Intervenção de Joaquim Manuel, Mesa Redonda «Energia e recursos na transição energética. Soberania, segurança, ambiente e desenvolvimento»

Alterações climáticas e soberania alimentar

Camaradas e amigos, começo esta intervenção com uma ideia feita á força de tanto ser repetida.

O combate ás alterações climáticas, é necessário e fundamental,  para salvar o planeta em que vivemos, mas a sua implementação com êxito, passa por fazer frente aos interesses instalados, das elétricas, da banca e das consultoras, que lucram com os projetos, normalmente traçados á medida deles, porque partimos sempre da premissa, que o que precisamos é de dificultar o acesso de forma burocrática aos meios, em vez de fiscalizar devidamente a sua aplicação, acham que a melhor forma de controlar o seu “cumprimento” é dificultar-lhes o acesso, e depois são sempre, os mesmos de sempre, a sentir as dificuldades, todos estes interesses, que circulam á volta deste como de outros temas, são de natureza fundamentalmente financeira, que normalmente lucram com a exploração dos recursos que são de todos nós, destruindo o planeta que por acaso também é de todos nós, bem sei que nem sempre é de todos nós, ou melhor dizendo, muito poucas vezes é, mas é nossa obrigação fazer tudo para que passe a ser sempre de todos, e para todos.

Não sou especialista em energia, quero desde já deixar claro, no entanto assumo aqui a condição, de uma espécie de porta voz de alguns produtores agrícolas, pecuários e florestais, com quem tenho vindo a trocar algumas ideias sobre este assunto, sendo isso que fundamentalmente aqui venho trazer-vos hoje nesta área, mas desde logo todos temos a ideia clara que só a multi-origem energética resolverá este problema das alterações climáticas sem pôr em causa e vida tal como a conhecemos hoje.

Sendo a transição energética de facto uma necessidade, perguntamos:

Não seria fundamental ouvir todos os interessados nomeadamente os consumidores domésticos, agrícolas, industriais, comerciais ?

É que, quase toda esta gente tem um espaço, que pode ser um espaço produtivo, somos um país com muito sol, mas também com muitos telhados, quintais e logradouros de maior ou menor dimensão e algumas bordaduras de infraestruturas de apoio ás explorações, passiveis de utilização com este fim, e não com outros menos aconselháveis, como a plantação de eucaliptos de regadio.

Face a isto não seria necessário traçar um plano de apoio financeiro que funcione como incentivo á concretização de um plano de aproximação da geração de energia ao consumo?

Não seria importante que esse plano contivesse uma estratégia de micro, pequena e média geração de energia próxima das diferentes atividades?, que permitisse o consumo de imediato durante o dia e com capacidade de armazenagem adequada ao possível consumo noturno, nos casos em que se justifique?

Ou o lítio que se preparam para extrair não serve para nada a não ser dar lucro a quem o extrai e comercializa, em nome da tal transição climática?

Que toda a energia sobrante possa ser introduzida no sistema nacional de distribuição a preço definido pelo Estado, que é quem deve regular e ser dono desta atividade estratégica para o País, de molde a contribuir para a redução da dimensão das centrais fotovoltaicas, cujos projetos ouvimos falar e outros já conhecemos.

É preciso impedir o abate de floresta seja ela qual for para substituir árvores por painéis solares em nome da transição energética, como recentemente veio a público no norte Alentejano e baixo Ribatejo, com a proposta de abate de 1.079 sobreiros adultos no concelho do Gavião, como sempre em nome do superior interesse nacional, bem como no litoral Alentejano, onde parece valer quase tudo.

Sabemos que as rendas são fortemente atrativas e por isso a pressão sobre os solos com aptidão agrícola e florestal e limpo de árvores, será cada vez maior, ao Estado Português compete controlar estes investimentos, compatibilizando a sua existência com os interesses do povo Português, nunca esquecendo uma coisa muito importante, que se chama soberania alimentar, e nisso estamos pelos vistos mal, azeite é bom, e eu gosto, mas já agora era bom que tivesse pão para a açorda, e isso parece que começa a estar caro e não se apanha.

É aqui que aproveito para vos falar de outras ideias sobre soberania alimentar que vimos falando entre agricultores e até entre consumidores, mas esbarramos sempre na estrutura fundiária do país, que quer queiram quer não, urge alterar, de modo a assegurar, que a terra seja entregue a quem a explore de acordo com a estratégia produtiva nacional, no sentido claro do auto-abastecimento do país em termos energéticos, alimentares e florestais e não ao sabor de lucros mais ou menos fáceis que acabam a determinar a nossa cada vez maior dependência alimentar externa, bastando ver o corrupio de camiões a caminho do sul de Espanha e Norte de África, diariamente ás dezenas, carregados de frutas e legumes frescos que nem sempre sabemos depois que origem levam no rótulo, mas sabemos que esta deslocação de alimentos tem custos energéticos brutais, que é preciso reduzir fortemente, planificando as nossas necessidades e planificando a sua produção cá dentro.

