Ao longo da história do planeta, diversos fatores têm contribuído para alterações climáticas significativas, nomeadamente de ordem geológica. Mas pela primeira vez estamos a assistir a uma alteração climática que a comunidade científica aceita atualmente sem grande incerteza, ter na sua origem a atividade humana. Assim, coloca-se o desafio de tomar medidas para que a existência à superfície do planeta seja sustentável.
Por outro lado, a anunciada escassez de combustíveis fósseis, apesar de afastada das notícias e do discurso político, é para os especialistas uma evidência.
Por estas duas razões principais, há uma necessidade premente de substituir parcial ou totalmente os combustíveis fósseis por formas de energia que invertam ou mitiguem o efeito antropogénico no ambiente e no clima ao mesmo tempo que garantem a energia suficiente para a nossa sobrevivência.
Todas as energias renováveis se encontram ainda, apesar de décadas de investigação e desenvolvimento, numa fase incipiente de aplicação, incluindo a energia solar e eólica.
As tecnologias que permitem usar o hidrogénio como combustível são uma vertente que atualmente está a ser encarada com seriedade como uma das formas de fazer a conversão energética, embora não a única. O hidrogénio é um combustível limpo e possui outras vantagens, nomeadamente a sua disponibilidade ser bastante elevada, por ser um dos constituintes da água.
O hidrogénio é o elemento mais pequeno e mais leve, o primeiro elemento químico, o mais simples. É também o mais abundante no Universo. Ocorre como gás, e a sua forma elementar é uma molécula, constituída por dois átomos de hidrogénio.
O hidrogénio é um gás combustível, o que significa que reage com o oxigénio e liberta energia nesse processo. A grande diferença entre o hidrogénio e os combustíveis fosseis, é que o hidrogénio não tem carbono e por isso a sua combustão não origina o gás com efeito de estufa, o dióxido de carbono, sendo que por esse facto não é supostamente poluente. A combustão do hidrogénio origina apenas vapor de água.
Há ainda a questão do conteúdo energético. O hidrogénio apresenta um conteúdo energético mássico superior à dos hidrocarbonetos, ou seja, contém 120-140 MJ/kg contra 47-52 MJ/kg do gás natural, por exemplo.
A utilização do hidrogénio como combustível de forma generalizada, tal como a de todas as tecnologias ainda não implantadas, tem ainda muito problemas a resolver. Esses problemas podem ser apontados em pelo menos três frentes: O problema da produção de hidrogénio, o problema do armazenamento e transporte e questões relacionadas com a sua utilização como combustível através de novas tecnologias.
O hidrogénio, sendo um elemento abundante, aqui na Terra é apenas o décimo mais abundante e não está disponível na forma elementar, mas sim combinado quimicamente com outros elementos. Assim, a sua produção exige um processo industrial.
Atualmente, as suas aplicações mais importantes são nos processos associados à própria refinação dos combustíveis fósseis, na produção de amoníaco e de metanol. Seguem-se depois outras variadas aplicações que não chegam a 10% do total de hidrogénio atualmente produzido.
O hidrogénio é produzido maioritariamente na indústria do petróleo (mais de 90% da produção mundial), ou seja, nem sequer é produzido de forma limpa. No processo industrial mais comum, conhecido como reformação do vapor, é produzida uma mistura de monóxido de carbono e hidrogénio, também conhecida como “gás de síntese” que depois sofre mais transformações e é purificado para ser usado nas diversas aplicações. O hidrogénio produzido por esta via é o chamado hidrogénio preto (se a partir de carvão), cinzento (se a partir de gás natural), ou castanho (se produzido como subproduto de outras indústrias).
A produção restante faz-se por diversas outras vias. Sendo a mais importante a eletrólise da água (cerca de 4% do total). A eletrólise da água consiste na passagem de corrente elétrica através da água e a sua separação nos seus componentes, o hidrogénio e o oxigénio. O oxigénio produzido por esta via também é aproveitado. A eletrólise é atualmente um processo caro e é implementado muitas vezes em zonas onde a eletricidade é mais barata, como por exemplo junto a grandes barragens.
Ao nível da investigação científica, são múltiplas as frentes em que se tem procurado otimizar formas de produzir hidrogénio barato e de forma que não aumente as emissões de gases com efeito de estufa.
Uma vez que a forma de produção mais barata é também a que produz mais emissões, têm sido profusamente afinadas as tecnologias que permitem mitigar a emissão de gases. Uma que parece estar já bastante consolidada é a de devolver o dióxido de carbono à litosfera, capturando-o no seio de massas rochosas com propriedades adequadas e através de tecnologias entretanto desenvolvidas. O hidrogénio produzido de forma convencional associado a tecnologias de mitigação do carbono é designado hidrogénio azul.
Outra vertente da produção de hidrogénio em larga escala é a da energia nuclear. As centrais nucleares têm um funcionamento ininterrupto, o que significa que produzem em cheio ou em vazio de consumo, não se podendo “desligar” o reator e voltar a ligar no dia seguinte. Nesse sentido, a dada altura pensou-se que seria possível aproveitar a energia produzida em excesso nos períodos de vazio, para produzir hidrogénio (e oxigénio) por eletrólise da água. Este seria depois usado como combustível. Trata-se de fazer uma conversão de energia elétrica em energia química usando o hidrogénio como forma de armazenamento de energia. O facto de uma central nuclear ter disponível grandes quantidades de água aquecida pela sua função de arrefecimento no processo de fissão nuclear seria uma forma de aumentar a eficiência do processo. O hidrogénio produzido por esta via é denominado hidrogénio rosa.
