Intervenção de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Debate «Desemprego. Precariedade. Pobreza. A face real da União Europeia»

Dois anos de Governo e de Troika é o prosseguimento da política de direita e de destruição das conquistas de Abril

Camaradas e amigos

Quero começar por agradecer a presença de todos nesta iniciativa do GUE - Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica.

Agradeço aos nossos convidados do Partido Comunista da Grécia, Panagiotis Rentzelas, da Esquerda Unida do Estado Espanhol (Ramon Vasquez), do Sin Fein, da Irlanda, Kathryn Reilly, pelo enquadramento que nos trouxeram da situação nos seus países, alvos como nós da intervenção externa de rapina e saque por parte do Grande capital.

Agradeço a todos os oradores que contribuíram para este retrato duma realidade cada vez mais difícil.

Quero ainda deixar uma palavra de apreço pela presença aqui das estruturas que quiseram connosco acompanhar esta reflexão.

O retrato que aqui traçámos é conhecido de todos e sintetiza-se em duas linhas. No início do século XXI, num momento em que, todos os dias, somos confrontados com novas invenções da ciência e da técnica, em que a capacidade de produzir e criar riqueza é cada vez maior, a situação dos trabalhadores e das populações, na União Europeia e no nosso país em concreto é cada vez pior.

Os indicadores directamente relacionados com os três tópicos que escolhemos para o nosso debate não deixam dúvidas.

O Desemprego em Portugal atinge valores nunca vistos desde o fascismo, situando-se hoje nos 17,7%, ou seja quase um milhão e quinhentas mil pessoas sem emprego. Este valor é um dos mais elevados na União Europeia, acompanhando a tendência geral de aumento do desemprego.

Segundo o Eurostat, em Abril existiam 26,6 milhões de desempregados na UE, o que corresponde a uma taxa de desemprego de 11,0%.

Nos desempregados com idades inferiores a 25 anos, as taxas disparam para perto dos 24%. Em Portugal situa-se nos 40%. Tal valor é, por si só um triste e dramático retrato à la minuta da realidade Portuguesa.

Números que se replicam na Irlanda, com o desemprego acima dos 14%, e que assumem proporções verdadeiramente alarmantes na vizinha Espanha e na Grécia com o desemprego a situar-se acima dos 27%, o que, no caso Grego, representa um aumento de quase 5 pontos percentuais face ao início de 2012.

A precariedade laboral afirma-se cada vez mais como a regra da vida dos trabalhadores situando-se na casa dos 30% no nosso país, que ocupa os lugares cimeiros neste triste ranking na UE. Precariedade que se estende a todos os campos das nossas vidas, precariedade económica, social, emocional. Precariedade crescente nos cuidados de saúde, na educação, nos serviços sociais básicos. Precariedade no nosso futuro colectivo.

A pobreza é neste quadro, uma consequência directa e palpável no dia-a dia. Os números, uma vez mais, falam por si. Na Grécia, um terço da população vive hoje abaixo do limar da pobreza. Em Espanha esse número situa-se nos 21%. Por cá, 24% dos portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza. “Portugal tem dois milhões e meio de pobres”, era, um destes dias, o título de capa dos principais jornais nacionais.

Tal realidade é ainda mais gritante e mais chocante quando atentamos nos números da pobreza infantil. Os últimos números conhecidos apontam para um quinto das crianças no nosso país em situação de pobreza. Mais de meio milhão de crianças.

Os idosos são particularmente vítimas das situações de pobreza.

Números que se repetem por essa Europa fora.

Ao quadro descrito, em traço muito grosso, que não consegue traduzir a riqueza das contribuições que aqui foram trazidas, e bastante aquém do que a dura realidade nos confronta diariamente, faltará ainda acrescentar um último item.

Isto não vai melhorar.

Fazendo parte de uma estratégia de afirmação da inevitabilidade das suas políticas, e das suas consequências, os responsáveis europeus, não têm pejo em afirmar que as perspectivas são de que a situação continue ainda a piorar.

