Intervenção de Jorge Pires, Membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência «Uma visão universal e progressista da História - A actualidade da Obra de José Saramago»

O papel da cultura enquanto elemento de liberdade, de progresso, de pensamento e de criatividade

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Camaradas, Amigos convidados,

A história do PCP desde a sua fundação, está marcada através dos anos por provas sem paralelo de dedicação e coragem de gerações de militantes numa luta constante e consequente em defesa dos interesses da classe operária e de todos os trabalhadores, do povo português e de Portugal. Uma luta pela liberdade, a democracia, o progresso social, em que a defesa da cultura assumiu um papel destacado.

Nesta luta, o contributo dos intelectuais do Partido pelo derrubamento do fascismo e pela conquista da democracia e da liberdade, se revestiu de transparente singularidade.

Nas obras de muitos escritores comunistas, encontramos a abordagem, a análise e a reflexão lúcidas e rigorosas sobre décadas da história do nosso País e do mundo, sobre a luta antifascista e o papel crucial nela desempenhado pelo Partido Comunista Português, quer durante os 48 anos do fascismo, quer no Portugal de Abril até aos nossos dias.

Não aprovamos nem desaprovamos estilos, escolas ou modelos. Como referiu Álvaro Cunhal, (passo a citar) o “Partido diz ao artista que descubra e use a sua própria linguagem. Apenas um justo desejo que a sua obra, além da emoção estética, insira sentimentos conformes à luta pela cultura, à luta pela liberdade, à luta pela democracia, em que o povo português está empenhado. E contribua para criar determinação e confiança” (fim de citação)

Deste contributo inestimável fazem parte, obras de criação literária de muitos escritores de onde emergem os romances “Até amanhã camaradas”, de Álvaro Cunhal, ou “Levantado do Chão”, de José Saramago, entre muitas outras.

Entre os muitos intelectuais do Partido que tiveram uma intervenção notável, destacamos hoje, nesta conferência, José Saramago um dos mais destacados, não apenas pela obra literária que realizou, mas também pelo contributo que deu para a liberdade e a democracia.

Os intelectuais comunistas sempre mostraram, mesmo em tempos difíceis a importância da intervenção política orientada por um ideal e um projecto como aquele que José Saramago abraçou: o ideal e o projecto comunista.

José Saramago assumiu sempre a sua condição de comunista, nunca precisando de a esconder, como referiu depois a propósito de ter sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.

Como Bento de Jesus Caraça desenvolveu, um entendimento amplo de Cultura não se esgota nas fronteiras da “cultura artística”, mas que assume a Cultura como factor de emancipação humana, a «aquisição de Cultura como factor de conquista da liberdade».

É com este entendimento que consideramos que no mundo contemporâneo, e também em Portugal, a cultura adquire um peso crescente na vida social.

Não a cultura como monopólio de uma elite, mas como valor e bem do povo. Daí o nosso empenhamento na sua defesa e democratização como elemento de liberdade do ser humano e da democracia política.

Para o PCP, democracia e obscurantismo são incompatíveis.

Esta nossa preocupação com a cultura é domínio com fundas raízes na identidade política do PCP. Para nós, a democracia cultural é uma componente indissociável da democracia política, económica e social – do ideal da democracia avançada indissociável do nosso projecto político de construção de uma sociedade nova sem exploração do homem pelo homem.

Radicada no movimento da sociedade, componente da vida do povo, a democracia cultural constitui um dos factores de transformação da realidade. O exercício dos direitos culturais e a luta pela sua generalização e aprofundamento são factores da democracia globalmente considerada.

Democracia cultural baseada no efectivo acesso das massas populares à sua criação e fruição e na liberdade e apoio à produção cultural, que implica:

  • a garantia do direito à fruição dos bens culturais e das actividades culturais, com a eliminação das discriminações económicas, sociais, de sexo e regionais no acesso aos conhecimentos e à actividade cultural;
  • a formação de uma consciência social progressista, que promova os valores humanistas da liberdade, da igualdade, da tolerância, da solidariedade, da democracia e da paz;
  • o reconhecimento e a valorização da função social dos trabalhadores da área cultural e das suas estruturas e a melhoria constante da sua formação e condições de trabalho, e o apoio efectivo aos jovens artistas;
  • o apoio ao livre desenvolvimento das formas populares de criação e fruição, de associativismo e vida cultural, reconhecendo-se e valorizando-se o seu papel dinâmico na formação da identidade nacional;
  • uma política cultural que consiste no efectivo exercício dos direitos culturais, na criação de condições para o desenvolvimento integral do indivíduo e dos valores culturais da sociedade e que tem como fundamento e objectivos a elevação da participação criadora dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, bem como das suas organizações, nas várias esferas da vida social e a pedagogia dos valores democráticos.

Camaradas, Amigos convidados,

O País tem vivido na Cultura um período marcado por uma acentuada elitização, privatização e mercantilização, em que esta é concebida como apenas mais uma área da actividade económica, centrada em torno das chamadas industrias culturais. Uma situação e uma opção que se acentuou com a substituição da presença livre e independente da criação, pela crescente presença e resposta de uma monocultura.

