Boa tarde. Muito obrigada pelo convite.
Aproveito para saudar amigos, camaradas deputados e convidados estrangeiros, e todos os presentes nesta iniciativa do Grupo da Esquerda Unitária Europeia, onde, como sabem, estive durante muitos anos. Onde, de facto, por muitas vezes, em nome do nosso grupo e do nosso partido, tive ocasião de demonstrar que as políticas e os caminhos que estavam a ser seguidos iam acabar naquilo que infelizmente acabaram. Ou seja, neste agravamento muito duro das desigualdades.
É verdade que a União Europeia declarou 2010 como o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza. Nesse contexto, realizou um conjunto de iniciativas, promoveu muitos debates, pôs a funcionar diversos programas, com pouco dinheiro, claro, mas o suficiente para tentar criar a ideia, na opinião pública, que a União Europeia estava empenhada na luta contra a pobreza. Eu própria estava na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais, como está agora a Inês Zuber, que me substituiu, e muito bem.
Tive ocasião de ser relatora, em nome do nosso grupo e do Parlamento Europeu, dum relatório sobre a criação do rendimento mínimo garantido, no plano europeu, diferente em cada país, com base no respectivo rendimento mediano – 60% do rendimento mediano de cada país - o que, para Portugal, daria algo como 420 euros por mês e por pessoa, para garantir que tinham um rendimento mínimo, o qual deveria ser acompanhado do acesso aos serviços públicos de educação, saúde e outros. Discutia-se também se devíamos garantir ou não o acesso gratuito à cultura. Já estão a ver o nível deste debate e até onde se chegou na tentativa de criar o mínimo de condições, e também as ilusões a isso associadas, nesta União Europeia.
É obvio que eram debates importantes e o Parlamento Europeu acabou por aprovar a criação desse rendimento mínimo, na base do que estou a referir. Mas a maioria do Parlamento não admitiu que fosse obrigatório para os países, o que, logo à partida, deitava por terra o que se tinha discutido, proposto e decidido. Afinal, a conclusão era “cada um faça o que quiser”.
Recomendava-se que houvesse rendimento mínimo, mas, simultaneamente, não aceitaram um conjunto de propostas que visavam alterar outras políticas, hoje chamadas políticas de austeridade.
Rejeitaram todas as propostas que visavam impedir o aumento da pobreza. Por exemplo, quando dizíamos que se não pode continuar com um pacto de estabilidade e crescimento(PEC) que impõe os mesmos critérios monetários nominais para todos os países, sem ter em conta a sua economia o seu desenvolvimento.
Ou quando afirmávamos que não se pode continuar a defender, na Organização Mundial de Comércio, que países com estruturas produtivas frágeis, sectores produtivos que precisam ser protegidos, como a agricultura, os têxteis, as pescas, sejam tratados de igual forma que a indústria automóvel, da Alemanha, ou a aeronáutica, da França, ou as fibras, do Reino Unido.
Ou que, pior ainda, para desenvolver esses sectores industriais que interessam aos países desenvolvidos da União Europeia se dê em moeda de troca, de qualquer maneira, os têxteis, ao permitir que a China e a Índia possam entrar cá de qualquer jeito, destruindo a indústria em Portugal, na Espanha ou noutros lados.
Nós denunciamos tudo isto e dissemos que era preciso alterar essa posição. Claro que não aceitaram e nem sequer ficou no relatório. Apenas se conseguiu uma recomendação sobre o rendimento mínimo e o seu valor: 60% do rendimento mediano de cada país. Entretanto, já sabem o que aconteceu em Portugal, depois disso. O próprio rendimento social de inserção (RSI), que nunca teve esse valor, é bom que se diga, foi já alterado duas vezes, diminuindo o seu valor e os próprios critérios de atribuição.
