O PCP afirmou, em 1992, em Programa aprovado em Congresso, sobre o processo de integração capitalista europeu que «A evolução num sentido federalista da integração europeia nos planos económico, político e militar, ameaça transformar Portugal num Estado subalternizado e periférico, cuja política poderá passar a ser crescentemente decidida, mesmo que contra os interesses portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental pelos estados mais fortes e mais ricos e pelas empresas transnacionais». A afirmação é de 1992, quando a opinião política e os media dominantes não se cansavam de empolar o sonho europeu da modernidade e da riqueza. Hoje, a realidade, veio dar-nos razão e a caracterização que então fizemos é hoje facilmente compreendida. A adesão à então CEE teve como consequências o agravamento das desigualdades na distribuição do rendimento nacional, o agravamento das assimetrias regionais, a debilitação de sectores produtivos nacionais, a acentuação da nossa dependência económica e dos défices estruturais. Basta dizer que, em 1986, no ano de adesão, Portugal tinha um saldo positivo da Balança de Transacções Correntes de cerca de 500 milhões de euros e que em 2008 tinha um défice de 21,7 mil mil mihões de euros, para compreendermos o nível do aumento da nossa dependência externa.
A entrada num mercado único – no qual a economia portuguesa estaria à partida em desvantagem – com a conjugação das políticas de restrição do défice (primeiro com o Pacto de Estabilidade e Crescimento associado à moeda única, depois com as políticas da Goverbnação Económica, Semestre Europeu e, por último, o Tratado Orçamental) impuseram uma política centrada na redução do défice, transformando e reduzindo o papel do Estado, aniquilando as funções sociais do Estado, acelerando as privatizações, promovendo o desmantelamento progressivo da segurança social pública e de outros serviços públicos como a saúde, educação e justiça, colocando em causa os direitos dos trabalhadores e reforçando o seu papel ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros. Esta foi a política que sucessivos governos aplicaram, por vontade própria e utilizando a desculpa da imposição europeia, nas últimas décadas. Hoje, evidentemente, e face à crise do capitalismo, o nível de extorsão das riquezas colectivas e dos trabalhadores ganhou – com a assinatura do “Pacto de Agressão” - uma expressão nunca antes vista. Mais uma vez, UE e governos acordam pela resposta de “classe” à crise – a resposta que consiste em deslocar fundos da actividade produtiva e dos rendimentos do trabalho para o sistema financeiro.
Hoje, existe um debate público sobre a moeda única, e suas consequências negativas em Portugal. Já, aquando da discussão da adesão de Portugal ao euro, em 1997, – e quando os comentadores de serviço iludiam o povo ao vaticinar salários mais próximos dos países do centro e norte da Europa – dissemos, e cito, “a moeda única é um projecto político que conduzirá a choques a pressões a favor da construção de uma Europa federal, ao congelamento de salários, à liquidação de direitos, ao desmantelamento da segurança social e à desresponsabilização crescente das funções sociais do Estado”. Era, para nós, evidente, que a pretexto da chamada estabilidade dos preços, se iria fazer uma enorme pressão sobre os custos do trabalho, promovendo o empobrecimento dos trabalhadores. Hoje, mais uma vez, a vida real, dá-nos razão e demonstra que o chamado “modelo social europeu” ou vertente social da UE não são mais do que construções de aparência para tentar legitimar um processo que acumula cada vez mais poder no grande capital europeu e nas grandes potências. Hoje, a doutrina social-democrata europeia investe fortemente na tentativa de restauração de uma ideia de “Europa Social”, tentando salvar a face da UE e, portanto, o seu projecto intrinsecamente predatório.
A realidade mostra que nada há de social na UE. Mais de 26 milhões de pessoas estão desempregadas; 23,4% dos jovens na UE estão desempregados; 8,3 milhões de jovens abaixo dos 25 anos não têm qualquer actividade; 19% das crianças estão ameaçadas pela pobreza; 8% das pessoas vivem em situação de grave privação material; 15% das crianças abandonam a escola sem chegar a frquentar o ensino secundário; 24,2% das pessoas encontram-se em risco de pobreza; os trabalhadores pobres representam um terço dos adultos em idade activa em risco de pobreza; o número de sem-abrigo na UE chega, por noite, a 410 000 pessoas. Em Portugal, o empobrecimento da população e dos trabalhadores cresce a olhos vistos e a realidade é dramática, injusta e desumana. O desemprego e o desemprego jovem situam-se já nos 17,8% e nos 42,5% respectivamente; são milhões de portugueses e suas famílias que vivem em risco de pobreza e cada vez mais os que se encontram na pobreza absoluta; são cada vez mais as situações de fome e de carência alimentar, sobretudo entre as crianças; são cada vez mais as casas onde o gás, a electricidade ou a água são cortados e onde se perde a habitação por despejo; São cada vez mais os pais que vêem os seus filhos regressarem a sua casa depois de ficarem desempregados; são cada vez mais os relatos de situações de violência familiar potenciados pela enorme tensão social e pelas dificuldades económicas; são cada vez mais os doentes que não compram os medicamentos que lhes prescrevem. O contacto com a realidade permite-nos, muitas vezes, ter conhecimento de situações inacreditáveis que configuram verdadeiros retrocessos civilizacionais. São cada vez mais as mulheres vítimas de violência doméstica que permanecem na casa com o agressor por não terem independência económica; são cada vez mais as mulheres trabalhadoras desempregadas que procuram na prostituição a solução de desespero para comprar comida ou manter os filhos a estudar. Serão estes os sacrifícios que o governo e todos os que pactuaram com o Pacto de Agressão pedem aos portugueses para compreenderem? Foi este o resultado positivo que os tecnocratas da troika observaram na sua última avaliação?
