943 e Maio de 1944) e com as novas condições resultantes da derrota final do nazi-fascismo que estava à vista e que deram um grande impulso à luta popular, o governo viu-se obrigado, em fins de 1944, a anunciar que no ano seguinte iam ter lugar eleições em todos os Sindicatos Nacionais. Já em Novembro de 1941, tinha tido lugar a importante greve dos trabalhadores têxteis da Covilhã, objecto de brutal repressão fascista (2). Em Setembro/Outubro de 1943 dera-se também a greve de cerca de dois mil operários de S. João da Madeira, acompanhada de manifestações, onde as autoridades fascistas espalharam o terror.

Até 1945 dominavam praticamente em todos os sindicatos direcções ou comissões administrativas aí colocadas pelo governo ou pelo patronato afecto ao regime. Dado o completo desinteresse que inicialmente os trabalhadores manifestaram pelos Sindicatos Nacionais, o fascismo não teve dificuldade em manter à sua frente direcções de indivíduos dispostos a servi-lo. As eleições, embora previstas nos estatutos, não se realizavam na maioria dos sindicatos.

Nestas eleições, em 1945, os trabalhadores conseguiram uma grande vitória, elegendo em algumas dezenas de sindicatos direcções da sua confiança, o que significou um importante passo no caminho do aproveitamento dos Sindicatos Nacionais como instrumentos de que os trabalhadores podiam e se deviam servir para defender os seus interesses. As eleições sindicais de 1945 marcaram assim uma nova etapa no movimento sindical português. Abriram-se novas perspectivas à luta sindical. A maioria dos trabalhadores tinha compreendido a importância da utilização dos sindicatos fascistas na luta pela defesa dos seus interesses.

O fascismo toma medidas

Isto assustou de certo modo o fascismo. Para além da resistência e recusa a homologar algumas direcções (só depois de homologadas podiam ser empossadas), resistência e recusa que virão a acentuar-se à medida que as massas trabalhadoras se mostram cada vez mais interessadas pelos sindicatos, desenvolvendo através deles grandes lutas, toda uma série de medidas restritivas são promulgadas com o objectivo de tornar mais difícil no futuro a eleição de direcções da confiança dos trabalhadores e de diminuir as suas possibilidades de acção pela via sindical. Logo em Dezembro desse mesmo ano o governo decreta o alargamento dos mandatos para três anos. Até aí eram de um ano. Em Janeiro de 1948, quando, em consequência do alargamento do mandato, iam de facto realizar-se novas eleições, as primeiras desde 1945, por um despacho do sub-secretário de Estado das Corporações, limita-se o direito de voto aos sócios dos sindicatos que tenham cartão sindical e tenham pago as quotas dos últimos doze meses; as candidaturas só podem ser apresentadas pelas direcções em exercício ou por um número de sócios correspondente a dez por cento dos sócios com direito a voto (embora não sejam necessários mais de cem) e com um mínimo de vinte dias antes da data marcada para as eleições; estabelece-se um formato obrigatório para as listas e toda uma série de outras regras que vão permitir aos lacaios do fascismo anichados nos sindicatos cometer as mais grosseiras arbitrariedades no sentido da anulação de listas e da falsificação dos resultados das eleições, ao mesmo tempo que noutros casos, jogando com o desconhecimento dos trabalhadores de grande parte desta regulamentação, os impedem desde o início de concorrer ao acto eleitoral. A par disto, uma vaga de repressão policial leva à prisão vários dirigentes e activistas sindicais. Nas assembleias sindicais aparecem com frequência agentes da Ride e outros provocadores que aí intervêm com o objectivo de criar um clima de intimidação e impedir os trabalhadores de elegerem direcções da sua confiança, e mesmo de utilizarem os sindicatos como instrumento na sua luta reivindicativa. (3)

Importantes vitórias dos trabalhadores

Apesar de todos estes condicionamentos, das manobras intimidatórias, das ameaças e da repressão, a batalha pela utilização dos Sindicatos Nacionais estava ganha. Mau grado as dificuldades em eleger direcções da sua confiança, os trabalhadores não mais deixaram de lutar por isso e, com quaisquer que fossem as direcções, usar os sindicatos como instrumento na sua luta.

