José Saramago influenciou a vida de todos aqui presentes, seja pela sua escrita, seja pela sua militância. E não só influenciou a nossa vida, mas também a nossa forma de refletir sobre o mundo, sempre de uma forma perspicaz, incentivando-nos a questioná-lo e a mudá-lo.
O meu primeiro contacto com Saramago, e o de muitos jovens foi na escola, com o livro “A maior flor do mundo”. O menino desta história percorre rios, montanhas, desertos até encontrar uma flor quase morta. Comovido ao vê-la, procura tomar conta dela. Com a sua ajuda, ela cresce e torna-se a maior flor do mundo. Mas já com fome e cansado, deita-se. E é aqui a sua vez de ajudá-lo a levantar-se e a ganhar forças para voltar para casa. Apesar de ser livro infantil, mantém a moral que se repercute ao longo de toda a sua escrita: a importância da curiosidade, incentivando-nos também a regar e a lutar pelos nossos sonhos.
Mais tarde, estudei também “O conto da ilha desconhecida”, a história de um homem que vai ao rei pedir-lhe um barco para procurar uma ilha desconhecida. A primeira resposta é, naturalmente, negativa, mas o homem rapidamente lhe explica que todas as ilhas são desconhecidas até as conhecermos. Este livro não é mais que uma parábola sobre o sonho e sobre o otimismo, que mais uma vez nos questiona sobre o futuro, sobre o pensar mais além, sobre projetar um mundo melhor para viver, semeando nos jovens leitores a vontade de mudar a nossa condição e nunca nos conformarmos.
Por fim lemos o Memorial do Convento, a história sobre a dureza da vida dos construtores do Convento de Mafra. Mas o que nos estimula e cativa nas obras de Saramago é que o cruel retracto da pobreza, da desigualdade e injustiça nunca são acompanhadas de um sentimento de tristeza ou conformismo. Aqui encontramos a missão de Saramago escritor, e também a do militante, onde a denúncia do que está mal se junta à vontade de intervir e de o transformar. É impossível ler um dos seus livros e não sentir a audácia, a rebeldia e a vontade de mudar o mundo.
José Saramago projetou também através da sua militância a Escola de Abril, a escola onde aprendemos não só a matemática, as ciências e o português, mas aprendemos a representar, a correr, a brincar e a ser jovens em todas as suas dimensões. E ainda que a escola pública que temos na atualidade não represente a escola com que sonhou, Saramago ajuda-a a construir todos os dias através da sua obra. Porque nenhum aluno passa pela crueldade do trabalho dos que construíram o Convento de Mafra, pela resistência dos camponeses alentejanos e pelo clima sombrio do fascismo e da desigualdade sem se sensibilizar.
Por um lado, a escola pública desempenha um papel fundamental na introdução de Saramago aos mais jovens. Por outro lado, a escola que temos hoje não trata José Saramago e a leitura como gostaríamos. No Ensino Secundário, há obras de importância imensurável, como o Memorial do Convento e o Ano da Morte de Ricardo Reis que não são estudadas pelo seu valor na literatura nacional e internacional, mas sim com o puro intuito de estar capazes de responder a questões estereotipadas nos exames nacionais. Mas se aprendemos a analisar um livro sobre a injustiça e sobre a desigualdade, porque é que somos submetidos a um método de avaliação que nada mais faz senão acentuar as desigualdades entre os alunos e stressá-los com uma prova que injustamente os avaliará em uma hora e meia sobre a capacidade de prosseguir os seus estudos no ensino superior.
E é talvez pelo efeito de consciencialização que os textos do Saramago provocam em quem o lê que é dado da maneira que o estudamos. Não com uma perspetiva de comparação com o que lemos e com a atualidade. Não como uma crítica à sociedade. Não reconhecendo os seus ideais na sua escrita. Somos cedo preparados e avisados de que Saramago não é fácil, não é acessível, que se calhar nem o vamos conseguir perceber. Mas a verdade é que não há nada mais fácil de perceber que a realidade em que vivemos, fortemente marcada pela desigualdade e pela injustiça, que desde cedo estamos habituados a ver, e é nele que a lemos com uma mestria especial.
Mas os jovens cada vez reconhecem mais o papel crítico que José Saramago teve. E mais que perceber o seu papel de denunciador, reveem-se também nas suas críticas e na necessidade de as mudar. Foi por isso que tantos escreveram poemas, contos, estórias para o Concurso Literário da JCP, um concurso que nos permitiu aproximar da sua escrita e da sua vida. O que seria de nós se não sonhássemos? Porque ainda que longe de nós temporalmente, nunca deixou de ter o espírito jovem da rebeldia e da curiosidade.
E é de certo uma motivação para qualquer jovem ver um comunista, um homem que viu além da sua condição e que sonhou um mundo mais livre e justo, ganhar um prémio nobel e ainda assim não deixar os seus ideais para trás e não arredar pé da luta de todos os dias.
Viva José Saramago!