Intervenção de Joaquim Dionisio, Dirigente da CGTP-IN, Seminário "A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia"

Os ataques à democracia no mundo do trabalho

O Direito do Trabalho é um produto da revolução industrial. Com ele os trabalhadores viram reconhecido o princípio de que a relação do trabalho é uma relação desigual. Que as duas partes – patrões e trabalhadores - estão em posições de desiguais. Nesta relação há uma parte forte que detém à partida quase todo o poder, e outra que é fraca e que se limita a vender a força de trabalho

Como consequência deste reconhecimento e, em especial da luta dos trabalhadores, o direito do trabalho foi sendo construído mediante a criação de um direito de proteção do trabalhador, de modo a que a desigualdade originária da relação fosse compensada e corrigida de modo a que a final essa relação estivesse mais equilibrada.

O reconhecimento do direito à organização e ação coletiva e à contratação coletiva; o direito de greve, o principio da proibição do despedimento sem justa causa; os direitos sindicais; e principio da adaptação do trabalho ao homem e a conciliação da vida familiar com o trabalho, mediante horários de trabalho adequados; a redução dos tempos de trabalho com a finalidade de permitir que o trabalhador / cidadão pudesse participar na vida politica, sindical e social: era a regra conhecida como dos 3 terços sendo que, apenas um deles, seria para trabalhar e os outros dois para a vida fora do trabalho.

Com os primeiros ataques ao estado social nos anos 80 do século passado, surgiu o chamado direito de trabalho da crise. Os defensores do direito do trabalho da crise quiseram fazer passar uma ideia de que, em situação de crise o direito do trabalho deveria ceder para dar lugar a um direito de exceção. Nestas situações os direitos dos trabalhadores seriam reduzidos ao mínimo e direito do trabalho, em nome da superação das crises ficaria, assim, em espera. O que estes autores defendiam era o que hoje conhecemos melhor como o direito de exceção, ou de suspensão de direitos, incluindo dos direitos constitucionais. No princípio houve quem não percebesse que o que se desenhava era um ataque sem quartel ao direito do trabalho (e não só ao direito do trabalho) e que o que se estava a fazer era a colocar os direitos dos trabalhadores no “banco dos réus”.

A União Europeia teve, e continua a ter, um papel importante neste processo. Vejamos: no ano de 2003 a Comissão constituiu um grupo de peritos a quem pediu que elaborasse um relatório sobre as “Transformações do direito do Trabalho e Futuro do Direito do Trabalho na Europa”. Este relatório conhecido hoje como o relatório Supiot, não agradou á Comissão que tratou de o ignorar. Não servia os seus objetivos porquanto se tratou de um trabalho sério e fundamentados. A Comissão, já na mão do neoliberalismo, não queria um tal produto.

Foi assim que surgiu um segundo trabalho, com o título muito pomposo de “Livro Verde – Modernizar o direito do trabalho para enfrentar os desafios do século XXI”.
Desta vez, a Comissão já não correu o risco de o encomendar o relatório a um grupo de juristas do trabalho. A EU querias instalar a crise e sabia que para o fazer precisava de fragilizar os trabalhadores.

Com este chamado Livro Verde a Comissão Europeia procurou difundir a ideia de que o modelo actual de relações de trabalho, a que chamava de tradicional, estava obsoleto e ultrapassado, que era inviável no futuro e que era a protecção proporcionada por ele que gerava a precariedade do mercado de trabalho e o desemprego. Ou seja: a desregulamentação e a precariedade é que seriam a modernidade e a condição essencial para a criação de emprego. A proposta era de que todos os trabalhadores passassem a ter vínculos laborais precários.

O “Livro Verde” foi uma peça importante no ataque aos direitos dos trabalhadores e um elemento estratégico para a instalação da crise. Por outro lado não se limitava a difundir uma doutrina, pressionava os Estados-membros a alterarem as respectivas legislações, no sentido de tornar as normas laborais menos protectoras para todos os trabalhadores, reduzindo direitos e condições de trabalho.

Aquele documento afirmava que a estabilidade no emprego estava obsoleta; dividia os trabalhadores entre insiders (os que estão dentro do sistema por terem vínculo contratual estável) e em outsiders (os que estão fora com vínculos precários) e preconizava um modelo de contrato de trabalho em todos seriam precários e sem direitos.
Foi o período da venda da “flexigurança”.

Em Portugal este movimento desregulamentador teve tradução nos códigos do trabalho de 2003 e 2006 sendo que ainda continua, tudo em nome da criação de emprego e do combate a crise (uma vez mais o direito de trabalho de exceção ou da crise). Os Códigos reduziram salários, criaram bancos de horas, flexibilizaram os horários, introduziram a caducidade da contratação colectiva para eliminar direitos dos trabalhadores, tudo com o apoio de uma barreira de propaganda que visava criar uma visão mesquinha de que os problemas das empresas e do país se resolveriam com trabalhadores cada vez mais mal pagos e mais submissos.

Esta ofensiva assentou e continua a desenvolver-se tendo como pano de fundo um discurso reacionário, que imputa ao direito do trabalho e aos direitos dos trabalhadores a falta de competitividade (repare-se que quase não falam de produtividade) das empresas, opondo os direitos ao crescimento e ao desenvolvimento económico, como se o desenvolvimento fosse realizável numa situação de esmagamento dos trabalhadores.

O tempo veio mostrar que a destruição do direito do trabalho estava associada à redução dos salários e empobrecimento, num quadro de retrocesso social e civilizacional com objetivos de aumento da exploração da mão de obra e de concentração de capital. Mas veio confirmar também, que os derrotados no 25 de Abril de 1974, não perdem a oportunidade que o neoliberalismo europeu lhes dá para procurarem recuperar os privilégios que então perderam em favor do povo português e da democracia.

Os trabalhadores portugueses têm resistido a esta ofensiva realizando lutas variadas e greves de número indeterminado incluindo algumas greves gerais. Entretanto, muito por efeito da desregulamentação a situação do país não deixa de se agravar, o desemprego cresceu como nunca se viu e o país ficou pior.

A situação do país é de uma crise profunda, artificialmente criada para o espoliar mediante a exigência do pagamento de juros elevados pelos empréstimos que vão concedendo. Entretanto matem o país ocupado com o apoio dos detentores do capital, em especial do grande capital nacional.
Os trabalhadores e a população em geral não estão distraídos. Resistem e lutam, conscientes de que não há futuro sem direitos e que a defesa do direito do trabalho e dos direitos dos trabalhadores é fundamental para o desenvolvimento da sociedade e o aprofundamento da democracia.