Herman Van Ron Poy, o Presidente do Conselho afirmava ontem que “embora [o crescimento que se prevê para este ano na UE] seja positivo - entre 1,0% e 1,5% - não vai ser suficiente para diminuir o desemprego, especialmente o desemprego jovem”. Ou seja, preparem-se que vêm aí dias ainda piores.

Por cá, como todas as previsões do Governo PSD/CDS falham, o que podemos ter por certo é que o desemprego não se ficará apenas pelos 18,2% que o Governo prevê para este ano, nem pelos 18,5% que prevê para o ano que vem. A realidade será ainda pior que isso.

A pergunta impõe-se: Mas isto não é mesmo inevitável? Pois se a crise é global, se os indicadores coincidem em toda a União Europeia, e mesmo a poderosa Alemanha não escapa a uma desaceleração da economia e os poderosos Estados Unidos vivem agarrados à máquina que vai injectando dólares e apoios! Pois se os mercados não dão sinais de recuperar, que havemos nós de fazer.

A resposta não pode ser mais contundente. Não, não é inevitável.

Esta situação tem causas, tem responsáveis e tem beneficiários.

É um facto que a crise não só é global como é sistémica. É uma crise que trás à evidência as limitações históricas do capitalismo, desse sistema de exploração brutal dos trabalhadores e dos povos.

Mas é uma crise que é potenciada pelas sucessivas medidas de austeridade impostas a partir de fora, pelo directório de grandes potências da União Europeia, pelo Banco central Europeu e pelo FMI e aceites pelas burguesias nacionais em cada um dos países.

È uma crise que tem como objectivo e é ampliada pela opção de acentuação da exploração dos países e dos povos e de concentração da riqueza.

Fechados nos gabinetes de Bruxelas, de Berlim ou de Bildberg, definiram um plano e estão a executá-lo passo a passo.

Com tratados em cima de tratados - do Tratado Constitucional, o tal Tratado de Lisboa, do Pacto Orçamental, do chamado Semestre Europeu, à Estratégia 2020, passando pelo Pacto Euro Mais, um autêntico cerco normativo, que procura mesmo sobrepor-se à própria Constituição da República, e que visa, pôr em causa a soberania nacional, económica financeira e também política, e instituir como ideologia oficial da União Europeia, e, por extensão, a cada um dos países, o neo-liberalismo - no plano da União Europeia, procuram impor regras (ditas de ouro) que transportam para o direito nacional, limites de dívida e de défice, com carácter permanente e obrigatório, mas também às políticas e aos apoios sociais, limitações e ingerências que só servem para condicionar e impedir o exercício livre e democrático da vontade dos portugueses, o nosso desenvolvimento no presente e no futuro, para eternizar e reforçar o fosso que já existe entre os mais ricos e os mais pobres membros da União Europeia, condicionando e limitando a capacidade dos portugueses, e dos outros povos da Europa optarem e decidirem sobre o seu futuro colectivo.

Verdadeiro golpes constitucionais que o PCP foi denunciando e combatendo.

Denunciou quando o PS negociou e assinou, nas costas do povo, mas com o apoio do PSD e do CDS, o Tratado de Lisboa e aceitou a introdução do semestre Europeu.

Denunciou e combateu quando o PSD e o CDS, negociaram e assinaram, nas costas do Povo, mas com o apoio do PS o tratado Orçamental.

Denunciou e combateu quando PS, PSD e CDS, nas costas do Povo, mas com a cumplicidade do Presidente da República, entregaram o país nas mãos desse bando de saqueadores que habitualmente chamamos de Troika FMI/BCE/UE.

Denuncia e combate agora que PSD e CDS impõem ao país, aos trabalhadores e ao povo uma política ruinosa, de autêntico desastre nacional, usando ainda a justificação dos compromissos nacionais com a Troika estrangeira.

Camaradas e amigos

Estamos a realizar este seminário, no exacto dia em que passam dois anos sobre a tomada de posse do Governo PSD/CDS.

