1. Spínola ‘confessou’ que logo no primeiro contacto com os jovens oficiais do MFA se apercebeu de que se “preparava uma revolução comunista”, porque o programa que lhe apresentaram era uma cópia do programa do Partido Comunista. Acrescenta que só não lhes disse que não alinhava para, por dentro, “tentar desviar a revolução dos seus princípios comunistas.”
Ainda antes do 25 de Abril, antecipando que “alguma coisa iria acontecer” em Portugal, Mário Soares pediu aos dirigentes socialistas europeus que ajudassem o PS, para impedir que os comunistas tomassem conta do País, alterando a relação de forças na Europa.
Ele próprio confessou que os seus amigos não o levaram a sério: sentiam-se confortáveis com a evolução na continuidade marcelista. Por eles, os portugueses continuariam sob o jugo fascista.
O General Carlos Fabião tinha toda a razão para estar ‘zangado’ quando, ainda antes do 11 de Março, desabafou assim: “Durante meio século o povo português viveu sob um despotismo tenebroso, e nenhum dos governos amigos se incomodou especialmente com isso. Mas, agora que nos libertámos a nós próprios, todo o mundo se preocupa de que possamos cair numa ditadura do proletariado.”
2. No início de Maio de 1974, Mário Soares visitou vários países da Europa. Sempre preocupado com a ameaça comunista, em vez de pedir ajuda para a nossa jovem democracia, pediu apoio para o PS, com o objectivo de “disputar a hegemonia do PCP.”
No primeiro encontro oficial que teve com o Embaixador dos EUA, Mário Soares garantiu-lhe que não existiria em Portugal “qualquer frente comum socialista-comunista como acontecia na França.”
Gerald Ford e Henry Kissinger diriam ao Presidente Costa Gomes não verem com bons olhos a participação de membros do PCP no Governo de Portugal e começaram desde cedo a preparar-se para pôr cobro a esta situação, um mau exemplo que poderia contaminar países da NATO muito mais importantes, como a França e a Itália.
Em Agosto/1974, o Director-Adjunto da CIA fez uma visita de trabalho a Portugal. Os EUA começaram então a equacionar “possíveis acções da CIA em Portugal, destinadas a conter o perigo comunista” e a Carlucci (o embaixador da CIA) foi confiada a missão de “deter o avanço dos comunistas.”
3. Em Outubro/1974, Mário Soares reconhecia, perante Kissinger, que a derrota da golpada do 28 de Setembro permitiu ao PCP “mostrar a sua força.” E Kissinger, é claro, expressou a sua grande preocupação pela sorte da democracia em Portugal… Spínola chegou a equacionar pedir a intervenção militar da NATO ou pedir ajuda militar à Espanha franquista.
Em Janeiro de 1975 a CIA alertou para o perigo de um iminente golpe do PCP. Carlucci discordou, porque tinha sido procurado por gente da direita e da extrema-direita, que lhe pediu ajuda para montar um golpe.
Em Fevereiro de 1975, Carlucci e responsáveis da CIA encontraram-se em Huelva com os dirigentes do ELP e do MDLP (organizações terroristas criadas por militares spinolistas,por altos quadros da Pide e da Legião e por saudosos da fascismo, civis e militares). E, pouco antes do 11 de Março, Carlucci andou em viagem pelo Norte.
Derrotados os golpistas, Carlucci reconheceu que não se tratou de um golpe “desencadeado pela extrema-direita.” Mário Soares diria mais tarde: "o que eu temia, naquela altura, era um golpe comunista." E, perante o Presidente dos EUA, insinuando que tudo não passou de uma inventona ("uma armadilha em que provavelmente Spínola caiu"), garantiu que "o golpe de 11 de Março foi encenado [não diz por quem] para servir os interesses dos comunistas."