De facto, a experiência mostrava (não apenas aos trabalhadores mas também aos fascistas e seus lacaios) que a utilização pelos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais nas suas lutas contra a exploração (e mais ainda quando à frente destes estavam direcções honestas) se revelava um factor de extrema importância. Isto alargava o campo de acção dos trabalhadores pressionando simultaneamente os patrões através de comissões de unidade e/ou concentrações nas empresas e as entidades corporativas (governo) através de comissões sindicais e/ou concentrações nos sindicatos com o empenhamento das próprias direcções, quando estas estavam lá para pugnar pela defesa dos interesses da classe que representavam. A grande dinamização da actividade sindical a partir de 1945 está na base de importantes lutas sindicais dessa época.

Tiveram efectivamente lugar ao longo do regime fascista importantes lutas da classe operária e de outras classes trabalhadoras em que a utilização dos Sindicatos Nacionais, apesar de controlados pelas autoridades fascistas e desde logo com a consciência de todas as limitações que isso impunha, foi de grande importância para alcançar a vitória. Conjugadas com a luta nas empresas, elas representaram então um grande reforço da luta dos trabalhadores pela melhoria das suas condições de vida e de trabalho e pela própria liberdade.

A partir de então, podemos dizer que existe um movimento sindical unitário com base nos sindicatos fascistas, movimento esse que viria a sofrer um novo e grande ascenso a partir de 1969, tirando partido da demagogia marcelista, e que viria a transformar-se numa importante frente de combate na luta geral contra o fascismo até ao 25 de Abril.

Actuando simultaneamente nas empresas e nos sindicatos, actuação frequentemente coordenada pelas respectivas comissões de unidade quando estas existiam, e que tiveram um papel de primeiro plano, os trabalhadores portugueses conseguiram ao longo do regime fascista importantes vitórias contra a exploração. A luta era quase sempre demorada, arrastando-se por meses e meses, sob as formas mais variadas, e quantas vezes sob uma dura repressão patronal e policial, mas lá chegava o dia em que a assinatura do Contrato Colectivo de Trabalho era conseguida ou, sob qualquer outra forma, concretizada a satisfação total ou parcial das reivindicações. Os trabalhadores conseguiram, aliás, desde muito cedo, através da sua luta reivindicativa com uma forte componente sindical, legitimar o Contrato Colectivo de Trabalho como instrumento jurídico consagrador das suas conquistas salariais e sociais.

O autor deste escrito, que esteve por dentro e por fora em algumas dessas lutas sindicais, num determinado período (4), não resiste à tentação de reproduzir a parte final de um artigo que o próprio escreveu (e viveu) em tempos para um órgão de imprensa (5).

"... Uma concentração de cerca de 500 operários no Sindicato de Silves (6) levou à proposta de uma reunião, que veio a ter lugar no Seixal (7), de todas as direcções sindicais corticeiras. Instituto Nacional do Trabalho o (INT) e o sub-secretário de Estado (das Corporações) tentaram proibí-la. Uma grande concentração de operários do Seixal esteve presente no sindicato e na rua enquanto a reunião se realizou.

Daqui saiu a decisão de um pedido de audiência ao sub-secretário de Estado das Corporações das direcções sindicais, acompanhadas de uma comissão de operários. Aquele acabou por receber, embora muito tenha barafustado e ameaçado.

Entre outras coisas disse que o despacho (8) estava já na gaveta (despacho de salários mínimos) só não tinha ainda saído porque não cedia a pressões. Passados poucos dias saiu mesmo. E assim terminava vitoriosamente mais uma importante luta dos corticeiros que mobilizou para a acção quase toda a classe".

Isto passava-se em fins de 1946.

Poderíamos continuar a citar numerosos casos de importantes lutas em que muitas classes profissionais como têxteis, mineiros, conserveiros, vidreiros e tantas outras souberam fazer um útil aproveitamento dos sindicatos fascistas no seu combate por melhores salários e outras reivindicações ao longo do período salazarista. Mas não se trata aqui de fazer essa enumeração.

Não queremos, no entanto, deixar de referir, pelo seu dramatismo e pelo que revela da natureza do fascismo, a luta dos mineiros de Aljustrel em Abril de 1960 por aumento de salários e contra o despedimento de vários camaradas, em que um turno passou 35 horas no fundo da mina sem água e sem comida (porque a PIDE impedia que lhes fossem fornecidas) enquanto os restantes (cerca de mil) e grande parte da população ocupavam o sindicato durante cerca de 25 horas. Isto depois de várias outras concentrações numa luta que vinha de meses atrás.

