Intervenção, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

Intervenção de abertura ENC

Camaradas participantes

Amigos convidados

Permitam-me os camaradas participantes neste nosso Encontro Nacional que comece por saudar os nossos convidados que aceitaram estar aqui connosco a abordar questões de grande actualidade para a Cultura no nosso País, num quadro político nacional e internacional que exige de todos nós uma intervenção corajosa e determinada na defesa da democratização da cultura e da liberdade cultural, valores que têm fundas raízes na identidade política do PCP.

Para nós, a democracia cultural é uma das componentes fundamentais da democracia; indissociável, e a par, da democracia política, económica e social – inscritas no Programa do PCP, Uma Democracia avançada, os valores de Abril no futuro de Portugal.

Como disse o camarada Álvaro Cunhal no encerramento da 1ª Assembleia de Artes e Letras da Organização Regional de Lisboa “A transformação cultural constitui aspecto essencial da transformação democrática da sociedade. Democracia e cultura são indivisíveis”. E acrescentou “A transformação cultural significa a elevação do nível cultural do povo, o acesso das massas ao ensino, à instrução e à cultura, a salvaguarda do património cultural do passado, a divulgação dos valores culturais do passado e do presente, a expansão estimulada das actividades criativas, a prática cultural pelas mais amplas massas.”

A democratização da criação e fruição culturais é a questão central do nosso Encontro Nacional, tal como se pode verificar no conteúdo do Projecto de Resolução. 

O 2º Encontro Nacional do PCP, com o lema “Democratização, liberdade cultural, por um Serviço Público de Cultura”, realiza-se num quadro marcado por uma prolongada desresponsabilização do Estado, já assinalada no 1º Encontro, concretizada por um crónico subfinanciamento, com consequências devastadoras ao longo dos anos para estruturas, organizações e trabalhadores; pela transferências de responsabilidades para a Administração Local sem a transferência dos meios correspondentes; pela empresarialização e entrega à gestão privada de equipamentos e instituições emblemáticas; por uma concepção de autonomia de instituições entendida como orientação mercantilizadora e de angariação de receitas próprias em termos que condicionam de forma determinante a respectiva função e valor cultural e patrimonial.

Quando no plano político nacional e internacional se verifica um ataque, talvez sem precedentes, não só à liberdade cultural mas igualmente à liberdade num sentido mais amplo, a luta pelo direito à Cultura não se coloca apenas no plano das exigências conjunturais e sectoriais ou da situação da Cultura num dado momento. Enquanto direito dos trabalhadores e das populações deve ser projectado como acção estratégica de transformação da sociedade e tornar-se objecto de acção e reivindicação das massas, muito para além dos trabalhadores da Cultura.

Numa altura em que a guerra está presente na Ucrânia é da maior importância que o Projecto de Resolução desenvolva a crítica ao facto da Cultura estar a ser instrumentalizada para a dominação e para a guerra.

O movimento de cancelamento com que o imperialismo procura boicotar a Cultura de um povo, desta vez a russa, isolando artistas, estruturas e obras de relevante valor cultural apenas por terem origem na Rússia diz bem até onde vão na instrumentalização da Cultura.

A luta em defesa da cultura e por uma política cultural ao serviço do povo e do País é inseparável da luta pela paz.

A resposta a esta instrumentalização passa por defender e colocar a Cultura no lugar que lhe cabe na luta dos povos. Nunca ao serviço da dominação e da guerra, sempre espaço privilegiado e insubstituível de entendimento entre indivíduos e comunidades humanas, sempre construtora de liberdade e de paz, sempre factor essencial de progresso e emancipação humana.

Camaradas,

Como é referido no projecto de Resolução, em vosso poder, se em 2007 o 1º Encontro se centrou na concepção de Cultura que o PCP desde há muito adopta - um entendimento amplo que não se esgota nas fronteiras da Cultura Artística, um entendimento da Cultura como factor de emancipação humana, a aquisição da cultura como factor de conquista da Liberdade - o 2º Encontro tem, entre outros, o objectivo de aprofundar a avaliação que fazemos de um conjunto de realidades cujo desenvolvimento assume particular significado, bem como um conjunto de propostas e orientações para o nosso trabalho que consideramos fundamentais para se avançar na democratização da criação e fruição culturais.

Os problemas de desenvolvimento da Cultura resultam de dois eixos centrais e relacionados: os que são intrínsecos ao sistema capitalista em que estamos inseridos e os que deste resultam enquanto concepções e práticas dos governos em funções.

Nos últimos 15 anos, período que nos separa do 1º Encontro Nacional, o País tem estado confrontado com a política de direita – de desprezo e abandono das funções culturais do Estado, em completo desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, bem expresso na escandalosa cifra de apenas 0,25% do Orçamento do Estado ser atribuído à Cultura.

Uma política que tem como principal objectivo substituir qualquer perspectiva de democratização cultural - comprometida com as aspirações de transformação, emancipação e liberdade dos trabalhadores  e do povo - pela mercantilização da cultura e pela hegemonia cultural das classes dominantes e das indústrias culturais por estas promovidas. 

Uma política marcada pela quebra de financiamento público das actividades culturais, expressão mais destacada da continuidade de políticas de desresponsabilização do Estado.

