Já na fase final do nosso Encontro, temos razão para sairmos daqui com a convicção de que a Resolução aprovada, constitui um importante contributo para a nossa intervenção capaz de mobilizar todos aqueles que estão dispostos a unir esforços com o objectivo de mudar o rumo de desvalorização da Cultura que tem sido seguido em Portugal e construirmos soluções capazes de levar por diante a democratização do acesso, da criação e da fruição culturais.
Tal como várias intervenções aqui o afirmaram, o País tem vivido na Cultura um período marcado por uma acentuada elitização, privatização e mercantilização, em que a esta é concebida como apenas mais uma área da actividade económica, centrada em torno das chamadas indústrias culturais. Uma situação e uma opção que se acentuou com a substituição da presença livre e independente da criação, pela crescente presença e resposta de uma monocultura dominante, com uma sistemática fragilização do tecido cultural no País, um tecido cada vez mais vulnerável e precário, com novas limitações no acesso à criação e à fruição culturais.
Durante o fascismo, a orientação do Ensino e da Cultura esteve inteiramente subordinada aos interesses retrógrados da classe dominante e os progressos da Ciência e do conhecimento científico não eram aplicados à produção, senão na estrita medida em que interessavam aos monopólios.
Em Portugal, só o processo revolucionário, desencadeado pelo 25 de Abril de 1974, trouxe uma profunda democratização da sociedade portuguesa e trouxe também enormes transformações políticas, económicas, sociais e culturais.
Foram assim criadas as condições para se avançar com políticas de desenvolvimento integrado, com apostas muito claras no Ensino, na Ciência e na democratização da Cultura.
Mas o atraso cultural a que o fascismo condenou o nosso País e o facto de serem mais demoradas as transformações da esfera cultural, exigiam que tivesse sido dada prioridade ao investimento e ao desenvolvimento da Cultura, algo que a política de direita sempre se negou fazer.
Após a Revolução de Abril realizaram-se importantes mudanças no plano da construção dos novos equipamentos, no crescimento de públicos, em múltiplas iniciativas de diferente dimensão. E, sobretudo, na intervenção, iniciativa e realização dos próprios criadores, investigadores e cientistas, no aumento do seu número e nos seus mais elevados níveis de qualificação.
Apesar de tudo poder-se-ia ir mais longe se não tivesse sido brutalmente cerceado o impulso revolucionário de Abril, se tivesse sido prosseguido um verdadeiro rumo de democratização cultural, se tivesse sido atribuída às áreas da Cultura a prioridade que exigem, como parte integrante da resposta às necessidades de desenvolvimento e de progresso do nosso País.
Agravando até limites insustentáveis a asfixia financeira, a instrumentalização clientelar, a desresponsabilização do Estado, a elitização, a integração internacional subalterna e estéril, a entrega ao mercado da iniciativa e da condução das políticas culturais.
A Cultura, nas suas diferentes expressões, é um terreno de contradição, de conflito e de confronto. Integram hoje a esfera cultural elementos de enorme potencial transformador e emancipador e também poderosos factores de alienação e dominação de classe. O combate e a intervenção na frente cultural travam-se num terreno em que, em diversos aspectos, existe uma correlação de forças desfavorável. Mas no qual, simultaneamente, reside um enorme potencial transformador e emancipador
Para o PCP, o desenvolvimento, cujo objectivo último deve estar centrado no Homem, tem uma dimensão cultural essencial, deve preservar os traços da sua identidade cultural e impedir a erosão de alguns dos seus valores, frente às ameaças de padronização dos gostos e modos de vida a que são expostas, ao impacto de modelos importados.
Ao longo dos anos de existência do PCP, foram muitos os intelectuais que deram um importante contributo para a democratização do acesso à criação e fruição culturais. Quero destacar aqui neste nosso Encontro, entre muitos outros, Bento Jesus Caraça, com um percurso excepcional nos planos: pedagógico, cultural e cívico, que desenvolveu toda uma intensa actividade a partir da Universidade Popular Portuguesa, que ele ajudou a fundar, com um importante papel na Cultura portuguesa na primeira metade do século XX.