O balanço faz-se em meia dúzia de palavras. Roubo aos trabalhadores dos seus salários e dos seus direitos. Destruição do aparelho produtivo, com o encerramento de milhares de empresas, particularmente pequenas e médias. Centenas de milhar de despedimentos no sector Privado e na Administração Pública, já executados e em preparação. Roubo dos rendimentos dos pensionistas e reformados. Redução e mesmo eliminação dos apoios sociais em larga escala (abonos de família; subsídios de desemprego; rendimento Social de Inserção; Complemento solidário para Idosos). Destruição dos serviços públicos e das funções sociais do Estado (Educação, Saúde, Segurança Social). Ataque sem precedentes ao Poder Local Democrático. Entrega aos grandes grupos económicos das riquezas nacionais, seja por via das privatizações, seja por via da injecção directa de capitais nos bancos. A banca ganha mesmo em todos os carrinhos – O BPN ou o BANIF estão em dificuldades fruto das negociatas especulativas em que se envolveram? O Povo Português injecta-lhes milhares de milhões de euros. Os rácios da Banca não cumprem os critérios europeus? O Orçamento do estado injecta capital. E, no fim, no Orçamento do Estado continua a fatia dos oito mil milhões de euros para pagar, só este ano, de juros exorbitantes aos bancos, por uma dívida que, em parte, é ilegítima.

Tudo em nome do sacrossanto altar da dívida e do défice.

Os resultados estão à vista.

A dívida aumentou exponencialmente à razão de quase um milhão e oitocentos mil euros por hora, está nos 124% e há já quem admita que chegue a 140% do PIB.

O défice das contas públicas continua a níveis bastante acima das metas estabelecidas e mesmo da nova meta (5,5%) entretanto reformulada.

O Produto Interno Bruto acumula já mais de 5,5% de recessão e, só este ano, vai ultrapassar largamente os 3%.

O consumo das famílias teve uma retracção de 10%, com cortes que chegam já aos bens essenciais e à alimentação, fruto de uma diminuição nos salários reais de cerca de 9%.

O desemprego só não atinge valores maiores porque mais de duzentos e cinquenta mil portugueses já procuraram o futuro incerto da emigração.

Dois anos de Governo e de Troika, que são nada mais nada menos que o prosseguimento, nos dias de hoje, da política de direita de destruição das conquistas de Abril que PS, PSD e CDS prosseguem há 38 anos.

É certo que, por estes dias, face à revolta crescente das populações, assistimos às mais extraordinárias manobras de uns e outros, cada qual procurando posicionar-se o mais longe possível da política do Governo.

É neste quadro que não podemos deixar de esboçar um sorriso ao ler que Paulo Portas, e o seu Partido, no Congresso que se realizará dentro de dias, irão reclamar o desagravamento fiscal, o aumento do salário mínimo, a protecção dos rendimentos dos pensionistas e a fixação de uma data para acabar com a sobretaxa de IRS.

São mesmo uns farsantes!

Então não é verdade que foi o CDS, no Governo que alterou, para pior, as regras de atribuição ao subsídio de desemprego, fazendo com que hoje, apenas 1/3 dos trabalhadores desempregados recebam qualquer prestação de desemprego e que cortou 5% no subsídio de doença e 6% no subsídio de desemprego? Que congelou o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), e as pensões e Reformas e o Salário Mínimo Nacional? Que promulgou a Lei dos Despejos, que cortou a generalidade das prestações sociais. Que roubou o subsídio de férias e de Natal?

E não podemos deixar de registar que as declarações do Partido Socialista, de defesa do crescimento e do emprego, mas num quadro em que não se quer libertar do Pacto de Agressão assinado pela Troika e de apego ao que chama de austeridade inteligente, não passa de uma tremenda incongruência.

O Partido Socialista sabe que não há soluções no quadro do Pacto de Agressão. Que a política dos sacrifícios e dos cortes induz ela própria o ciclo recessivo.

O PS sabe que, sem interromper a política de direita e derrotar este governo, objectivo que umas vezes o PS aponta, mas que outras vezes já não refere, não será possível outro caminho e outro rumo para o país.

Pela nossa parte, daqui afirmamos. O país não está condenado ao desastre. Não é fado, nem maldição o que nos está a acontecer.

Há outros caminhos e outra política.