Como se vê, o medo do comunismo (o anti-comunismo) continuava a dominar Mário Soares, muito mais do que o perigo do regresso do fascismo. Porque era este o objectivo do golpe, como decorre do ‘programa’ traçado por Spínola no discurso que tinha preparado para depois da vitória.
4. Preocupado com a derrota dos golpistas e com a viragem que ela operou na política portuguesa, Mário Soares recorreu a Helmut Schmidt, que reuniu de emergência o seu governo e telefonou a Gerald Ford e a Harold Wilson, pedindo-lhes que tomassem “medidas contra o perigo de um ‘golpe de Praga’ em Portugal.”
Em 25.3.1975, Carlucci foi a Belém dizer a Costa Gomes que a viragem de Portugal à esquerda na sequência do 11 de Março era “hostil aos interesses da NATO e dos EUA.”
Kissinger temia que Portugal se transformasse na Cuba da Europa e temia que o MFA contaminasse os militares anti-franquistas espanhóis. Por isso chegou a meditar uma solução de tipo chileno ou um bloqueio como o imposto a Cuba, ou mesmo uma intervenção militar.
Em 31.5.1975, Gerald Ford conversou com Franco sobre a situação em Portugal. Por essa altura, Arias Navarro (Primeiro-Ministro de Franco) anunciava a disponibilidade da Espanha para invadir o nosso País. Mas o ditador foi mais sensato: “Temos de deixar a revolução seguir o seu curso. (…) Qualquer intervenção estrangeira seria prejudicial para os moderados, porque uniria os portugueses contra quem os atacasse.”
“Como hoje é público – escreve o jornalista Miguel Carvalho –, Mário Soares solicitou ajuda militar aos seus aliados ocidentais. Esteve em cima da mesa uma invasão de tropas espanholas.”
5. Carlucci veio para Portugal para deter o avanço dos comunistas. Para bem cumprir a sua missão, colocou sob o seu estrito comando todo o pessoal da CIA em Lisboa, que considerou “parte da equipa da Embaixada.” E procurou encontrar aliados para essa guerra: conversou regularmente com dirigentes do PPD e do CDS, mas o seu ‘parceiro’ de eleição foi Mário Soares, com o qual teve “reuniões quase diárias”, com o qual [cito Marcelo Rebelo de Sousa] “criou uma cumplicidade estratégica.”
Carlucci sabia bem que, para fechar as portas que Abril abriu, era necessário cavar a divisão entre os militares de Abril, condição indispensável para fazer regressar os militares aos quartéis, para destruir e dissolver o MFA, para congelar o processo revolucionário assente na Aliança Povo-MFA.
Daí a sua atenção aos militares. Ele próprio disse ter-se tornado “razoavelmente próximo” de elementos destacados do Grupo dos Nove, com os quais “passou muito tempo.”
O primeiro encontro de Melo Antunes com Kissinger ocorreu em 20.5.1975, graças à intermediação do governo alemão. Em Julho de 1975, Kissinger fez chegar a Melo Antunes, através da Embaixada, uma mensagem em que dizia que, se os moderados “actuassem de modo a diminuir a influência dos elementos comunistas”, teriam “o apoio dos EUA”, que poderia “revestir-se de várias formas, tais como ajuda económica”, “apoios financeiros e de outra natureza.”
Em 11.8.1975, Carlucci informou Melo Antunes de que o governo do seu país fazia questão de lhe garantir o “apoio dos EUA”, incluindo a “concessão de equipamento militar.”
Em 29.8.1975 Carlucci comunicou a Washington que tinha “um canal indirecto com o Grupo de Melo Antunes”, usado com alguma frequência por ambas as partes.
Custa a compreender que, no verão de 1975, um homem como Melo Antunes se tenha deixado envolver em relações deste tipo com gente como Carlucci e Kissinger.