Passados quase 90 anos, continua a ter grande actualidade o texto da conferência que Bento Jesus Caraça proferiu cujo título -”A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do nosso Tempo”, em que afirma « A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas no quádruplo ponto de vista físico, moral, artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade».
A corrente dominante no nosso País até hoje, desresponsabilizadora do Estado e guiada por critérios mercantilistas, como aqui já hoje foi amplamente referido, vai em sentido inverso, reflectindo as tendências impostas pelo capitalismo na sua fase actual.
O dito mercado cultural, numa sociedade de classes e de propriedade privada dos bens de produção, é não apenas mais um sector da economia capitalista como também um meio de reprodução quase automática, mas subtilmente manobrada, dos valores da classe dominante.
O acesso aos bens e serviços culturais, a participação da vida cultural e o desenvolvimento de actividades culturais próprias no País, particularmente mediante a promoção da criatividade e da criação, representam hoje em dia uma exigência fundamental.
Exigência que está reflectida no Programa do PCP, a “democracia avançada, os valores de Abril no futuro de Portugal”, que o Partido propõe ao povo português, e que surge na continuidade histórica do programa da Revolução Democrática e Nacional definido e aprovado em 1965 e dos ideias, conquistas e realizações de valor igualmente histórico da revolução de Abril, Democracia Avançada que propõe, projecta, consolida e desenvolve os valores de Abril no futuro de Portugal.
No ideal e projecto do PCP, a democracia tem quatro vertentes inseparáveis – política, económica, social e cultural.
Democracia cultural entendida como um factor da democracia política cujas potencialidades só se podem desenvolver com o alargamento e a elevação da formação e da vida cultural das populações.
Democracia cultural que implica, entre outros objectivos. a generalização da fruição dos bens culturais e das actividades culturais, com a eliminação das discriminações económicas, sociais, de sexo e regionais no acesso aos conhecimentos e à actividade cultural; a formação de uma consciência social progressista, que promova os valores humanistas da liberdade, da igualdade, da tolerância, da solidariedade, da democracia e da paz, e o reconhecimento e a valorização da função social dos trabalhadores da área da cultura e das suas estruturas, bem como a melhoria constante da sua formação e condições de trabalho, e o apoio efectivo aos jovens artistas.
Na Cultura, o País tem estado confrontado com a política de direita – de desprezo e abandono das funções culturais do Estado, em completo desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, bem expresso na cifra de 0,3% do OE destinado à cultura.
A intervenção dos sucessivos governos da política de direita tem sido uma intervenção de sacrifício da Cultura portuguesa ante a avassaladora colonização cultural vinda dos países imperialistas.
Não aprovamos nem desaprovamos estilos, escolas ou modelos. Como referiu Álvaro Cunhal, o “Partido diz ao artista que descubra e use a sua própria linguagem. Apenas um justo desejo: que a sua obra, além da emoção estética, inspire sentimentos conformes à luta pela cultura, à luta pela liberdade, à luta pela democracia, em que o povo português está empenhado. E contribua para criar determinação e confiança”.
Com inteira razão, podemos estar orgulhosos de contar nas nossas fileiras ou muito próximos delas, muitos homens e mulheres que, no passado e na na época presente, se situam sem contestação, nos lugares cimeiros da literatura, da música, da canção, do teatro, da dança, do cinema, da pintura, da escultura.
Tal como é referido na Resolução do Encontro Nacional, numa altura em que a situação internacional é aproveitada pelo sistema dominante para instrumentalizar a Cultura, ao serviço da dominação e da guerra, é fundamental lutar para a transformar num espaço privilegiado e insubstituível de entendimento entre indivíduos e comunidades humanas, sempre construtora da liberdade e de paz, sempre factor essencial de progresso e emancipação humana.
Uma obra que é parte integrante da democracia e factor da elevação cultural do povo.
Estamos e vamos agir num novo quadro político-institucional que apresenta acrescidas dificuldades não só para a resolução dos problemas que a Cultura enfrenta, mas também novas resistências à solução dos grandes problemas nacionais.
Os problemas do País que diariamente atingem o povo, como as desigualdades e as injustiças sociais, os atrasos e défices estruturais, o aumento do custo de vida, a degradação dos serviços públicos, a dependência externa, a falta de aposta na produção nacional, exigem soluções políticas que o Governo do PS não tem e se recusa a assumir.