Perante esta situação, a União Europeia, na tentativa de salvar a face e conter a luta dos povos e dos trabalhadores, tenta contrabalançar a realidade dramática com discursos pretensamente interessados no crescimento e na criação de emprego. É o caso, por exemplo, do Pacote de Investimento Social e da Iniciativa para o Emprego dos Jovens. Diz a Comissão Europeia que este Pacote contém orientações para alcançar o objectivo de retirar 20 milhões de pessoas da situação de pobreza até 2020 , interligando as políticas sociais com a reformas no âmbito do Semestre Europeu, que é precisamente o mecanismo que mais tem condicionado o investimento público. Diz a Comissão Europeia que é necessário assegurar a sustentabilidade e a adequação das políticas sociais, cortando em despesas desnecessárias. Mas parece que considera que o abono de família, o subsídio social de desemprego, o subsídio de doença e o rendimento social de inserção são despesas necessárias uma vez que foi aqui, no valor das prestações sociais, que se fizeram os cortes. Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia recomenda a participação dos privados nas políticas sociais, o que significa, privatizar os serviços assegurados pelo sector público, depois de os destruir. Diz a Comissão Europeia que é necessário um investimento mais inteligente no sector da saúde. Significa isso, o encerramento de centenas de SAPs, como aconteceu em Portugal, o encerramento, portanto, dos serviços públicos de saúde de proximidade e a negação do acesso aos cuidados de saúde primários àqueles que vivem mais isolados? A Comissão Europeia propõe que 20% dos recursos totais do Fundo Social Europeu sejam destinados a combater a pobreza. Mas, esquece, convenientemente, que no momento em que mais a pobreza cresce, é quase certa uma diminuição em termos nominais no orçamento comunitário para os próximos 7 anos, redução aceite prontamente pelo nosso governo. Perante o evidente drama do desemprego juvenil a nível europeu a Comissão Europeia sentiu a necessidade de apresentar um conjunto de medidas - a Iniciativa para o Emprego dos Jovens - dotada de um orçamento de 6 mil milhões de euros para o período 2014-2020 e cuja propaganda oficial tem incidido na promoção da chama da Garantia Europeia de Juventude. Diz a UE que irá garantir que todos os jovens na faixa etária 15-25 anos que não trabalham, não estudam e não seguem qualquer formação beneficiem de uma boa oferta de emprego, educação contínua, oportunidades de aprendizagem ou estágio nos quatro meses seguintes à perda do emprego ou à saída da educação formal. E em que bons exemplos se baseia a Comissão Europeia?
Entre outros, num programa português chamado "Impulso Jovem", que visava a criação de postos de trabalho para jovens. E o que se constatou? 4 meses depois do início do programa, a avaliação feita revelou que 60% dos jovens beneficiados ocuparam postos de trabalho com contratos temporários de 6 meses e que, sendo a maioria licenciados, auferiam salários com base nas tabelas salariais das bolsas de estágio - com remunerações líquidas de 650 a 419,22 euros (valor abaixo do salário mínimo nacional). Constatou-se também que o número de jovens beneficiados - no conjunto do total de jovens desempregados - foi residual. O que aconteceu foi que o governo fez uma enorme operação de marketing daquilo que, na prática, resultou no benefício dos patrões. Através desta medida, os jovens trabalhadores realizam diariamente a sua actividade dando lucro aos patrões, sendo o salário pago pelo Estado. Recebem salários abaixo do salário mínimo nacional e as empresas não têm obrigatoriedade nenhuma em contratar os trabalhadores após o fim do programa. O que verificámos foi que a implementação destas medidas promove a contratação de jovens trabalhadores necessários todos os dias nas empresas, com contratos precários ou em regime de estágio, com salários muito mais baixos do que teriam com vínculos efectivos.
Ou seja, a União Europeia, por um lado, promove medidas que provocam o despedimento dos trabalhadores, a recessão económica e a destruição de milhares postos de trabalho diariamente – quase 600 postos de trabalho por dia em Portugal - e, por outro lado, lança programas que para além de não resolverem o problema do desemprego, promovem o trabalho sem direitos, desresponsabilizando-se assim aos olhos da opinião pública pelo drama social que está a infligir a milhões de famílias.
É por isso que só uma ruptura com estas políticas conduzirá a uma verdadeira e não ilusória solução: a imediata renegociação da dívida pública, nos seus prazos juros e montantes; o aumento dos salários, das pensões e dos apoios sociais; a defesa e dinamização da produção nacional; o fim das privatizações e a recuperação da propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia a começar pela banca; a alteração da política fiscal para uma que tribute efectivamente o grande capital; a valorização de todas as funções sociais do Estado, o efectivo cumprimento da Constituição da República e a intransigente defesa da soberania nacional resgatando o país da dependência e da submissão às grandes potências e à União Europeia são condições imprescindíveis para a realização de uma política patriótica e de esquerda, tão indispensáveis e urgentes para o futuro de Portugal.