Intervenção de Willy Meyer, Deputado da Esquerda Unida - Espanha ao Parlamento Europeu, Seminário "A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia"

A crise na UE

Boa tarde a todos e todas.

Em primeiro lugar, quero agradecer este convite ao Partido Comunista Português, aos camaradas da Direcção de Portugal e aos camaradas da delegação do Partido Comunista Português no Grupo da Esquerda Unitária.

Penso que é o tempo efectivamente de pôr em comum a esquerda europeia, as reflexões e as propostas frente a este ataque anti-social e antidemocrático que estão a sofrer os povos do conjunto da União Europeia.

Nós, em Espanha, tal como aqui, estamos numa situação limite. Em Espanha, como em Portugal, ainda que com diferentes êxitos, lutámos no passado contra uma ditadura, a ditadura de Franco, lutamos contra o fascismo numa longa luta desde o ano 39 até o 77. Nessa longa luta, os comunistas sempre tivemos claro que lutar pela liberdade, pela democracia, era também lutar pelas conquistas dos trabalhadores, pelo bem-estar dos trabalhadores. É uma luta indissociável. Para os comunistas em Espanha dizer liberdade e democracia era dizer boas convenções colectivas, bons salários, bons serviços públicos de saúde e educação. Isso é o que hoje está em perigo em toda a Espanha, quer dizer, as conquistas dessa longa luta pela liberdade e pela democracia - que não foi nenhum presente – da luta contra o fascismo e que agora, com este golpe da troika, da Comissão Europeia, do Banco Central e do Fundo Monetário o que fazem é deixar sem valor nenhum a Constituição Espanhola de 1977.

No mês de Dezembro realizamos na Esquerda Unida o nosso Congresso, que nós chamamos Assembleia e para a qual chegará um convite, com certeza, ao Partido Comunista, para que nos acompanhem nesse evento. Nesta Assembleia queremos debater uma ideia central. Em primeiro lugar que estamos perante uma crise que não é produto de uma improvisação, nem é produto de uma catástrofe atmosférica. É o resultado de uma política que se desenhou há mais de 23 anos, em 1989 aproximadamente, quando o Sr. John Williamson escreve num documento o que Washington entende por políticas de reformas.

Passaram 23 anos, este Sr. que é um economista em Washington, recolhia nesse texto o que o Banco Mundial, o Fundo Monetário, os legisladores, o Congresso e o Senado dos Estados Unidos, a Reserva Federal, e todo o complexo industrial, militar, financeiro… o que, na opinião deles, devia ser o capitalismo do século XXI. O que se chamou o Consenso de Washington. E nesse documento estabelecia Williamson que o mundo tinha que funcionar na base da disciplina orçamental, do reordenamento da despesa pública, da liberalização do comércio, da liberalização do sector financeiro, das privatizações de tudo o que era público e de tudo o que os estados tinham como sectores públicos estratégicos, a desregulamentação do mercado… e todo esse pacote traslada-se para Bruxelas, e em Bruxelas – ao contrário da América Latina onde se luta contra o Consenso de Washington e se triunfa, com as revoluções e com os governos democráticos que se batem contra esta ideia - em Bruxelas, a social democracia, os liberais e conservadores fazem seu este programa e o levam aos Tratados e às Directivas Europeias, de tal forma que o primeiro Tratado, o de Maastricht, de 1992, começa a concretizar toda esta filosofia que é a responsável da maior fraude financeira que sofremos na Europa.

Quando os bancos se encontram com as mãos livres, quando esses bancos não tem nenhum regulador que os trave, que os controle, que garanta as poupanças - precisamente por causa desta política - automaticamente entra-se numa grande fraude financeira, com uma dívida soberana em que uma parte é especulativa, porque o Banco Central Europeu não dá ajuda directa ao juro aos Estados, mas empresta-o à banca privada para que a banca privada lho empreste a um juro superior...nesse momento, no Tratado de Maastricht, começa-se a concretizar essa filosofia do Consenso de Washington com dois problemas somados, muito europeus.

Primeiro; em Maastricht temos uma moeda única mas sem Erário Público, é a única moeda do mundo que não tem Erário Público e portanto, para controlar a inflação, tem que controlar-se na base de baixar os salários. É a única maneira de controlar a inflação e com outra variante, que o Banco Central Europeu não é a Reserva Federal, não é nenhum banco que possa emitir dívida e possa ajudar directamente aos Estados, pois não tem essa capacidade legal e portanto tem que recorrer à banca privada.