Até no caso energético dou este exemplo real, por muito apoio que seja dado aos rendeiros e não é, com contratos de quatro ou cinco anos, qualquer investimento em infraestruturas será sempre investir para os proprietários, porque sem tempo contratual para extrair as mais-valias do investimento, será como dizem “trabalhar para aquecer”.

Falar de soberania alimentar, implica falar necessariamente de soberania Nacional, em todos os sentidos, e, soberania política para podermos assim propor e executar políticas a montante e a jusante das atividades produtivas, aplicando políticas agrícolas, comerciais e de distribuição, que favoreçam e patrocinem tal objetivo.

Para que tal possa acontecer, terá que ser o Povo português a definir o destino e a utilização, por exemplo dos fundos europeus, de modo a que esta aberração do desligamento dos apoios á atividade agrícola total ou parcialmente da produção, deixe de existir, ao contrário do que acontece agora, que estão fundamentalmente ligados á superfície, servindo na primeira fase para apoiar o absentismo latifundista, mantendo assim agregada a propriedade, e agora, na segunda fase já em curso, permitir que o capital financeiro internacional, se instale essencialmente nas coutadas do regadio, já quase de norte a sul e com relevo para o interior sul e centro, onde o olival super-intensivo, o amendoal, o abacate, que já passou a serra do Caldeirão, e vem Alentejo acima, continuem a sua expansão em detrimento da produção de alimentos, que como agora se percebe, tanta falta nos fazem. 

Relembro aqui o que já dissemos em outras ocasiões e iniciativas similares, inverter isto passa por quatro objetivos:

O primeiro é permitir o acesso á terra por parte de gente nova e nova gente, em regime de contratos de longa duração, podendo até passar de familiar para familiar, desde que cumpram os compromissos para com o Estado, que deve ser sempre o titular da terra nestes casos, tendo como grande objetivo o auto-aprovisionamento alimentar do país e o acesso a um modo de vida digno por parte dos agricultores e trabalhadores, 

O segundo é assegurar o povoamento do interior do país, e com isso garantir a produção dos alimentos que forem necessários á nossa soberania, com destaque especial para os cereais onde as nossas reservas praticamente deixaram de existir, acentuando-se essa falha grave a partir do momento em que destruiram a EPAC, sendo necessário recuperar este tipo de infraestrutura ao serviço da produção e em permanente colaboração com a produção e os seus representantes, sendo desejável e necessário que venha a ter valências de aquisição e venda pública de fatores de produção, envolvendo os retalhistas do setor, evitando assim duplicação de investimento público uma vez que as épocas de sementeira quase nunca colidem com as de colheita e armazenagem.

O terceiro é assegurar um sistema paralelo de escoamento de produções de cariz público, ao mesmo tempo que se controlam as margens de lucro da grande distribuição que domina praticamente toda a atividade no setor e que impeça especulações com preços de alimentos, assente na produção de proximidade e escoamento também de proximidade, criando incentivos específicos á organização dos consumidores em torno de estruturas de comercialização geridas por eles próprios.

E neste particular, o envolvimento do poder local democrático no processo, é central, tendo em conta a propriedade, e gestão na maior parte dos casos, e respetiva dinamização dos mercados municipais, peças centrais do comércio agro-pecuário de proximidade, para lá da possibilidade da industrialização coletiva de muitas das pequenas produções como queijarias ou salsicharias.

O quarto tem a ver com o controle dos preços especulativos dos combustíveis que depois desencadeiam esta espiral de preços em todas as áreas produtivas.
 

Pintar quadros de salvação do interior com ou sem bazucas, de nada valerá, porque sem que as medidas tomadas tenham em conta a realidade e correspondam efetivamente a atividade produtiva rentável ninguém se muda para o interior, porque de lá já os seus antepassados vieram, e mesmo que só tenham ouvido contar as estórias de miséria e sofrimento, pelas quais passaram, não será fácil arrastá-los para esta atividade ligada á terra, como o comprova o passado recente.

É preciso emparcelar a Norte, desemparcelando a sul, assegurando um novo mosaico humano e produtivo, que envolva operários agrícolas e pequenos e médios agricultores e fundamentalmente a agricultura familiar, indústrias de pequena e média e até grande dimensão perto da produção, que para lá da redução de custos de deslocação da matéria prima, criam postos de trabalho de alguma qualidade no interior povoando e permitindo que nova mão de obra ali se reproduza, ao mesmo tempo que o governo tem que tirar da gaveta  o Estatuto da Agricultura Familiar, de onde parece teimar em não sair, depois de muitos floreados políticos quando lhes convêm, obra que se veja é que não, é tempo de deixar de se fingir de morto, agir em beneficio do Povo português impõe-se... 

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