Estes primeiros tempos de governação de maioria absoluta do PS confirmam-no.
Confirmam-no a política inscrita no seu Programa de Governo, cujas opções são ditadas pela sua subordinação aos interesses do grande capital e da União Europeia, onde a resposta a tais problemas não se vislumbram, antes se tenderão a agravar no imediato, desde logo no plano social com a patente recusa de inverter a actual e injusta distribuição do rendimento nacional com o aumento dos salários, com a aceitação da precariedade no trabalho, a negação do controlo e fixação de preços no combate à especulação, na energia, nos combustíveis, entre outros e a recusa da consideração do controlo público de setores estratégicos da economia.
Confirmam-no as propostas do seu primeiro Orçamento do Estado, o mesmo que já antes ficava aquém do que se impunha considerar para dar resposta aos problemas do País, e hoje se apresenta cego para enfrentar uma realidade mudada, agora bem mais difícil do que há seis meses, onde está presente uma inflação que galopa, com graves consequências na nossa vida colectiva. A mesma dificuldade poderíamos verificar no SNS, na Educação e na Cultura, onde, mais uma vez, os valores avançados pelo Governo são manifestamente insuficientes, para dar solução aos problemas existentes, muito aquém de 1% para o sector. Se há seis meses a situação do País era grave, seis meses decorridos a situação é bem pior e a sua prioridade e principal preocupação continua centrada na obtenção de um défice 1,9%. É essa que é a “questão absolutamente essencial” e não a resposta aos problemas do País.
Confirmam-no também as opções de política externa, de alinhamento com os interesses e ambições geoestratégicas e militaristas do imperialismo norte-americano e das principais potências europeias, que transportam nefastos e imprevisíveis desenvolvimentos com reflexos em importantes domínios da vida nacional, com ênfase para o plano económico.
Confirmam-no ainda, e a cada dia que passa, as suas opções face ao crescente agravamento da situação económica e social, onde a salvaguarda dos lucros dos grupos monopolistas tomam a dianteira, em detrimento da salvaguarda das condições de vida do povo e do desenvolvimento do País.
É por isso que o que se perspectiva com o novo Governo do PS, agora apanhado de mãos livres e com a sua maioria absoluta, é o agravamento das condições de vida do povo, o adiamento da solução dos problemas nacionais, ao mesmo tempo se promove a acumulação de privilégios e benefícios para os grupos económicos com as mais insustentáveis justificações.
Nesta matéria o que está acontecer é inqualificável, num tempo que se pedem cada vez mais sacríficos aos trabalhadores, aos intelectuais e quadros técnicos, ao povo, assistimos a um autêntico assalto ao bolso dos portugueses, da parte desses grupos económicos. Um só exemplo: os lucros da Galp neste primeiro trimestre tiveram um aumento de quase 500% em termos homólogos.
Fica agora mais claro que muito do que se conseguiu de defesa, reposição e conquista de direitos nestes últimos anos pós-troika não foi por opção do PS, por sua genuína vontade, mas porque a isso foi forçado pelas circunstâncias. Foi forçado pelas condições criadas com a alteração da correlação de forças, a luta dos trabalhadores e do povo, a pela persistente iniciativa e proposta do PCP.
O tempo que aí vem vai mostrar não só a verdadeira face da sua política, concebida e realizada a favor dos grandes interesses económicos nacionais e transnacionais, como estamos a ver com essa sua inaceitável opção de sacrificar salários e pensões com o pretexto do combate à inflação, mas mostrar também quanto engano se escondia nos seus proclamados objectivos de governar à esquerda e com o tão cantado Orçamento que era o mais à esquerda de sempre!
Percebe-se agora melhor que aquilo que o PS ambicionava era criar as condições para prosseguir sem empecilhos a política de direita que nunca abandonou enquanto opções e critérios seus.