Bem, nós acreditamos que a partir desta filosofia de desregular o mercado, de que os Estados não possam intervir na economia, era de esperar que a União Europeia não tivesse recursos para também poder equilibrar a economia com um Erário Público, com uma política fiscal, etc., etc.… O capitalismo é insaciável, no século XX, no século XIX e no século XXI. Mais ainda nestas condições, porque não temos nenhuma capacidade de regulação do mercado, e portanto, era de esperar, que esta crise explodira com a virulência que tem explodido. Uma crise financeira, energética, alimentar…que nas condições da União Europeia, o que faz é desmantelar todas as conquistas sociais que os trabalhadores e trabalhadoras tínhamos conquistado nas lutas, nas manifestações e em alguns países como Portugal, Grécia e Espanha também na luta contra o fascismo.

Em Espanha neste momento temos uma situação dramática; a dor, a humilhação das pessoas – vamos chegar ao mês de Dezembro com 6 milhões de desempregados – a cifra mais alta de toda a EU.

Estamos numa situação onde aos trabalhadores cada vez se lhes pede para baixar mais os salários, trabalhar mais anos, mais horas semanais. A nossa juventude não tem saídas, é a melhor formada mas não tem saídas, e portanto estamos perante um aumento da pobreza e, ainda por cima, temos em risco a saúde e a educação públicas, ou seja, um retrocesso sem precedentes que nos leva aos anos 50 em valores sociais e nas condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras.

Nós achamos que para além de toda a agressão social há uma outra agressão muito importante, que é a agressão contra a democracia, contra a política e contra a soberania nacional. É uma agressão que se tem dado e que é um golpe de estado na nossa Constituição.

A partir de esse golpe encontramo-nos numa situação em que só temos duas opções: uma, estar conscientes de que o adversário tem uma grande hegemonia - estou a falar da Espanha, não me atrevo a falar de Portugal. Hegemonia no sentido gramsciano, isto é, que o sentir comum das pessoas na Espanha, os milhões e milhões de trabalhadoras e trabalhadores entendem no dia de hoje que não há alternativa, que há que passar este mal momento, que temos vivido acima das nossas possibilidades e que, portanto, agora o que temos que fazer é ajustarmos o cinto.

E dentro desta hegemonia temos duas vertentes; uma a nível do conjunto do Estado e outra, os mesmos adversários, na Catalunha, e noutras partes da Espanha. Tiram a ideia - os nossos adversários - de que o conflito não é entre capital e trabalho, mas sim territorial. Portanto o problema é a Espanha. E a solução está em sair de Espanha. Mas são os mesmos. Porque o conflito, camaradas, é um conflito de classe. Capital – trabalho. E nesse conflito de classe, é claro, todos os trabalhadores e trabalhadoras em Espanha, estão interessados em dar uma resposta alternativa global.

Global e não territorial. Global. Nós pensamos que a partir dessa ideia que estamos conscientes na Espanha que a social democracia tem uma grande hegemonia a direita, os liberais… que são, que fazem parte do mesmo pacote económico, nós pensamos que não é suficiente com a mobilização, com as greves… estamos nelas, estamos na rua…no outro dia observastes as imagens em frente do Congresso, aí estamos nós…mas é insuficiente. É insuficiente.

O mais importante que queremos resolver no mês de Dezembro no nosso Congresso, é concluirmos que temos que preparar à Esquerda Unida para se converter em contra-poder. Em referência de alternativa. E fazer ver às pessoas – não é questão de um mês, nem de um ano – fazer ver às pessoas que há uma alternativa política e social. E isso temos que fazê-lo nas condições de Espanha, onde as empresas de comunicação tem-se convertido em mísseis, são os que limpam o terreno aos adversários. As nossas ideias não aparecem. Não aparecem nos meios que criam opinião aos milhões e milhões de trabalhadores. E portanto nós achamos que esta preparação para o contra-poder precisa de organizações políticas muito fortes, organizações que hoje não temos em Espanha. E reconhecemos a nossa debilidade. Temos que ser mais fortes, mais organizados. Temos que ter uma maior capacidade de mobilização, mais capacidade de influência e, aliás, não é suficiente que o façamos em Espanha. Nós chegámos à conclusão de que esta alternativa tem que ser de carácter europeu, com os camaradas do conjunto das forças políticas da esquerda que, compartindo ou não a necessidade de se ter um projecto europeu estruturado, político e económico - e aí temos diferenças -mas que essas diferenças não nos impeçam de coordenar-nos face às próximas eleições europeias para uma alternativa contra esta ofensiva anti-social e anti-democrática.