6. Toda a gente sabia que, naquele ano de 1975, a prioridade da política externa soviética era o êxito da Conferência de Helsínquia; que uma esquadra da NATO estava estacionada à vista de Lisboa; que a Espanha franquista estava mesmo aqui ao lado, disponível para invadir o nosso País se tal fosse necessário; que a CIA e outros serviços secretos trabalhavam e investiam fortemente para ‘salvar Portugal do comunismo’; que os fascistas portugueses andavam por aí, a conspirar à sua moda; que dos púlpitos vinham apelos de morte aos comunistas…
Melo Antunes era um homem de esquerda, com provas dadas na luta contra o fascismo, um político experiente, muito preparado e muito informado. Conhecia tudo isto. Por isso custa a compreender como é que, em 22.7.1975, ele tenha admitido que poderia implantar-se em Portugal uma “ditadura comunista pró-soviética.” Tanto mais que (foi ele que o disse), quinze dias depois, quando foi publicado o Documento dos Nove(7 de Agosto de 1975), ele acreditava ser possível construir em Portugal uma sociedade socialista, que garantisse “a realização plena da democracia.”
Logo no dia 25 de Novembro de 1975, Melo Antunes confirmou ser um político lúcido, ao reconhecer que a ‘vitória’ do Grupo dos Nove foi uma vitória de Pirro: “ficámos nas mãos da direita.” E suficientemente corajoso para, na noite de 26 de Novembro de 1975, ir à RTP fazer a seguinte declaração: “Eu queria dizer neste momento – e considero isto muito importante – que a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável. Não me parece que seja possível, sem o PCP, construir o socialismo. Temos de avançar com ele.”
Quem conseguiu perturbar este homem?
Sabemos que a CIA e outras agências do tipo têm larga experiência na organização de ‘operações de salvação’ de países ameaçados pelo ‘comunismo’ e investem muito na constituição de ‘exércitos salvadores’.
Depois da Revolução de Abril, verdadeiros exércitos do bem atuaram entre nós para denegrir personalidades incómodas, para difundir mentiras, para semear o medo e induzir o pânico, para dividir o MFA. A arma da contra-informação (as fakenews, diríamos hoje) é uma arma antiga.
Sabemos hoje que os EUA atribuíram “uma importância muito especial” à acção da CIA em Portugal.
Sabemos que a CIA operou em estreita ligação com os serviços secretos alemães e ingleses, que apoiaram os planos de acção das forças democráticas e anti-comunistas, planos que tinham todos a concordância da CIA.
Sabemos que a CIA tinha contactos com o MDLP em Madrid.
Sabemos que Carlucci visitou (início de Novembro/1975) os bispos de Viseu, Vila Real e Braga e que a CIA trabalhou com alguns membros da Igreja e se infiltrou em algumas organizações do Norte de Portugal, para movimentar as populações contra os comunistas.
Sabemos hoje que havia dois sectores de resistência contra o PCP: um “estava ligado ao PS e, por via do PS e de Mário Soares, a serviços secretos ingleses e americanos”; o outro era a “rede bombista”, em especial o ELP e o MDLP.
Sabemos também que estes sectores comunicavam entre si, o que significa que todos os que integravam aqueles dois sectores são cúmplices dos crimes cometidos pela rede bombista.
7. Um momento importante no processo de divisão,dentro do MFA entre a esquerda militar e o Grupo dos Nove foi o da saída do PS e do PPD do IV Governo Provisório.
Sabemos que Kissinger deu instruções a Carlucci no sentido de pressionar Costa Gomes para que demitisse Vasco Gonçalves, prometendo ajuda económica logo que tal acontecesse.
Sabemos que Carlucci mantinha contactos estreitos com o PS e que instou este partido a sair do IV Governo Provisório.
Sabemos que Carlucci teve reuniões com signatários do Documento dos Nove durante o período da sua elaboração e que teve conhecimento dele antes de ele vir a público (na véspera da demissão do IV Governo Provisório).
Sabemos também qual o princípio orientador da política de Kissinger: quando estão em jogo “questões que são importantes demais para que os eleitores sejam deixados a decidir por si próprio (…), não vejo por que temos de ficar parados a ver um país tornar-se comunista devido à irresponsabilidade do seu povo.”
