Como bem sabemos, todos os anos na nossa Festa do Avante,
Um dos concertos que mais assistência tem, é o de música clássica.
Contrariando o discurso estabelecido, de que existe um tipo de arte que só é apreciada por uma certa elite económica e cultural, ela é facilmente desmentida, não só por o evento atrás mencionado, mas também por outros, poucos, realizados no país, como é o caso do “Festival ao Largo”, que se realiza todos os anos no exterior do TNSC e, sendo de livre acesso, é sempre um acontecimento transversal a toda a população e altamente procurado, como atestam as multidões que a este festival assistem.
Quais serão as razões que levam a uma elitização dos espectáculos de bailado, ópera e sinfónicos em estruturas como o Opart quando decorrem em sala?
A meu ver, são duas as razões principais a não permitir uma verdadeira democratização de acesso a este tipo de eventos.
A primeira decorre de uma fraca oferta educativa no campo do ensino artístico, e a segunda, tão ou mais importante, o elevado custo dos bilhetes.
Esta conclusão emana não só da minha experiência pessoal e profissional. Sustenta-se em estudos, como o mais recente e muito completo “Inquérito às práticas culturais dos portugueses “, de 2020, onde se demonstra de uma forma evidente, que a fruição e criação Cultural são negadas a uma esmagadora maioria da população em resultado dos constrangimentos económicos e sociais existentes na sociedade.
Efectivamente temos por um lado os frequentadores regulares da cultura, cidadãos com rendimentos elevados, acima de 2700€, nível superior de ensino, escolaridade parental também superior e com tempo para o lazer,
por outro, temos os trabalhadores de serviços, operários, jovens, reformados e pensionistas que tem acesso residual aos espaços culturais.
Importa salientar que as alterações às leis laborais, como a desregulação dos horários de trabalho, os baixos rendimentos e o tempo de lazer desajustado com uma vida social e familiar, ainda mais cavam o fosso entre uns e os muitos outros…
O estudo também salienta a importância das conquistas de Abril de 74, em várias áreas como a saúde a educação, mas que têm sofrido retrocessos. A escola pública poderia um papel central, mas é ainda de fraca expressão no que se refere ao ensino artístico.
Este é o dado que nos importa salientar: Para democratizar o acesso e a fruição cultural, o ensino é um dos pilares, a trave-mestra, com a qual agentes culturais e as instituições, como o OPART, se devem articular.
O OPART, estrutura que inclui o Teatro Nacional de São Carlos, o Teatro Camões e os estúdios Vítor Cordon, têm particular importância na Democratização na área da Cultura, não só pela sua dimensão, cerca de 400 trabalhadores, mas acima de tudo pela excelência técnica e artística, sendo a casa de três agrupamentos artísticos profissionais. A saber: orquestra sinfónica portuguesa, o coro do TNSC e a companhia nacional de bailado. Relevante é o facto de estes dois últimos agrupamentos serem únicos no país.
Como consta nos seus estatutos, “é Missão do OPART, a promoção e produção regular de uma programação músico-teatral diversificada, com recurso à Orquestra Sinfónica Portuguesa, ao Coro do TNSC e aos Bailarinos da CNB, segundo os mais elevados padrões de qualidade, bem como a promoção do acesso à fruição e à prática destes domínios de actividade artística por parte dos cidadãos.”
Para que efectivamente o OPART possa contribuir para a valorização dos cidadãos é urgente:
Dignificar os trabalhadores, preservando os postos de trabalho e sua renovação, facultando a formação profissional, defendendo os direitos e um salário digno;
Facilitar aos profissionais que trabalham em Portugal o acesso às produções, seja na área técnica, seja na artística, articulando com as escolas e com as respectivas tutelas, uma forma sustentável na formação e progressão dos profissionais. Para isto, muito poderá contribuir um Estúdio de Ópera.
É de referir que a quase totalidade dos cenários e guarda-roupa inerentes às produções são importados, desvalorizando os profissionais que exercem a sua actividade em Portugal por não encontrarem trabalho. Este é de facto um outro ponto nevrálgico: a perca deste tipo de trabalho, entregue à importação do “já feito”, mas sobretudo a perca do Saber, o saber enquanto valor intangível e muitas vezes de difícil ou mesmo impossível recuperação.
Mas o sujeito principal desta democratização é o cidadão. Tal como ficou identificado no estudo que citei no início desta intervenção, a maioria da população está excluída das produções do OPART, seja pelo custo do bilhete, seja pela ausencia do ensino artistico no percurso educativo da maioria da população, divorciando-as da fruição e participação, empobrecendo o individuo e o colectivo.
Em resumo,
• o ensino artístico, tem de ser mais valorizado e estruturante no percurso escolar: o Ministério da Educação juntamente com as entidades como o OPART deveriam articular verdadeiras actividades pedagógicas e participativas da comunidade;
• diminuir substancialmente o preço dos bilhetes, permitirá que todos tenham um real acesso aos espectáculos. Importa aqui referir que a bilheteira representa apenas 4% das receitas, sendo a restante contribuição estatal. Assim sendo, o elevado preço dos bilhetes, apenas exclui a maioria dos cidadãos, em particular os jovens e os mais idosos.
É este o momento para avançar com políticas efectivas que façam cumprir a Constituição.
Pela Democratização do Opart,
Pelo direito à Cultura!