As catástrofes são profundamente iníquas. Quase sempre afetam mais os que têm menos meios para se protegerem, sejam Estados ou sejam pessoas.
Podem ter uma multiplicidade de causas, nem sempre atribuíveis unicamente a fenómenos naturais extremos, sendo frequentemente potenciadas por uma inadequada relação do homem com o meio físico circundante. Fatores como o uso intensivo dos solos, o crescimento industrial e urbano desordenado, o abandono rural, a desertificação, a intensificação da ocorrência de fenómenos climáticos extremos, entre outros, tornam os países e regiões mais vulneráveis a catástrofes, quer naturais quer provocadas pelo homem.
As catástrofes naturais e, por maioria de razão, as que são provocadas pelo homem podem e devem ser prevenidas.
Assim, consideramos que a prevenção, cujo objetivo principal é proteger vidas humanas, a segurança e a integridade física das pessoas, o ambiente, as infraestruturas económicas e sociais, incluindo habitações e património cultural, deverá constituir uma etapa cada vez mais importante do ciclo de gestão de catástrofes, adquirindo uma relevância social crescente.
No Parlamento Europeu, temos defendido que uma abordagem completa e consequente à prevenção de catástrofes deverá integrar diferentes níveis de cooperação entre autoridades locais, regionais e nacionais.
Temos formulado em vários momentos e ao longo do tempo, propostas concretas que procuram orientar a resposta que pode ser assumida no quadro da União Europeia.
Passaram já 12 anos desde a aprovação de um relatório sobre a temática, cujo relator foi o deputado do PCP João Ferreira, onde se apresentou um amplo conjunto de recomendações que estão, na sua maioria, ainda por implementar. Aí defendemos que essa abordagem comunitária deveria incluir, como uma preocupação central, a diminuição das disparidades existentes entre regiões e Estados-Membros neste domínio, nomeadamente ajudando a melhorar a prevenção nas regiões e nos Estados-Membros com elevada exposição ao risco e menor capacidade económica.
Uma ocupação equilibrada do território e um desenvolvimento económico e social em harmonia com a Natureza, e o reforço da coesão na UE, constituem, no nosso entender, elementos fundamentais para a prevenção de catástrofes.
Para isso, a criação de um quadro financeiro apropriado à prevenção de catástrofes, que reforce e articule instrumentos como a política de coesão, a política de desenvolvimento rural, a política regional, o Fundo de Solidariedade, a defesa do meio ambiente e a resposta às alterações climáticas é absolutamente essencial.
Propomos recorrentemente nas discussões do Orçamento da UE o reforço das verbas relacionadas com a defesa e resposta contra às catástrofes. Este ano não foi exceção.
Também a investigação e desenvolvimento (I&D) público na prevenção e gestão de catástrofes, com o adequado financiamento, assumem particular importância bem como o incremento da coordenação e cooperação entre as instituições de I&D dos Estados-Membros, em especial daqueles que enfrentam riscos semelhantes.
O Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia
Para fazer face a situações de catástrofe enfrentadas pelos Estados-Membros, a UE criou, em 2001, o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. O Mecanismo foi criado anunciando a promoção da articulação e cooperação entre autoridades nacionais de proteção civil da União Europeia, possibilitando respostas mais rápidas e eficazes a emergências, coordenando e auxiliando financeiramente o destacamento de equipas de proteção civil e de ativos para o país e população afetados.
Para além dos 27 países da UE, participam no mecanismo seis países terceiros: Islândia, Noruega, Sérvia, Macedónia do Norte, Montenegro e Turquia.
O Centro de Coordenação de Resposta de Emergência (CCRE) é o centro operacional do Mecanismo de Proteção Civil e diz acompanhar acontecimentos em todo o mundo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, e é este centro que coordena os esforços desenvolvidos pela UE no domínio da resposta a catástrofes.
As operações de proteção civil, sempre que necessário, são apoiadas por cartografia por satélite produzida pelo serviço de gestão de emergências Copernicus, serviço que tem sido, simultaneamente, cada vez mais utilizado para políticas securitárias.
No âmbito do Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia foi criada recentemente, em 2019, uma Reserva Europeia de Proteção Civil, uma reserva voluntária de meios previamente afetados pelos Estados-Membros para utilização imediata, dentro ou fora da UE.
Desde 2001, o Mecanismo de Proteção Civil já foi acionado mais de 600 vezes dentro e fora da UE. A resposta tem sido muitas vezes aquém das necessidades (como pudemos constatar nos incêndios de 2017 e na resposta à COVID-19).
Em março de 2022, o Conselho adotou conclusões em que apelava a que se continuasse a adaptar os sistemas de proteção civil às consequências das alterações climáticas, tanto em matéria de prevenção e preparação como de resposta e recuperação.
No Conselho Europeu, existe o Grupo da Proteção Civil (PROCIV), que é presidido pela Presidência rotativa do Conselho, que elabora o programa de trabalho e é o organismo ao qual compete debater as questões relacionadas com a proteção civil.
A Posição do PCP no PE
É positivo e desejável que se aumente a cooperação no domínio da prevenção e resposta a situações de catástrofe, sobretudo as de grandes dimensões. Essa cooperação pode envolver coordenação de esforços, empréstimo e mesmo partilha de meios.
A resposta da União Europeia neste domínio tem ficado aquém das necessidades. Veja-se a incapacidade de resposta no auxílio de meios aquando dos incêndios em Portugal em 2017 e os apoios aos Estados no domínio da prevenção são muito insuficientes, como temos visto.