Actualmente, o RSI nem sequer é igual para todos, porque na base dos pouco mais de 170 euros para a primeira pessoa, se for numa família em que o casal esteja desempregado, a outra pessoa já só recebe metade e as crianças apenas um quarto daquele valor. Fica reduzido a quase nada numa família de quatro pessoas. Afinal, as quatro recebem menos do que uma deveria receber, segundo esta recomendação do Parlamento Europeu relativa ao rendimento mínimo garantido.
E fica claro, passados três anos, o que foi a demagogia do ano europeu de luta contra a pobreza. Claro que os camaradas que me precederam já deram alguns números do que foi o agravamento do desemprego e da pobreza. Por isso, vale a pena aqui recordar que na dita “Estratégia Europeia 2020”, que se aprovou em 2010, se definiam algumas reduções da pobreza, os tais 20 milhões, e se dizia que o desemprego não ia aumentar.
Mas vejamos o que aconteceu. Na época, o desemprego estava na ordem dos 20 milhões. Passados três anos, já vai quase nos 27 milhões (o desemprego registado, porque, em Portugal, os dados oficiais são uns e a realidade é outra). Com o trabalho precário e mal pago, cada vez é maior a percentagem dos trabalhadores que são pobres, que nem sequer conseguem chegar ao limiar da pobreza depois dos descontos e impostos que têm que pagar. O que temos é a precarização quase total. Gostava de acrescentar o que isto significa em termos de concentração da riqueza, porque eles tentam fazer crer que não há dinheiro em Portugal.
Mas importa dizer que, por exemplo, Portugal era, em 2010, o país da UE com maior concentração do rendimento nos grupos de topo da distribuição de rendimentos. E isso mantém-se, e até se agrava. Vejamos só estes números: os 20% mais ricos, em Portugal, já tinham e hoje têm mais de 42% do rendimento total do país. Os 5% mais ricos já tinham mais de 17% da riqueza do País, quando na própria média da UE não se atingem estes valores de concentração da riqueza. Mas esta situação vinha de trás, não é só destes dois últimos anos. Já em 2005 Portugal estava quase no topo da concentração da riqueza.
Por exemplo, olhemos a concentração da riqueza dos 1% mais ricos nos diversos países da OCDE. Em Portugal, essa percentagem já estava acima das médias do Japão, da Itália, da Nova Zelândia, da França, da Suécia, da Holanda. Já então um número muito restrito de pessoas estava a concentrar cada vez mais a riqueza produzida no país e, naturalmente, que isso se agravou, o que deu o resultado que temos.
Hoje, somos o país da UE com maior concentração da riqueza. Estamos no topo dos países da maior percentagem dos mais ricos. E isto é um escândalo, tendo em conta que a maioria da nossa população vive mal. Segundo os últimos dados divulgados, em Portugal há mais de dois milhões e 700 mil pessoas a viver em risco de pobreza, certamente na sua maioria a viver em condições inferiores ao limiar de pobreza.
É um agravamento muito sério - da ordem das 700 mil pessoas no espaço de três anos - o que significa que a concentração se deu de uma forma avassaladora. Estamos a sentir as suas consequências. Outras entidades estão a denunciá-lo também.
Neste momento, num país com cerca de 10 milhões e meio de habitantes, (que vai perdendo com a emigração que se está a verificar), ter 25% da população numa situação de pobreza, nesta UE que nos prometia grande riqueza para todos, é algo de muito escandaloso.
Esta situação exige que se ponha em prática, de uma vez por todas, políticas que façam uma rotura com este caminho, antes que se chegue ao fundo do poço para o qual nos estão a empurrar.
Sem prejuízo da continuação do debate em torno das políticas alternativas, creio que é urgente, através da luta que seja possível travar - em Portugal, e também noutros países da União Europeia - desenvolver este diálogo para conseguir convergências, visando pôr um travão e conseguir a ruptura e a mudança das políticas desta União Europeia.
Queremos apostar na defesa da outra Europa de Paz, uma Europa social, uma Europa de justiça, que ponha fim a este escândalo da pobreza que está a crescer, enquanto os ricos ficam cada vez mais ricos.