Quem tinha expectativas de que o percurso feito nos últimos anos tivesse continuidade, percebe agora que só por cima da maioria absoluta do PS isso poderá acontecer. E isso exige dar força à luta que precisamos de ampliar e à nossa iniciativa no plano social e no plano institucional, como o estamos a fazer com as numerosas e importantes propostas já apresentadas no âmbito da discussão do Orçamento de Estado para o presente ano. Tal como para passar por cima da maioria absoluta precisamos de um Partido reforçado, ligado às massas, pronto para o combate ideológico e o esclarecimento, num tempo onde proliferam abundantes mistificações e muitas falsidades.
Este é já o tempo de agir para mostrar o engano e desenganar os muitos que tomaram como certas e sérias as suas promessas eleitorais. Mostrar e repudiar a mentira e o preconceito anticomunista que, na base de uma caricatura da posição do PCP sobre a guerra, se difunde e manipula. É tempo de mostrar quem ganha e quem perde com a guerra e com as sanções que em seu nome se decretam e que estão a servir para intensificar a exploração, agravando as condições de vida, aumentando as injustiças, garantindo aos grupos económicos lucros amassados à custa da perda de poder de compra dos trabalhadores e do povo.
Estamos aonde sempre estivemos, do lado da paz e contra a guerra e as sanções, demarcando-nos da intervenção à margem do direito internacional do actual poder capitalista da Rússia, mas não escamoteando as graves e primeiras responsabilidades daqueles que hoje, como os Estados Unidos da América, instigam a escalada da confrontação e no passado promoveram a divisão e conflito, com a sua ingerência e que conduziram a Ucrânia para uma guerra que dura há oito anos, alimentada por um poder xenófobo e belicista.
Sim, colocamo-nos do lado da paz. Do lado dos que reafirmam a urgência de iniciativas que contribuam para um processo de diálogo com vista à solução política do conflito, à resposta aos problemas de segurança colectiva na Europa, ao cumprimento dos princípios da Carta das Nações Unidas e da Acta Final da Conferência de Helsínquia.
A guerra só traz dor, sofrimento, perda de vidas. Além de manipulações sem fim, não passa de hipocrisia exibir sistematicamente imagens dilacerantes que não deixam ninguém indiferente e depois animar a guerra, falar em armas e mais armas.
É por não querermos que continue a destruição e o sofrimento expresso nessas imagens que nos pomos do lado da paz. Os que animam o conflito e o querem prolongar são responsáveis pela continuada perda de vidas.
O País continua a precisar de uma resposta política à altura dos problemas e das necessidades que enfrenta, mobilizando todas as possibilidades que hoje existem.
O Governo continua a recusar as soluções defendidas pelo PCP para o aumento geral dos salários e das pensões, de defesa dos direitos sociais e do reforço dos serviços públicos, designadamente do SNS, Escola Pública, Segurança Social e da Cultura. Continua a recusar a defesa do direito à habitação e à mobilidade. Continua a negar a concretização de uma política fiscal que alivie os impostos sobre o trabalho e os rendimentos mais baixos e intermédios. Continua a recusar o investimento público necessário à modernização do País e ao desenvolvimento da produção nacional.
Portugal precisa de outra política capaz de garantir a resposta global aos seus problemas, de assegurar o desenvolvimento soberano e um futuro de progresso e justiça social, é essa a política por que o PCP continuará a bater-se.
Vivemos tempos que reclamam e exigem um Partido Comunista Português forte, determinado e convicto.
Tempos que reclamam firmeza ideológica e um colectivo partidário determinado em prosseguir com confiança a intervenção em defesa dos interesses e aspirações dos trabalhadores e do povo, das soluções para os problemas nacionais.
Coragem e determinação fundadas naquilo que somos e representamos, da nossa identificação com os interesses e direitos do nosso povo, encontrando na ligação aos trabalhadores e ao povo a força e razão da nossa intervenção, afirmando o nosso compromisso inabalável para com eles, as suas aspirações e luta por uma vida melhor e uma sociedade mais justa.
Lutamos por uma política patriótica e de esquerda. Lutamos pela democracia avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal, tendo no horizonte o socialismo. Lutamos todos os dias, em todas as frentes, ligados aos trabalhadores e ao povo português, aos seus anseios, com aquela confiança e determinação que se alicerça na força da esperança, na força da luta, na força do povo.
É olhando em frente e com confiança neste grande e coerente Partido que continuamos hoje o nosso combate!