Em 27.3.1975, Kissinger comentou: “os europeus estabeleceram dois objectivos: garantir a realização de eleições e evitar a tomada do poder pelos comunistas.” Mas logo acrescentou: “acho que podemos conseguir esses dois objectivos e mesmo assim perder o país porque os comunistas governam através do MFA.” E como “não podemos dar-nos ao luxo de perder Portugal, (…) provavelmente temos de atacar, qualquer que seja o resultado, e expulsá-lo da NATO.”
A sua preferência, porém, ia no sentido de “conceder apoio militar ao Grupo dos Nove a partir do Norte de Portugal.”
Carlucci pressionou Costa Gomes no sentido de demitir o V Governo Provisório e de afastar os comunistas do novo Governo, tendo aconselhado os embaixadores da França, do RU e da RFA a fazer o mesmo. Ao mesmo tempo, recomendou a Kissinger que fosse negado a Portugal o acesso à informação privilegiada da NATO, “uma “expulsão de facto da NATO”, que actuaria também como uma “repreensão a Costa Gomes.”
Vasco Gonçalves e Costa Gomes insistiram sempre em que o MFA não queria a guerra civil entre os portugueses. Mas havia quem admitisse “o despoletar inevitável da guerra civil” e havia mesmo quem dissesse (Galvão de Melo, então deputado eleito pelo CDS) que “entre uma guerra civil e um governo comunista, preferia a guerra civil.” Em 27.8.1975, Carlucci diagnosticava que a situação em Portugal tinha “atingido um ponto de possível guerra civilcom origem no Norte”, o que poderia acontecer nos próximos trinta dias.
8. A ‘filosofia golpista’ de Spínola de contra o Portugal de Abril e contra a Aliança Povo-MFA assentava na tese de que uma revolução de raízes comunistas nunca poderia resultar, pela via evolutiva, em estado democrático: era necessário recorrer à violência para destruir as “raízes comunistas” do 25 de Abril e “eliminar totalmente o comunismo em Portugal.”
Gabando-se de ter “cem mil homens na clandestinidade”, com mercenários de várias nacionalidades, Spínola pediu muitas armas sofisticadas, nomeadamente “armas destinadas ao uso contra população civil, operários em greve, manifestantes, trabalhadores de cooperativas que se recusassem a devolver as suas terras.” Um Pinochet de monóculo!
E um spinolista tão destacado como o general Carlos Azevedo (que o Presidente Mário Soares escolheu para Chefe da sua Casa Militar) justificou as acções terroristas contra o “gonçalvismo marxista-leninista” como “um mal necessário e inevitável, tal como uma cura dolorosa numa situação de doença”: elas tiveram o mérito de semear a insegurança entre as hostes filo-comunistas e prepararam o terreno para uma actuação política posterior que acabou por derrubar Vasco Gonçalves, actuação em que também o Dr. Mário Soares teve um papel preponderante, levando atrás de si elementos de todas as formações partidárias verdadeiramente democráticas.”
9. Antes do 25 de Novembro, 123 oficiais paraquedistas abandonaram Tancos e deslocaram-se para a base da NATO em Cortegaça; vários aviões foram transferidos para São Jacinto e Cortegaça; 500 paraquedistas regressados de Angola, comandados por um oficial spinolista, foram directamente para o Norte; os emissores da Rádio Renascença foram destruídos à bomba; responsáveis militares distribuíram armas a civis; dois membros do Conselho da Revolução mantiveram contactos com os grupos terroristas.
Hoje, elementos destacados do Grupo dos Nove dizem que não concordaram com nenhuma destas acções, abertamente conspirativas e contra-revolucionárias. Mas, na altura, não denunciaram nem se demarcaram delas. E o Comandante da Região Militar Centro (membro destacado do Grupo dos Nove) aceitou acolher sob seu comando vários oficias que tinham ‘desertado’ da Região Militar Norte.