Nós acreditamos que isto é possível. O ano 2014 já ai está, e em Espanha, pela primeira vez, os trabalhadores já têm assumido que o problema está em Bruxelas. E portanto, se o problema está em Bruxelas, camaradas, teremos que começar a dizer aos trabalhadores que há outra possibilidade de dirigir a Europa. Isto é um repto a que todos e todas estão a ser chamados e nós não queremos defraudar.

Finalmente dizer-vos que em Espanha têm conseguido meter na cabeça das pessoas uma outra ideia muito perigosa e é a ideia de que o problema de toda esta crise é da política e dos políticos. O partido de Rajoy já anuncia que há que acabar com câmaras, reduzir vereadores, que há que reduzir deputados e deputadas, e as pessoas começam a pensar que o problema são os políticos. Esta é uma ideia pré-fascista. Contra a política pode-se actuar de duas formas: como fez Franco a 18 de Julho de 1936 levantando-se em armas contra a República e dizendo que os políticos tinham levado à Espanha à ruína e que havia que ter um só partido político: a “Falange” e uma ditadura. Bem, esta é uma das formas de acabar com a política. Mas há outra forma e é esta, a que estamos a viver com o “golpe” da Troika, e por detrás do golpe da Troika, esta ideia de que há que ir contra a política, contra a democracia, que o melhor que podemos fazer é não termos um presidente eleito, mas sim um técnico, e se possível, um técnico de um banco que dirija os destinos de um pais.

E em lugar de um Presidente de Câmara eleito que seja um trabalhador, um torneiro, um pedreiro, um construtor…melhor será que seja um técnico. E se possível do banco, da sucursal dessa vila. Essa é a ideia que estão a introduzir em Espanha. E claro, esta é a antecâmara do fascismo.

Em Espanha ainda não há um partido político fascista porque o Partido Popular engloba tudo. Estão dentro todos: o centro-direita e também as posições mais fascistas. Mas preocupa-nos muito em Espanha e com isto acabo, camaradas, que o fascismo esteja a entrar já, pela via das urnas, no conjunto dos estados. Pela via das urnas. Desde a Suécia, que poderá falar aqui o camarada, a Dinamarca, a Holanda, a França a Itália, a Grécia...estão aí. Os “Camisas Negras” estão ai. E não é casualidade. Quando o capitalismo mostra a sua face mais selvagem, mais bárbara, por detrás disso está sempre o fascismo.

E por isso, camaradas, eu acabo dizendo que nós comunistas em Espanha temos um compromisso muito forte. Nos piores momentos aos comunistas é-nos exigido mais. Assim tem sido na história e assim será porque não é um compromisso qualquer, é um compromisso forte, ideologicamente forte. Em Espanha vamos tentar dar o melhor de nós para conseguir converter a Esquerda Unida nesse referente político que hoje em dia não é, para que efectivamente os trabalhadores e trabalhadoras saibam que há uma alternativa possível, que frente ao “golpe” é possível uma outra Europa, que é possível uma Espanha que planifique a sua economia, que tenha um sector público forte, onde os bancos sejam nacionalizados, que o sector público e fundamentalmente o sector energético seja nacionalizado, onde se incrementem os salários, se baixe a idade da reforma, trabalhemos menos horas, que o trabalho seja repartido, e com todo este potencial, se aposte num modelo produtivo diferente e alternativo.

Nada mais, camaradas, uma saudação.

Lamento muito não poder ficar, mas tenho outros compromissos em Espanha, mesmo assim, quis vir de Bruxelas a Lisboa antes de ir para Madrid, para estar estas horas convosco, porque penso que esta iniciativa do Partido Comunista é muito importante, e pode ajudar a, entre todos, termos essa visão de conjunto, sobretudo Espanha e Portugal, que estamos chamados a dar o melhor de nós no conjunto da Península Ibérica.

Muito obrigado.