É com preocupação que constatamos que, orçamento após orçamento, se vai cortando nas verbas para a coesão, de onde saem os recursos para este fim. E os meios são poucos para fazer face a catástrofes que podem estar a assolar mais do que um país (é o caso dos incêndios mas também em situações de cheias/secas).
Na discussão nas instituições, persiste a ausência de reconhecimento, por parte da UE, do papel das políticas sectoriais no aumento da exposição de certas regiões ao risco, ao promoverem o abandono rural e a concentração excessiva de população nas zonas urbanas. A PAC é disso exemplo.
Também nessa dimensão temos intervindo, exigindo uma PAC diferente, equilibrada social e ambientalmente, que tenha em conta a necessidade de apoiar e dinamizar a produção agrícola sustentável e o desenvolvimento rural nos diversos países e regiões; com um reforço efetivo dos incentivos às funções agroambiental e agrorrural, a promoção da fixação de populações nas zonas rurais, como fator essencial na conservação de ecossistemas, combatendo a atual tendência de desertificação e empobrecimento destas zonas e aliviando a pressão sobre as zonas urbanas.
Tal como na dimensão da gestão florestal, temos intervindo, como parte indissociável da política de prevenção de incêndios, combatendo a promoção de políticas que privilegiam a monocultura, em favor da concentração da produção. Em alternativa, apresentamos propostas que valorizem a rentabilidade económica aos pequenos e médios produtores, a promoção da multifuncionalidade das florestas e a sustentabilidade dos ecossistemas florestais, associadas a políticas de fixação das populações, que se entrecruzam com a defesa dos serviços públicos no território rural.
O desinvestimento a que se vetam os serviços públicos (quando não mesmo o seu encerramento) condiciona fortemente o papel fundamental que podem ter na prevenção mas também na articulação e cooperação entre autoridades nacionais, regionais e locais, com responsabilidades no ciclo de gestão de catástrofes, no ordenamento do território e no mapeamento e gestão de riscos (ex. guardas florestais na prevenção de incêndios mas também escassez de especialistas e técnicos que se possam dedicar ao estudo de medidas de adaptação, rurais e urbanas, face à intensificação da ocorrência de fenómenos climáticos extremos).
Importa recordar que, frequentemente, em nome da ditadura das contas do défice e da dívida, se impõem, desde as instituições da UE, “recomendações” para se cortar na despesa pública. Pois a aceitação dessas recomendações por parte de sucessivos governos também tem efeitos nefastos em todo este sector de que hoje aqui falamos, limitando as opções de investimento para as respostas necessárias em diversos domínios.
É pertinente e necessária a criação, ao nível da UE, de um quadro financeiro apropriado à prevenção de catástrofes naturais e provocadas pelo homem, que reforce e articule instrumentos existentes, incluindo nos domínios da política de coesão, da política regional e da política de desenvolvimento rural, entre outros. O financiamento da UE deverá privilegiar um conjunto de medidas de prevenção, a implementar pelos Estados-Membros, visando, em termos genéricos:
- Corrigir situações indutoras de risco na renaturalização de leitos de rios; recuperação e proteção de bacias hidrográficas, de zonas húmidas e ecossistemas conexos; aumento de capacidade de vazão de pontes e passagens hidráulicas; limpeza e reordenamento de florestas; intervenções de proteção/defesa da orla costeira;
- proteger/remodelar zonas habitadas, nomeadamente nas zonas urbanas;
- monitorizar a segurança de grandes infraestruturas e elaborar/rever regulamentos de segurança de construção e de uso do solo;
- a criação de um Observatório Europeu da Seca, como centro de conhecimento, atenuação e controlo dos efeitos da seca;
- ações específicas no domínio da proteção da floresta e da prevenção dos fogos;
- apoio a projetos de florestação/reflorestação, dando preferência às espécies autóctones e às florestas mistas, para bem da biodiversidade e de uma maior resistência aos fogos, tempestades e pragas;
- o reforço dos sistemas de alerta precoce nos Estados-Membros e do estabelecimento e reforço das ligações existentes entre os diferentes sistemas de alerta precoce.
Propusemos igualmente alterações ao regulamento do Fundo de Solidariedade, adaptando os critérios de elegibilidade às características de cada região e catástrofe, dedicando especial atenção aos sectores produtivos, às zonas mais vulneráveis e às populações atingidas e permitindo uma mobilização mais flexível e atempada.
É fundamental que as cadeias de comando da resposta a catástrofes se mantenham no plano nacional, junto das populações, para uma resposta célere, por parte de quem conhece bem o território e as populações.
Uma abordagem conjunta para a prevenção de catástrofes deverá incluir como preocupação central a diminuição das disparidades existentes entre regiões e Estados-membros neste domínio, nomeadamente ajudando a melhorar a prevenção nas regiões e Estados-membros com elevada exposição ao risco e menor capacidade económica.
São estas algumas das propostas e linhas de intervenção que têm orientado a intervenção dos deputados do PCP no Parlamento Europeu, no quadro da intervenção institucional, por via de alterações a diversos documentos, questionamentos à Comissão Europeia. Uma intervenção institucional suportada pela profunda ligação à realidade nacional, acompanhando de perto os problemas com que as populações e os pequenos e médios produtores se vêm confrontando face a fenómenos extremos.
É este o nosso compromisso, aqui e lá, continuaremos a dar voz a estas questões.