A questão da eletrólise tem sido profusamente investigada. Sendo um processo que exige um fornecimento de energia elétrica, o objetivo tem sido tornar rentável e limpa a produção dessa energia. A utilização de fontes de energia renovável, como a energia solar, eólica, hídrica, etc. permite a produção do chamado hidrogénio verde. As tecnologias que partem da biomassa para produzir hidrogénio com recurso a tecnologias de fermentação, pirólise e gasificação também estão englobadas nesta categoria.
A economia dos países ocidentais mais desenvolvidos, nomeadamente a União Europeia, os Estados Unidos e o Japão, têm na indústria automóvel uma vertente de grande peso. Nesse sentido, a anunciada escassez de combustíveis fósseis é uma poderosíssima motivação para encontrar novas formas de motorização dos veículos.
É nessa linha que foram desenvolvidas as baterias de lítio como uma das formas de substituir os motores de combustão interna por motores totalmente elétricos ou híbridos. Esta tecnologia exige o desenvolvimento e implementação de pontos de carga para os veículos elétricos e, apesar de se estar a generalizar, continua a levantar o problema da autonomia do veículo e do tempo de carga.
Em alternativa existem os chamados veículos de emissão zero, cujo combustível é o hidrogénio. Os motores para a utilização eficiente do hidrogénio como combustível utilizam as chamadas células de combustível (fuel cells). Existem já em comercialização alguns modelos de automóveis a hidrogénio, como o Toyota Mirai. Estes veículos possuem, em relação aos elétricos, a vantagem de a sua carga se poder efetuar em poucos minutos. Alguns países como a Islândia, possuem já pontos de abastecimento de hidrogénio para veículos a hidrogénio.
A União Europeia elaborou e quer seguir uma Estratégia para a Economia do Hidrogénio.
O ambicioso plano da UE para o hidrogénio consiste em medidas de descarbonização através das tecnologias já existentes e de implementação de novas tecnologias que ainda não existem ou que ainda não foram levadas ao próximo patamar (passar do laboratório e do projeto piloto para o plano industrial).
O Roteiro Europeu para o Hidrogénio afirma que no plano da substituição de forma massiva de gás por hidrogénio na indústria passa por apostar na capacidade já instalada de gasodutos para introduzir gradualmente na indústria o fornecimento de hidrogénio em alternativa ao gás natural.
Para produzir hidrogénio em larga escala pretende-se fazer reformação de vapor, ou seja, a tecnologia “suja”, mas com tecnologias de captura de carbono associadas que mitiguem a emissão de dióxido de carbono (CO2). Pretende-se ainda estender a produção com recurso à biomassa e à eletrólise.
Pode parecer que não há avanço ambiental no uso da reformação de vapor com tecnologias de captura de carbono associadas. No entanto a produção “suja” de hidrogénio emite CO2 num só local (de produção) e ao ser usada a mitigação permite controlar as emissões, ao contrário do que acontece quando milhões de veículos disseminariam CO2 por todo o lado.
Por outro lado, prevêem-se investimentos significativos de fundos provenientes dos estados, da indústria e de investidores na otimização de processos eletrolíticos nomeadamente recorrendo a eletricidade limpa e a energias renováveis na produção de eletricidade.
Para evitar a emissão de CO2 no ramo dos transportes a UE preconiza investigação e desenvolvimento em força no campo das células de combustível (fuel cells) como forma de generalizar o uso de veículos com fuel cells. Defende-se que por este processo é mais barato e eficiente difundir uma rede de abastecimento de combustível limpo do que o é uma rede de carregamento rápido de baterias de veículos elétricos.
Aparentemente a União Europeia está apostada em investir fortemente na economia do hidrogénio. No entanto, as tecnologias de produção, armazenamento e distribuição de hidrogénio encontram-se ainda numa forma incipiente.
Ao constatar a forte aposta neste vetor, apenas podemos imaginar que a conversão energética é uma necessidade premente, seja pela previsível escassez de combustíveis fósseis, seja para libertar esta zona económica da dependência energética de terceiros (Rússia, EUA, etc.), seja, de forma acessória, como forma de mitigar os impactos ambientais da produção de energia e assim cumprir as metas de descarbonação.
Glossário
As cores do hidrogénio
- Hidrogénio Verde – A partir de eletrólise da água recorrendo a eletricidade proveniente de fontes renováveis, incluindo hídrica, geotérmica, eólica e solar, ou a partir de biomassa através de processos de fermentação, pirólise ou gasificação.
- Hidrogénio Amarelo – Produzido a partir de eletrólise da água tendo como fonte de eletricidade renovável a energia solar.
- Hidrogénio Rosa – Produzido usando energia nuclear como fonte para a eletrólise da água.
- Hidrogénio Azul – Produzido a partir de combustíveis fosseis, incluindo carvão, petróleo e gás natural, mas acoplado com medidas de mitigação das emissões de CO2, nomeadamente através da captura do CO2.
- Hidrogénio Castanho - Produzido como subproduto de outras indústrias.
- Hidrogénio Cinzento – Produzido a partir do gás natural, com significativa emissão de CO2.
No âmbito da indústria dos hidrocarbonetos (combustíveis fósseis).
- Hidrogénio Preto – Produzido a partir do carvão, com significativa emissão de CO2.