Há uma alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao nosso povo e que é possível pela intervenção, pela vontade, pela participação e pelo voto do nosso povo.

Uma política que resgate o país da dependência, que recupere os seus recursos e sectores estratégicos, que devolva aos trabalhadores e ao povo os seus direitos.

Uma política alternativa patriótica e de esquerda, que, em primeiro lugar rejeite o Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS assinaram com a Troika e que renegoceie a dívida nos seus montantes, prazos, juros e formas de pagamento, garantindo que os recursos do País, que hoje são canalizados para a Banca e para o Grande capital, sejam colocados ao serviço do crescimento da nossa economia.

Uma política que promova a produção nacional e que recupere para o estado os principais sectores e empresas estratégicas, designadamente o sector financeiro, para garantir o apoio à economia nacional, ao investimento público.

Uma política que, visando dar uma vida digna a quem trabalha e trabalhou e dinamizar o mercado interno, aumente os salários e as pensões de reforma.

Uma política que ponha a pagar impostos os dividendos e os lucros do capital e que, pelo contrário alivie os trabalhadores e as pequenas empresas.

Uma política que defenda as funções sociais do Estado, na Educação, na Saúde, na Segurança Social e defenda e reabra muitos dos serviços públicos entretanto encerrados.

Uma política que, rompendo com o actual rumo das políticas e orientações da União Europeia, liberte Portugal da dependência externa e reafirme a sua soberania e independência. Uma Política que defina como eixo central a defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores Portugueses, a defesa dos interesses nacionais e do direito do povo português ao desenvolvimento económico e social, e que sempre que se confronte com as restrições, e imposições de quaisquer entidades externas, não hesitará em escolher o lado certo, dos trabalhadores e do País. Uma Política Patriótica e de Esquerda que é simultaneamente a principal contribuição do nosso povo e do nosso País para a construção de uma outra Europa que nascerá da derrota do processo de integração capitalista europeu – a União Europeia – e que abrirá caminho a uma verdadeira cooperação, coesão e solidariedade, não entre o capital, mas entre os povos em defesa de uma Europa de Paz, Progresso e Justiça social.

Política alternativa patriótica e de esquerda e um Governo que lhe dê corpo, tais são os caminhos que, no imediato exigem a demissão do Governo e a devolução da palavra aos portugueses com a convocação de eleições antecipadas.

Daqui reafirmamos que a instabilidade económica, social e política a que este Governo conduziu o país e a degradação das condições de vida de um número cada vez maior de portugueses exige que, no cumprimento da Constituição da República, o Presidente da República demita o Governo e convoque eleições.

Para tal objectivo sabemos que temos que contar com as nossas forças. Com a mobilização popular. Com a luta, esteio do desenvolvimento de um amplo movimento de massas, que imporá a um Governo que resiste apesar do seu isolamento social, e a um Presidente da República que está transformado num moço de recados daquele, um rumo diferente do que almejam.

Neste quadro, o PCP saúda vivamente a Greve Geral convocada para o próximo dia 27 de Junho. Esta Greve Geral é um importante momento na vida nacional. Momento para dizer basta! Momento para, em todos os sectores, no Têxtil, no Calçado na metalurgia, nas industrias eléctricas, no comércio e serviços, na saúde, na educação, na hotelaria, em todas as camadas, os trabalhadores efectivos e em precariedade, os jovens e menos jovens, é o momento para todos e cada um dar um aviso ao Governo, vencendo o medo, vencendo a resignação, vencendo o conformismo para onde nos querem empurrar.

Dia 27 de Junho vamos todos dizer Governo Rua, parando para o país avançar.

Camaradas e amigos

No final de um debate em que não pintámos a realidade de negro, porque negra já ela é, queremos deixar aqui uma palavra de confiança.

Confiança na força de quem trabalha e luta pelos seus direitos, na força da população que luta pelos serviços públicos, confiança nos homens e mulheres que se levantam em maior número a cada dia que passa e que dizem, sim é possível travar este caminho de desastre social e de abdicação nacional. Com coragem e determinação é possível construir um Portugal com Futuro!

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