O conceito de política pública está intimamente ligado aos princípios da legalidade, eficiência e do interesse público.
Interesse público, gestão pública e decisão pública são o ponto de partida para uma análise sistémica da área da proteção civil.
Se algumas das políticas públicas têm como premissas situações em que é possível claramente definir os contextos e formular medidas concretas a aplicar, a circunstância das situações para as quais o sistema de proteção civil é convocado serem inesperadas, torna o processo legislativo mais complexo e exige do legislador maior rigor e mais responsabilidade.
Com uma observação mais detalhada, analisando o sucesso ou insucesso das medidas já implementadas, é possível formular e executar políticas públicas de proteção civil adequadas e mais próximas das reais necessidades dos cidadãos.
A vida de uma política pública assenta em diversas fases: identificação dos problemas; formulação do processo de decisão; definição de objetivos e metas, financiamento, planeamento e calendarização, execução das decisões; avaliação dos efeitos das decisões.
No setor da proteção civil existem vários problemas políticos, no modelo da sua organização.
Para pensar o sistema da proteção civil, temos de saber o que queremos quanto a recursos naturais, ao ordenamento do território, sustentabilidade, organização administrativa do Estado, entre outros domínios, no âmbito de um projeto global.
Assim:
- Exige-se que o Estado garanta uma abordagem política multissetorial, para inverter o insucesso das experiências implementadas ao longo de décadas.
- Exige-se do Estado que abra mão da sua visão centralista do sistema, consubstanciada na criação de uma superestrutura orgânica na ANEPC, e adote uma nova política de investimento no poder local democrático, enquanto patamar potenciador de um sistema de proteção civil eficaz e eficiente;
- Exige-se ao Estado uma ação estratégica e uma ação normativa, que garanta uma atuação eficaz, a montante do risco e a diversos níveis, para que o socorro seja o último recurso, quando todos os outros falham.
A função do Estado no domínio da proteção civil efetiva-se, não apenas pela prestação do serviço de socorro ou do planeamento, mas pela capacidade de mitigar as situações de catástrofe ou de eventos meteorológicos extremos.
A complexidade da interligação das mais diferentes ações de socorro, dos mais indiferenciados meios humanos, da formação dos agentes, do envolvimento de uma ampla panóplia de entidades e instituições à volta da proteção civil, constituindo uma confusa manta de retalhos, impõe a definição de um conceito estratégico integrador e doutrinariamente coerente, onde o todo seja muito mais robusto que a soma das partes.
Definir um conceito estratégico de proteção civil, e fazer a sua análise à luz de critérios formais ou materiais, de critérios objetivos ou subjetivos, estabelecendo uma definição de fronteiras e dos seus contornos, pressupõe reconhecer o caracter interdisciplinar do sistema. É assumir que se trata de uma matéria transversal a vários ramos da ciência, do conhecimento do risco, da capacidade de resposta ao socorro, da afetação dos meios necessários e adequados, do mitigar prejuízos, de combater ineficiências.
Para a construção do objetivo anteriormente referido, torna-se indispensável que a Assembleia da República e o Governo, enquanto órgãos detentores do poder legislativo, se empenhem na aprovação de uma nova Lei de Bases da Proteção Civil, para a elaboração da qual sejam chamados a participar vários agentes, através dos seus legítimos representantes.
Não obstante as alterações legislativas registadas ao longo das últimas duas décadas, os resultados mostram-nos que há que atalhar caminho e pensar numa revisão de fundo do sistema de proteção civil, do ponto de vista estrutural.
Muitos meios, não significa bons meios, ou os meios adequados. Não é por estarem numa ocorrência 1300 operacionais, que significa que tenha sido eficaz ou até eficiente o processo de resolução da mesma.
São necessários melhores meios e não mais meios. É necessária melhor gestão e não mais gestão. É necessária melhor coordenação e não mais coordenação. É necessário melhor comandamento e não mais comandamento. Em suma, é necessária melhor proteção civil e não mais proteção civil.
Assim, propõe-se as seguintes medidas para a construção de um novo conceito estratégico de Proteção Civil:
- Reforçar na lei as competências e atribuições dos municípios e do Presidente de Camara, enquanto autoridade municipal de proteção civil, acompanhando o referido reforço de competências com a respetiva transferência de recursos financeiros, através do Orçamento do Estado, associada à matriz de risco de cada concelho e no quadro de um instrumento legal regulador do mesmo.
- Inserir nas novas competências dos municípios a segurança contra incêndios em edifícios, dotando os mesmos da estrutura técnica necessária para o efeito.
- Regionalizar as estruturas do sistema de proteção civil, definindo os níveis dos sistema em local (freguesia), municipal (concelho), regional (5 regiões do Continente, mais Açores e Madeira) e nacional.
- Reduzir as atuais sub-regiões da ANEPC e transformá-las em zonas operacionais de cada uma das 5 regiões do Continente, partilhando a figura jurídica destas e constituindo-se como estruturas avançadas das mesmas.
- Promover um debate, com a ativa participação da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, sobre a reorganização estrutural do setor de Bombeiros, tendo como objetivo definir:
- Competências e modelo de estrutura para o exercício da tutela do Estado;
- Missão, quadricula e meios de socorro e sua distribuição pelo território;
- Perfis funcionais e modelos de qualificação e recrutamento dos cargos de comando;
- Estabelecimento de carreiras profissionais;
- Promoção ativa do voluntariado nos Bombeiros;
- Modelo de financiamento das estruturas de socorro confiado a Bombeiros;
- Incorporação de conhecimento técnico e científico nos processo de decisão, aos vários níveis.
O país precisa de uma nova política para o sistema de proteção civil, não porque o seu modelo atual esteja caduco, mas sim porque ele pode e deve ser melhor, mais racional, mais justo, mais eficiente e mais preparado para os desafios e os riscos, aos quais os cidadãos estão expostos.
Uma nova política, com uma visão integrada para o sistema de proteção civil, apenas orientada pelos interesses do país e não por ímpetos governativos de circunstância, constitui uma reivindicação justa pela qual vale a pena lutar.
À fobia legislativa de sucessivos governos e à falta de competência dos mesmos, importa contrapor soluções baseadas em pensamento estratégico e adequadas à realidade social do país, centradas nos cidadãos e na salvaguarda da sua segurança e bem-estar.
É por isso que estamos aqui!