Corria o ano de 2007 quando realizámos, a 13 de Outubro, o Encontro Nacional de Quadros do PCP sobre Protecção Civil. Na altura, a Lei de Bases da Protecção Civil, Lei nº 27/2006, (que substitui a primeira Lei de Bases, de 1991, que continha uma referência ainda muito ligeira ao papel das autarquias) ainda não tinha um ano, e a Lei que define o enquadramento da protecção civil no âmbito das autarquias locais e estabelece a Organização dos Serviços Municipais de Protecção Civil, Lei nº 65/2007, só seria publicada a 12 de Novembro.
De então para cá e ao longo destes 17 anos outra legislação com incidência na área das autarquias e protecção civil foi entretanto publicada ou actualizada, designadamente:
- Integrado de Operações de Socorro;
- Sistema de informação cadastral simplificada;
- Sistema Nacional de defesa da floresta contra incêndios;
- Comissões Municipais de defesa da floresta contra incêndios;
- Planos Municipais de defesa da floresta contra incêndios;
A Lei de Bases, de 2006, definiu os objectivos e princípios da área da protecção civil e as bases gerais para o enquadramento, coordenação, direcção e execução, mereceu logo contestação por parte de municípios e freguesias.
Quanto às autarquias define as competências do Presidente da CM, assim como as competências e composição das Comissões Municipais de Protecção Civil.
De então para cá e perante as evidências e a contestação, as alterações pontuais à Lei de Bases, operadas em 2015, corrigiram alguns aspectos colocados pelas autarquias, designadamente:
- as comissões distritais de protecção civil passam a ser presididas por um presidente de Câmara, designado entre os três indicados pela ANMP;
- foi extinta a figura do Comandante Operacional Municipal e introduzida a de Coordenador Municipal de Protecção Civil;
- as Juntas de Freguesia passam a estar representadas nas Comissões Municipais, por um representante designado pela respectiva Assembleia Municipal;
- clarifica e simplifica alguns actos de declaração de alerta, contingência e calamidade, reforçando as relações de subsidariedade.
Estas alterações se contêm alguns elementos positivos, ficam muito aquém do necessário.
Em paralelo e na prática as autarquias vão progressivamente assumindo novas responsabilidades na área da protecção civil que no fundamental, em 2019, no quadro da chamada descentralização de competências passam para as autarquias.
O Decreto lei nº 44/2019 concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais, procedendo a alterações e aditamentos à Lei nº 65/2007, designadamente:
- Competência das assembleias Municipais para aprovação dos planos municipais de protecção civil;
- Atribui ao presidente da Câmara competência para declaração da situação de alerta e de activar e desactivar os planos municipais de emergência de protecção civil;
- Reforçam a competência das Juntas de Freguesia na colaboração com os Serviços Municipais de Protecção Civil, assim como o seu papel na criação e funcionamento nas Unidades Locais de Protecção Civil;
- Reforça as responsabilidades dos Serviços Municipais de Protecção Civil, que dependem hierarquicamente do presidente da Câmara;
- Define as responsabilidades do Centro de coordenação operacional municipal e do seu coordenador;
- Define os objectivos dos planos municipais de emergência de protecção civil;
- Admite a possibilidade de criação de central municipal de operações de socorro, no âmbito dos SMPC, nos municípios com mais do que um corpo de bombeiros;
- Define as competências dos municípios no âmbito da defesa da floresta contra incêndios.
Por sua vez o DL n.º 103/2018 concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais no domínio do apoio às equipas de intervenção permanente das associações de bombeiros voluntários, com alteração ao DL nº 247/2007, e para os órgãos das entidades intermunicipais no domínio da rede dos quartéis de bombeiros voluntários e dos programas de apoio às corporações de bombeiros voluntários, com aditamento à Lei nº 94/2015.
Estamos assim perante a transferência de um conjunto diversificado de competências da área da protecção civil para as autarquias, em que é evidente a desresponsabilização do Estado em matérias que são da sua competência num processo comum a outras transferências em que o subfinanciamento e a transferência de encargos é regra e objectivo.
Neste processo nao se teve em conta a importância da área da protecção civil e a missão que lhe está atribuida ao serviço das populações. Não se avaliou nem ponderou as matérias a transferir e a sua concretização.
Igualmente, a organização e a coesão territorial e a clarificação de competências para cada nível da administração, põe em evidência a necessidade da criação dum nível intermédio - regiões administrativas, consagradas na CRP e não substituíveis pelas comunidades intermunicipais. Há competências que não estando bem na administração central também não estarão na administração local, é a nível regional que devem estar.
Os bombeiros desempenham um papel fundamental no domínio da protecção e socorro às populações e são o agente da protecção civil com a participação mais efectiva no sistema. Competiria ao Estado o apoio decisivo a este sector, nomeadamente ao nível do financiamento.
No entanto têm sido os municípios os principais financiadores dos corpos de bombeiros profissionais e mistos nas suas diversas missões, como foi evidente no quadro da epidemia COVID. Pois agora a lei responsabiliza os municípios pelas equipas de intervenção permanente das associações de bombeiros voluntários, ficando para as entidades intermunicipais os programas de apoio. Quanto aos quartéis por enquanto são só os pareceres prévios ainda que em inúmeras circunstancias a sua construção só conhece andamento quando as autarquias assumem compromisso mais ou menos expressivo para a sua concretização.
Esta realidade torna claro que este processo de transferência de competências para as autarquias é de facto uma transferência de encargos que viola a autonomia do poder local e é feita sem os meios financeiros e recursos necessários à sua concretização. Tanto mais grave quando se insere num processo mais vasto de desresponsabilização do estado, quando transfere para as autarquias áreas tão diversas e importantes como são as áreas da educação, da saúde ou da acção social, com prejuízo das populações.
O peso e a importância do Sistema de Protecção Civil, exigem que o Estado assuma as suas responsabilidades em relação aos diversos níveis da administração e às diversas componentes da protecção civil.
Quanto às autarquias impõe-se o reforço do financiamento dos municípios e freguesias para que estes disponham dos meios técnicos e financeiros que garantam aos serviços municipais de protecção civil o cumprimento cabal da sua missão, assim como a resposta às demais tarefas e responsabilidades, no quadro das suas competências.