Um diversificado campo de acção sindical

Mas a intervenção dos sindicatos nacionais durante o regime fascista na defesa dos interesses dos trabalhadores era possível e fazia-se em muitos outros casos, que não apenas na luta por melhores salários ou novos contratos colectivos de trabalho. A acção sindical, particularmente quando conjugada com a luta dos trabalhadores nas empresas, era muito importante para obrigar ao cumprimento dos contratos, ao respeito pelos horários de trabalho, pagamento de horas extraordinárias, problemas de segurança e higiene, despedimentos e tantos outros. Era todo um vasto campo de intervenção em que os sindicatos nacionais, apesar de controlados pelos fascistas, podiam ter, e em muitos casos tinham um, papel activo em defesa dos trabalhadores se e quando dirigidos por gente honesta e combativa e havia um entendimento correcto do seu aproveitamento

Conseguido um novo contrato colectivo de trabalho ou despacho de salários mínimos, quase sempre ao fim de prolongada luta, esta tinha de continuar pelo seu cumprimento, particularmente o das cláusulas mais favoráveis aos trabalhadores e a que o patronato opunha uma resistência activa ou passiva. Outras vezes certas disposições tinham uma redacção de tal modo imprecisa que permitiam mais que uma interpretação ou permitiam ao patronato interpretar da maneira que mais lhe convinha. E daí surgirem por vezes conflitos de solução demorada e em que o sindicato era chamado a um papel activo fosse na interpretação mais favorável aos trabalhadores, fosse no seu cumprimento.

Para ilustrar estas afirmações, cita-se um exemplo concreto. Num despacho de salários mínimos para a indústria corticeira havia uma cláusula que tratava das férias e que dizia mais ou menos (cremos que textualmente) o seguinte: têm direito ao gozo de férias os trabalhadores que durante o ano anterior tenham prestado bom e efectivo serviço. Depois, seguiam-se os dias de férias conforme os anos de trabalho na empresa e que iam de um mínimo de três a um máximo de nove.

Mas o que era o «bom e efectivo serviço» para dar direito a férias? Como se definia e quem o definia? Claro que os patrões tinham a tendência para o definir da maneira mais conveniente para si.

É assim que uma grande empresa (grande em relação ao meio) decide não dar férias a uma parte dos seus trabalhadores porque entende que eles não tinham prestado bom e efectivo serviço. E porquê? Porque durante uma parte do ano só tinham trabalhado três dias por semana. Mas porque é que só tinham trabalhado três dias por semana? Porque a empresa lhes não tinha aberto as portas para trabalharem mais. E aqui estava o ponto fraco da empresa. Mas será que se resolveu rapidamente? Não. Demorou cerca de um ano, tendo passado pelo INT, pelo Ministério das Corporações, pelo Tribunal de Trabalho do distrito, donde ainda subiu a instância superior. A empresa perdeu sempre e no fim teve que pagar o triplo porque o fez já fora do prazo legal. Mas o papel activo e empenhado do sindicato foi aqui fundamental porque as coisas não estavam absolutamente claras para todos que foram chamados a decidir.

Um dos aspectos da acção sindical dos trabalhadores que conduzia por vezes e repetidas movimentações nos sindicatos nacionais, era a luta pela reposição da legalidade. Tratava-se, naturalmente, da legalidade fascista, mas era a que existia. E mesmo essa, sabe-se que era frequente, nesta como noutras áreas da luta pela liberdade, os fascistas a negarem e ter que ser arrancada a ferros. Foi necessário muitas vezes ao longo de todos estes anos de ausência de liberdades, os trabalhadores e o povo lutarem para obrigar o fascismo a cumprir as suas próprias leis.

Como já se disse, as direcções sindicais tinham que ser homologadas pelo governo depois de eleitas, sem o que nâo podiam tomar posse. E os senhores do INT e do Ministério das Corporações não tinham por hábito ser imprevidentes nesta matéria. Claro que às vezes também se enganavam, mas não por falta de cautelas. Este era um processo quase sempre moroso e não era raro que direcções eleitas pelos trabalhadores não fossem depois empossadas porque as autoridades corporativas as não homologavam, a pretexto de que os eleitos não mereciam confiança política tendo por base as informações que recolhiam das autoridades e bufaria da terra. Outras vezes, pura e simplesmente destituíam direcções porque se revelavam «demasiado» combativas na defesa dos interesses da classe que representavam. Entravam no campo da «subversão» e aqui lá estava a PIDE para ajudar a repor a ordem.