Para o PCP, o desenvolvimento, cujo objectivo último deve estar centrado no Homem, tem uma dimensão cultural essencial, deve preservar os traços da sua identidade cultural e impedir a erosão de alguns dos seus valores, frente às ameaças de padronização dos gostos e modos de vida a que são expostos, ao impacto de modelos importados.

Ante a avassaladora colonização cultural vinda dos países imperialistas, os sucessivos governos da política de direita têm feito uma opção: sacrificar a cultura portuguesa, de que é exemplo o desprezo e abandono das funções culturais do Estado, em completo desrespeito pela Constituição da República Portuguesa.

Uma situação preocupante tendo em conta o nível de penetração ideológica a partir da cultura e da Arte. A forma como está a penetrar na Educação e tendo em conta os níveis de iliteracia muito elevados, está criado o caldo da incultura uma das causas da viragem à direita, em todos os aspectos, que se está a verificar em muitos países europeus.

Hoje quando se desenvolve no plano nacional e internacional um ataque sem precedentes, não apenas à liberdade cultural mas igualmente à liberdade individual de criação e fruição da cultura, o PCP propõe aos criadores, aos trabalhadores da Cultura, a todos os trabalhadores e ao povo português um grande objectivo comum: a concretização de um Serviço Público de Cultura, elemento central de responsabilização do Estado pelo desenvolvimento, democratização e liberdade cultural, construção do projecto de Abril a que a Constituição da República dá corpo.

A criação das condições materiais e espirituais indispensáveis ao desenvolvimento da criação, produção, difusão e fruição culturais, com a rejeição da sua subordinação a critérios mercantilistas e no respeito pela controvérsia científica e pela pluralidade das acções estéticas, é um objectivo central a atingir com a proposta do PCP.

Uma proposta que constitui, mais do que uma agregação e funcionamento articulado e sustentado de um conjunto de estruturas, instituições, entidades, recursos e meios, uma proposta de viragem nas políticas para a Cultura.

Viragem que passa, entre outras medidas, por garantir uma política do Livro e da Leitura, que em Portugal não existe.

Há muito que exigimos medidas concretas que contribuam para a valorização do Livro e da Leitura, mas o que foi feito nos últimos anos com a ausência de recursos para a renovação dos fundos documentais das bibliotecas e para a dinamização, por parte destas, de medidas de divulgação e promoção da leitura, o que temos assistido é a uma regressão nesta matéria.

Há vários anos que deixou de existir o financiamento do Plano Nacional de Leitura para a renovação de fundos para a Rede de Bibliotecas Escolares.

Medidas positivas que tinham sido tomadas, como as itinerâncias, foram entretanto canceladas e nunca retomadas.

O dito mercado, que no caso da política de edição e distribuição e comercialização, significa levar ao fecho de dezenas de livrarias, em resultado das medidas impostas pelas grandes editoras e distribuidoras no plano da comercialização, para além de impor uma política selectiva e determinar em grande medida os conteúdos.

Situação que a Lei das Rendas veio agravar.

São estas livrarias e as editoras não dependentes dos grandes grupos editoriais, que constituem um verdadeiro oásis no panorama do livro e da leitura em Portugal, quem garante a diversidade no plano editorial não totalmente subjugado aos interesses monopolistas.

A medida proposta pelo PCP e aprovada na Assembleia da República de atribuição das bolsas de criação literária, sendo muito positiva, é claramente insuficiente.

É preciso ir mais longe, nomeadamente:

  • Antes de qualquer decisão definitiva, aprofundar a discussão sobre a digitalização dos manuais escolares, que tudo indica o Governo pretende concluir até 2026 e que levanta sérios problemas nos planos pedagógico e de saúde, particularmente entre entre as crianças do 1º ciclo do ensino básico, no quadro de uma avaliação mais global que inclua a de que a leitura do livro digital nãao dispensa a leitura do livro físico.ideia de que a leitura do livro digital não dispensa a leitura do livro físico.
  • A construção de bibliotecas da Rede Nacional de Leitura Pública, nos concelhos onde não existam;
  • A reanimação e reequacionamento do Plano Nacional de Leitura;
  • Redinamização e refinanciamento da Rede de Bibliotecas Escolares;
  • O apoio às pequenas livrarias, entre outras medidas.

Camaradas, Amigos,

Com inteira razão, podemos estar orgulhosos de contar nas nossas fileiras ou muito próximo delas, com muitos homens e mulheres que, no passado e na época presente, se situam sem contestação, nos lugares cimeiros da literatura, da música, da canção, do teatro, da dança, do cinema, da pintura, da escultura.

Numa altura em que a situação internacional é aproveitada pelo sistema dominante para instrumentalizar a cultura, ao serviço da dominação e da guerra, é fundamental lutar para a transformar num espaço privilegiado e insubstituível de entendimento entre indivíduos e comunidades humanas, sempre construtora da liberdade e de paz, sempre factor essencial de progresso e emancipação humana.

Uma obra que é parte integrante da democracia e factor da elevação cultural do povo

Na luta pelo direito à criação e à fruição culturais; contra o grosseiro subfinanciamento das funções socioculturais do Estado; contra a mercantilização e privatização de bens e funções públicas; contra o ataque à dignidade do trabalho dos profissionais da cultura, o PCP estará sempre na primeira linha, sem no entanto, deixar de considerar que, neste combate, a luta dos trabalhadores da cultura è questão essencial.

Viva a Cultura!

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