Intervenção de Rui Fernandes, membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro Nacional do PCP «Do papel e política do Estado aos meios necessários. Uma outra política de Protecção Civil»

As Forças Armadas na Protecção Civil

As Forças Armadas na Protecção Civil

Falar do papel das Forças Armadas na Protecção Civil é simultaneamente complexo e fácil.

Fácil se resumirmos o assunto ao facto de elas também serem agentes de Protecção Civil e possuírem todo um conjunto de meios e experiências.

O assunto complexifica-se se tivermos presente que as Forças Armadas são Agentes de Protecção Civil de acordo com atribuições próprias.

Como o tempo não é infinito e como este Encontro, mais do que um momento de chegada, deve ser encarado como momento de prosseguimento do aprofundamento dos vários aspectos que envolvem a Protecção Civil, deixo Três Tópicos.

O Primeiro

A Constituição da República Portuguesa (CRP) refere (artº 275 nº 6) que «As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de proteção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, e em ações de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação». Importa aqui salientar o termo «podem ser incumbidas nos termos da lei». Ou seja, «podem ser incumbidas...» mas também podem não ser. E para serem tem de sair instrumento legal que habilite a sua intervenção, porque a própria Lei de Bases de Protecção Civil elencando um conjunto de tarefas que lhe são atribuídas, retoma o conteúdo da Constituição afirmando que essa colaboração «pode envolver», descrevendo de seguida um conjunto de tarefas. Tanto é assim que a própria Lei de Bases assinala os termos em que se efectua esse pedido de colaboração, a autorização e o tipo de emprego das Forças Armadas.

Isto conduz ao segundo tópico

Nada haveria a referir se a prática encaixasse na teoria. Contudo, na prática, assistimos àquilo que apelido de usurpação mediática de funções e usos. É raro vermos noticias onde apareça a dizer que o Ramo X das Forças Armadas em apoio à P. Civil efectuou tal ou tal missão.

A questão da projecção mediática do Ramo sobrepõe-se aos Conceitos e à Lei conduzindo a uma leitura distorcida junto da sociedade, mas conveniente, do papel das forças armadas no sistema de P. Civil.

É assim que vimos durante muito tempo responsáveis da ANEPC aparecerem com a sua farda militar. Diga-se em abono da verdade que nos últimos tempos assim não tem acontecido.

Mas vimos também como foi passado para a Força Aérea a competência pela contratação dos meios aéreos para o combate a fogos. Não vou aqui dissertar sobre se os meios, o tipo de meios, etc.

A interrogação que deixo é se isto tem algum sentido? Teria sentido as bases da F. Aérea servirem o objectivo de localização dos meios? Têm sentido. Teria sentido a F. Aérea prestar assistência na manutenção? Teria sentido. Teria sentido a experiência da Força Aérea poder desempenhar um papel de aconselhamento? Poderia ter sentido. Tem sentido meios da Força Aérea, sejam humanos sejam aeronaves, poderem reforçar em situações mais graves os meios da Protecção Civil? Tem com certeza sentido. Mas tem sentido ser a Força Aérea a tratar de concursos, contratos, etc, de meios da Protecção Civil? Não parece que tenha. Mais uma vez estamos no domínio da mistura de competências que contamina conceitos.

Dito isto não fique a ideia que há uma qualquer ideia anti militares. Aliás, o PCP tem um património imenso e comprovável de proposta e intervenção nesse âmbito. Tal como não nos está ausente raízes históricas que determinam ainda no tempo presente, algum tipo de concepções e práticas. Afinal, durante dezenas de anos foram os militares que mandaram na Protecção Civil. Mas não é assim desde há muitos anos.

O problema está é se da parte dos Governos essas concepções são alimentadas ou contrariadas. Se o permanente argumento do duplo uso e das sinergias, aplicado a esta matéria como a algumas outras, não visa camuflar o pensamento real, já que na prática tem potenciado distorsões, sobreposições, não clarificações. Como temos em curso mais um processo de revisão constitucional, temos até quem use como sustentação para a defesa da possibilidade de as Forças Armadas deverem poder agir no plano da segurança interna, protocolos estabelecidos entre algumas unidades militares e autarquias locais para vigilância de matas, abertura de aceiros, etc, procurando assim demonstrar que não tem problema nenhum. Usam a parte simpática e utilitária, saltando por cima da natureza das Forças.

Ora, aquilo a que temos vindo a assistir ao longo dos anos com mais ou menos expressão, é à ausência de clarificação reavivando em vários momentos concepções e misturas que fazem com que esse passado esteja sempre a receber vitaminas. Aliás, o mesmo se passa na área da Autoridade Marítima.

Clarifiquemos: para o PCP os militares são cidadãos como outros e podem exercer todo o tipo de funções e assumir todo o tipo de cargos, desde que tenham os conhecimentos e competências para o efeito e estejam dentro dos enquadramentos legais. Mas para o PCP ser militar não é sinónimo de tudo saber e estando numa estrutura de natureza civil é necessário não subverter a natureza da estrutura. Tal como não se contesta o papel supletivo que as Forças Armadas podem desempenhar no sistema de Protecção Civil que tem e deve ter na Autoridade Nacional competente o centro dirigente.

O terceiro e último tópico

É sobre o Planeamento Civil de Emergência que deve planear cenários de resposta, articulação e garantir redundâncias sobre áreas vitais ao funcionamento do Estado e da sua resposta em situações de crise séria. Falamos de garantir reservas alimentares básicas, de água, de combustíveis, etc, que garantam o abastecimento de emergência à população durante um determinado período, em face de uma catástrofe que ocorra ou em face de um acontecimento internacional que interrompa circuitos de abastecimento normais. Vimos com a pandemia como debilidades vieram à tona – debilidades em seringas, debilidades em aparelhos de fornecimento de oxigénio, etc.

Mas em tempo de avanços tecnológicos em que vivemos, esta é também uma área que cada vez mais desempenha um papel que pode interferir ou bloquear o funcionamento de áreas do Estado vitais para o funcionamento da sociedade.

Todos conhecemos situações em que por estar em baixo o sistema informático de um Centro de Saúde as consultas são adiadas.

Ora, a prospetiva estratégica tem de ser o alicerce de um Planeamento Civil de Emergência respondendo a, pelo menos, 3 questões fundamentais – o que pode acontecer? O que fazer? Como fazer?

As Forças Armadas podem ter especial papel a desempenhar nesse contexto. Mas a questão de fundo é saber-se como está a organização do Estado a funcionar para ter sustentadamente respostas previstas para situações que impliquem o accionamento do Planeamento Civil de Emergência, porque emergências, catástrofes e constrangimentos sérios ao funcionamento da sociedade é muito mais do que só os incêndios ou tremores de terra.

E a debilitação dos serviços públicos a que estamos a assistir por força da política de direita de sucessivos governos, se afectam as capacidades de resposta no dia-a-dia, por maioria de razão podem constituir um problema na resposta em situações de emergência grave.

Disse!

  • Segurança das Populações
  • protecção cívil