Outros camaradas virão a esta tribuna falar sobre os vários temas desenvolvidos no Projecto de Resolução. Salientaria, contudo, três aspectos: a luta dos trabalhadores da cultura; o Serviço Público de Cultura que propomos e a intervenção e o compromisso do PCP nesta batalha pelo progresso.

A luta dos trabalhadores e do povo é, como sempre foi, decisiva para superar contradições e avançar. É por isso que precisamos de estar lá, onde a vida o exige, com a nossa intervenção, a nossa proposta e a nossa palavra e organização, mobilizando e dinamizando a luta dos trabalhadores e do povo, sabendo que, em última instância, é ela que determinará os avanços necessários e o rumo futuro das vidas de todos.

Nos últimos 10 anos verificaram-se importantes avanços na organização da luta da cultura, nomeadamente devido ao importante e pioneiro trabalho feito pelo Manifesto em Defesa da Cultura, que daqui saúdamos, bem como no plano dos trabalhadores da Cultura, particularmente na sua organização sindical de classe, nomeadamente com a criação dos dois sindicatos: o Cena-STE e o Sindicato dos Trabalhadores em Arqueologia – STARQ. Avanços com expressão na promoção da unidade, na saída à rua em torno dos eixos centrais de uma nova política cultural e nas lutas desenvolvidas pelos trabalhadores de várias áreas, colocando na ordem do dia as suas justas reivindicações, aliás indissociáveis de um outro rumo para a cultura.

Para lá de outros importantes momentos destacamos a importância das concentrações de 18 de Abril de 2018, pela numerosa participação mas sobretudo pelo facto dos presentes terem assumido com grande convicção quer a reivindicação da atribuição de 1% do OE para a Cultura, quer a criação do Serviço Público de Cultura, bem como as de Junho de 2020, em plena epidemia e onde, após o decisivo 1º de Maio desse ano se afirmou, numa situação dramática para milhares de trabalhadores, a exigência de trabalho, e de trabalho com direitos. 

Camaradas,

Não sendo a primeira vez que apresentamos a proposta, é agora, no 2º Encontro Nacional, que desenvolvemos o projecto da criação de um Serviço Público de Cultura.

Uma outra camarada fará uma intervenção específica sobre esta matéria, de forma mais circunstanciada e, por isso, limito-me a colocar algumas questões iniciais.

A questão que importa esclarecer logo à partida é que o Serviço Público de Cultura que o PCP propõe, mais do que a agregação e funcionamento articulado e sustentado de um conjunto de estruturas, instituições, entidades, recursos e meios, é uma proposta de viragem nas políticas para a cultura.  

É o caminho para o desenvolvimento cultural, para a sua democratização, para a criação de amplas condições para a criação e fruição culturais em todo o território nacional. É o caminho para a afirmação de uma cultura viva, rica e diversa, de promoção de um país de progresso, independente e soberano.

Não autoriza, por isso, qualquer leitura de dependência administrativa ou de tutela cultural sobre as companhias, estruturas e projectos existentes ou a criar. É, pelo contrário, o garante de liberdade que o mercado e as suas regras toldam e condicionam.

Importa neste momento e a este propósito citar de novo Álvaro Cunhal, que escreveu:

“Nada mais prejudicial à criação artística que a submissão a ordens burocráticas ou patronais impondo à iniciativa do criador parâmetros estreitos que cortem a imaginação e o sonho. Um partido como o nosso, capaz de todos os sacrifícios para libertar o homem, luta necessariamente também para libertar o artista.”

Da vasta intervenção do Partido salientemos aquela que, nos dois primeiros anos da epidemia, se distinguiu pela forma determinada como respondeu, provando que era possível manter a actividade cultural em segurança. Provando, também, que ela era fundamental. Muitos trabalhadores da área do espectáculo tiveram ao fim de muitos meses sem trabalho a possibilidade de o fazer na Festa do Avante!

Na Assembleia da República o Grupo Grupo Parlamentar do PCP afirmou-se como o mais dinâmico, conhecedor e coerente no acompanhamento da Cultura em Portugal, numa ligação muito próxima com as estruturas, os artistas e os trabalhadores da Cultura, com uma produção muito significativa no plano legislativo, distinguindo-se de todos os outros pela qualidade da sua intervenção. Apesar da redução do número de deputados, o Grupo Parlamentar do Partido não deixará de corresponder às expectativas dos agentes culturais.

Um pouco por todo o país realizámos sessões, audições, debates, visitas. Dinamizámos iniciativas político-culturais, promovemos com naturalidade a inserção da cultura na actividade do Partido. Exemplo disso são as diversas iniciativas evocativas do centenário do nascimento de José Saramago e dos 80 anos de Adriano Correia de Oliveira, dois destacados intervenientes na batalha pela cultura, pela liberdade, pelo progresso e pelo socialismo. É com este património que podemos assumir o compromisso da continuação da nossa acção política e institucional, certamente em melhores condições após este Encontro, reiterando o apelo e o apoio à mobilização dos trabalhadores da Cultura, de todos os trabalhadores e de todo o povo português por uma outra política para a cultura, indissociável de todo um outro rumo para o país.

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