Melo Antunes reconheceu que, antes da publicação do Documento dos Nove, já tinham colocado no Comando das Regiões Militares homens da sua confiança; que o Documento foi “um acto de subversão, absolutamente condenável do ponto de vista da ética militar”; que, nessa altura, o seu Grupo estava numa confrontação com a esquerda militar (então considerada o “inimigo principal”) e que, para obter a supremacia militar, tinham uma organização militar em marchae tinham recorrido a acções semi-legais e clandestinas (“os fins justificavam os meios”).
Os principais responsáveis do Grupo dos Nove sabiam que atrás deles “estava acobertada toda a direita e extrema-direita (…), o grupo saudosista do 24 de Abril, que queria sangue, muito sangue.”
Sabiam que o grupo militar por eles organizado “tinha outras ligações que não ao Grupo dos Nove.”
Sabiam que a concentração de paraquedistas e outras forças no Norte “escondia uma operação política de enorme envergadura, cujo objectivo era o aniquilamento do 25 de Abril.”
Sabiam que, com o objectivo de “suspender as actividades da Assembleia Constituinte e evitar a independência de Angola”, a direita estava a preparar um golpe militar liderado por Spínola, “implicando sectores ‘radicais’ da Igreja Católica, o MDLP, militares do 24 de Abril e contando com a intrigante cumplicidade de dirigentes partidários.”
O Gen. Pezarat Correia não diz quais os partidos nem quais os dirigentes…, mas o uso do adjectivo intrigante para qualificar a cumplicidade dos ditos dirigentes parece indiciar que não era apenas gente (e partidos) da extrema-direita ou da direita.
Melo Antunes disse que, em 7.8.1975, ainda acreditava ser possível implantar em Portugal uma sociedade socialista. E sabia muito bem que este projecto nunca seria viável sem a unidade do MFA, sem o concurso da “esquerda militar” e sem a colaboração do PCP.
A esta luz, custa a compreender que o Grupo dos Nove visse na esquerda militar o seu inimigo principal. Como se chegou a este ponto? Apetece-me dizer que não acredito em bruxas, pero que las hay, hay. E a CIA existe e é competente naquilo que faz.
10. Antes de 25 de Novembro, Mário Soares informou Callaghan de que “ia produzir-se um golpe comunista e que era preciso contra-atacar.” Desta conversa nasceu o chamado Plano Callaghan, que teve a concordância da CIA.
Este plano garantia o fornecimento de combustível e de armas, caso fosse necessário. Previa o fornecimento de armas ao PS e apoios financeiros e apoios logísticos (incluindo apoio logístico aeronaval aos militares anti-comunistas e às forças democráticas lideradas pelo Partido Socialista). “Depois de identificadas a forças civis e militares anti-comunistas – escreve Rui Mateus –, a CIA e o MI6 no seu conjunto lançariam elas próprias uma série de operações clandestinas. (…) Seriam utilizados meios aéreos e marítimos para abastecimento e manutenção da resistência portuguesa na zona Norte do País e efectuados raides aéreos para imobilizar as posições comunistas na zona de Lisboa.”
Melo Antunes sabia do que falava quando disse que o PS e Mário Soares se tinham aliado a Spínola e que, por ocasião do 25 de Novembro, “em nome de uma certa ideia da esquerda, (…) se aliaram ao que de pior havia nas Forças Armadas”, de tal modo que o ELP e o MDLP se tornaram os “aliados militares preferenciais do PS.”
E Miguel Carvalho é claro na afirmação de que “o PS teve um envolvimento muito grande com a rede bombista e com os seus objectivos. Achou, a determinada altura, que valia tudo para combater o PCP e isso significou, em certo momento, uma cumplicidade com o radicalismo de direita.” E diz mais: “a cumplicidade do PS com aquilo que foi a rede bombista está por escrever.”