A solução para os fascistas, no caso da não homologação como no da destituição, era quase sempre a nomeação de uma comissão administrativa. Ora para as comissões administrativas não havia prazos. Podiam permanecer em funções indefinidamente. E houve em muitas situações que travar grandes e prolongadas lutas através de concentrações nos sindicatos, assembleias e outras formas para impor a realização de eleições e correr com comissões administrativas. Recorda-se, como exemplo, o caso do Sindicato dos Têxteis da Covilhã, onde em 1960 os trabalhadores conseguiram a realização de eleições e eleger uma direcção da sua confiança, expulsando a Comissão Administrativa que lá estava havia já 14 anos

Os Trabalhadores tiram partido da demagogia marcelista

Aliás, uma das alteraçãoe que Marcelo Caetano introduxiu na legislação sindical em 1969 foi a abolição da homologação das direcções sindicais depois de eleitas. Isto era uma alteração muito importante se ela não fosse ou viesse a ser rodeada de tais medidas que acabou por, na prática, ser a substituição da homologação posterior pela homologação prévia.

Com efeito, as eleições sindicais chegaram a ser rodeadas de tais exigências durante o marcelismo que tornavam impossível à maioria dos trabalhadores candidatar-se no caso de serem cumpridas. Cita-se, como por exemplo, a de (que, embora não expressa na lei, passou a ser posta por alguns sindicatos) os candidatos a cargos sindicais terem de estar inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia Nacional. Para além das restrições que foram sendo introduzidas na legislação, à medida que os trabalhadores sabiam tirar, e tiravam, partido da demagogia marcelista, a margem de arbítrio era tal que permitia, por exemplo, coisas como esta: a comissão de verificação de mandatos dum sindicato exigir a apresentação por todos os candidatos, no prazo de 5 dias, dos documentos comprovativos de que:

a) estavam no gozo dos seus direitos civis e políticos;

b) não se encontravam interditos por sentença com trânsito em julgado e não eram notoriamente reconhecidos como dementes, embora não estivessem interditos por sentença;

c) não estavam falidos nem eram insolventes;

d) não tinham sido pronunciados definitivamente, nem tinham sido condenados criminalmente por sentença com trânsito em julgado e não se encontravam em liberdade condicional;

e) não professavam ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente e à disciplina social.

Mas nessa altura a dinâmica era tal, a força do movimento sindical atingia tais proporções, que nem exigências como estas, nem a proibição de assembleias, nem a prisão de dirigentes e activistas sindicais, nem o encerramento de sindicatos e a destituição de dirigentes, nem a intervenção rigorosa da censura e a brutal repressão que se abateu sobre o movimento impediram que este continuasse, crescesse e se consolidasse, tornando-se numa importantíssima frente unitária de luta pela liberdade, e que a Intersindical se tivesse constituído e tornado, depois do 25 de Abril, na CGTP-Intersindical Nacional, a grande central sindical dos trabalhadores portugueses.

Notas:
(1) Secretário Geral do PCP, preso em 1935, que viria a morrer no campo de concentração do Tarrafal, em 1942.
(2) Foi inspirado nesta luta dos operários têxteis da Covilhã que o escritor Ferreira de Castro escreveu o romance «A Lã e a Neve»
(3) Este parágrafo é quase integralmente extraído de um trabalho do autor, publicado no livro «O PCP e a Luta Sindical», Edições "Avante!", 1975
(4) Foi dirigente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Distrito de Faro, de Janeiro de 1945 a Junho de 1948 (quando já tinha sido eleito para novo mandato, mas ainda não empossado), altura em que foi preso pela PIDE.
(5) Ver Militante n° 179, de Abril de 1990.
(6) Sede do Sindicato Nacional dos Operários Corticeiros do Distrito de Faro
(7) Sede do Sindicato Nacional dos Operários Corticeiros do Distrito de Setúbal.
(8) Despacho de Salários Mínimos. Na altura os industriais corticeiros ainda não estavam organizados corporativamente, isto é, não tinham Grémios e por isso não havia lugar a contratos colectivos de trabalho. Enquanto estes eram formalmente uma decisão das estruturas corporativas (Grémios, Sindicatos e Ministério), os Despachos de Salários Mínimos eram uma decisão do Governo.

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