Vasco Lourenço garantiu que o Grupo dos Nove nunca autorizou a distribuição de armas a civis. Mas hoje sabemos que Ramalho Eanes promoveu a distribuição de armamento a civis do PS e que essa distribuição “andaria a ser negociada com elementos da rede bombista” (algumas dessas armas foram depois encontradas no carro de um terrorista).
Quem manipulou Eanes? E quem manipulou Vítor Alves, que admitiu ter mostrado o Documento dos Nove a Carlucci antes de ele vir a público e que manteve contactos com alguns dos responsáveis do MDLP? Quem manipulou Canto e Castro, considerado “uma espécie de placa giratória da aliança da direita contra-revolucionária”), com ligações a vários grupos terroristas e a sectores da Igreja ligados às acções dos grupos terroristas?
11. Antes de terminar, permitam-me umas breves notas mais.
- as acções contra-revolucionárias (incluindo as acções terroristas) não cessaram com a saída de Vasco Gonçalves do Governo nem com o 25 de Novembro. Mas os acontecimentos deste dia (preparados ao pormenor por especialistas na matéria) foram o ponto alto da luta da direita e do imperialismo contra a Revolução de Abril.
- Segundo o próprio Carlucci, a acção dos paraquedistas “resultou, em primeira instância, da posição de Morais da Silva, aquando da emergência da indisciplina a seguir à acção de destruição dos emissores da Rádio Renascença”, admitindo ele que o mal-estar entre os paraquedistas foi “aproveitado pelas forças da extrema-esquerda, com ou sem o apoio do PCP.”
- A CIA reconheceu não estar provado que o PCP tivesse “alguma vez encorajado os golpistas a acreditar que podiam contar com o seu apoio” e admite que o PCP pode “não ter desempenhado um papel directo nas operações.” Apesar disso – está na sua natureza…– diz que o PCP foi o “autor moral” da acção dos paraquedistas.
- Apesar de tudo o que então se passou, creio que, hoje, os militares de Abril que pertenceram ao Grupo dos Nove entendem que a acção dos paraquedistas no dia 25 de Novembro de 1975 foi uma acção de desespero, de resposta às provocações do Chefe de Estado Maior da Força Aérea. Não quero comprometê-los, é apenas a minha opinião.
- O General Pezarat Correia diz que, logo no dia 25 de Novembro de 1975, chegou à conclusão de que “o Partido Comunista era alheio aos acontecimentos e às acções militares daquele dia.”
- Costa Gomes defendeu também que, “no 25 de Novembro, ao contrário do que alguns afirmam, o Partido Comunista teve uma actuação muito cordata (…), sem forçar qualquer acção militar.”
- Melo Antunes acabou por reconhecer que “Álvaro Cunhal acabou por fazer tudo o que pôde para evitar que o confronto se transformasse em guerra civil.”
- Os ‘negócios’ à volta da rede bombista “interessavam a muita gente.” Por isso a investigação dos seus crimes foi boicotada ao mais alto nível e o julgamento dos terroristas foi “uma farsa judicial (tudo foi preparado para uma absolvição total).”
- Durante o julgamento, em pleno tribunal, o Dr. Levy Baptista disse que, se a investigação tivesse podido avançar, “teria chegado à Embaixada dos EUA, aos serviços secretos norte-americanos. Aí, exactamente, teria chegado à CIA.”
12. Para terminar. Em 2021, a propósito do centenário do PCP, o general Pezarat Correia escreveu: “Junto a minha voz à de muitos outros que assinalam os 100 anos do PCP. Pelo seu passado de luta, foi percursor do 25 de Abril. Depois, foi um dos partidos fundadores do regime democrático. Nunca tive nem terei qualquer ligação partidária e já discordei do PCP. Hoje, como ontem, continuo a considerá-lo indispensável no processo democrático. É credor do meu respeito.”
Já não temos a Aliança Povo-MFA, mas o espírito de Abril está vivo.