A acção da contra-revolução começou cedo. A Revolução de Abril nascia e nos seus alvores, logo nas primeiras horas, a contra-revolução já agia para lhe cortar o passo.
Foram várias as tentativas de golpe e os golpes desferidos pela contra-revolução.
Primeiro, visando impor um poder absoluto nas mãos de um só homem, com o claro objectivo de, por um lado, assegurar que os interesses dominantes, sustentáculos do regime fascista, permanecessem intocáveis, condicionar e limitar o processo de democratização da sociedade portuguesa.
E, por outro, travar a descolonização, em nome de um projecto neocolonial antecipadamente afirmado, por António de Spínola.
No início agindo a partir de órgãos de poder provisórios, onde estavam presentes forças com interesses e objectivos contraditórios, fazendo uso de todos os métodos e instrumentos, do golpe palaciano, logo em Julho de 1974 – o golpe Palma Carlos -, ao típico golpe militar como aconteceu em 11 de Março de 1975, passando pela acção terrorista, pela difusão da mentira, da calúnia contra as forças democráticas mais consequentes e progressistas - políticas e militares -, mas também pela assumpção de uma postura dúplice, que proclamava o contrário do que pensava e pretendia.
Duplicidade que é marca das forças políticas da contra-revolução no processo libertador e emancipador de Abril. Do todos pelo socialismo, a pensar no seu contrário, para, iludindo o povo, servir os mesmos interesses que condenaram Portugal à condição de país mais atrasado da Europa. Assim foi com o PS, PSD e com o CDS.
Tem sido, tal como é ainda hoje, grande o esforço das classes e forças políticas dominantes para reescrever a história, moldando-a com falsificações e deturpações às conveniências dos beneficiários e protagonistas da contra-revolução.
Nesse reescrever da história, como se vai vendo, está o apagar e colocar na sombra o que mais caracterizou Abril: – o papel e a acção colectiva transformadora das massas populares e dos militares progressistas vertida na fecunda aliança Povo/MFA; uma sistemática linha de reabilitação, e até de exaltação, de quem conspirou contra a Revolução; o falsear de papéis e responsabilidades que pretendem não só explicar, mas justificar décadas de política de direita e a grave situação em que o País se encontra; o esforço de branqueamento da natureza terrorista da ditadura.
E está também o esconder e falsificar, o papel ímpar do PCP na resistência à ditadura fascista, na criação de condições para a Revolução de Abril, no seu desenvolvimento e na defesa das suas conquistas e no processo de democratização do País.
A Revolução de Abril iniciada com o acto vitorioso do Movimento das Forças Armadas deixou marcas inapagáveis na realidade do país que se traduziram em importantes direitos políticos, económicos e sociais que aqui já vieram e na projecção de um País mais justo e democrático.
O período de ascenso revolucionário de 1974-75 foi, sem dúvida, o de uma poderosa afirmação do movimento popular de massas impulsionando conquistas, mas também fazendo frente a todas as manobras contra-revolucionárias, com as diversas tentativas para a tomada do poder.
Não pelos comunistas, como por aí põem a correr os seus detractores, mas por aqueles que, não olhando a meios para atingir os fins, queriam o afastamento dos comunistas e travar e impedir a transformação democrática da sociedade portuguesa.
Tenhamos presente que neste processo o MFA tinha uma composição heterogénea que se reflectiu sempre em momentos capitais do período revolucionário.
O capital monopolista e os agrários não perderam de imediato todos os instrumentos de dominação. Nos Governos Provisórios estavam forças hostis e com projectos incompatíveis em relação a objectivos fundamentais da Revolução. Os fortes apoios e incitamentos externos ao PS, ao PPD, ao CDS e a todas as forças reaccionárias e conservadoras que se opunham ao curso da revolução democrática, constituíram um importante elemento para o desenvolvimento das conspirações e o desencadeamento do processo contra-revolucionário.
Isso ficou cada vez mais patente, a partir da derrota do golpe contra-revolucionário de 11 de Março.
Derrota que criou uma situação nova, dando um decisivo impulso ao processo revolucionário, nomeadamente com a institucionalização do MFA, a criação do Conselho da Revolução e a nacionalização da Banca e dos Seguros.
Marcante será a acção do PS após as eleições de Abril para a Assembleia Constituinte, que passa a assumir claramente a liderança de oposição à evolução do processo de transformações e de liquidação do capital monopolista, este há muito empenhado na desestabilização e sabotagem da situação económica e social do País.
A saída do PS do governo provisório em Julho de 1975, arrastando consigo o PSD, foi uma acção deliberada, com o objectivo de dividir o movimento popular, as forças progressistas, o MFA e criar uma profunda crise político-militar, como a que acabou por se instalar, pondo termo aos governos de coligação e forçar a saída dos comunistas do governo.
O desencadear, acto contínuo, das acções terroristas e bombistas, visando as forças políticas progressistas, particularmente o PCP, inseriram-se nesse propósito, com o objectivo de inverter o processo democrático aberto pela Revolução.
Não é rasurável o papel desenvolvido pelo PCP na procura de uma solução política para a crise político-militar que se agudizava a cada dia que passava, num esforço continuado, onde estão presentes propostas de encontros bilaterais e multilaterais das principais forças e sectores que podiam encontrar uma solução.
Assistiu-se contudo, à continuação do agudizar do conflito e ao encontrar de pretextos para acentuar divisões. Uma crise que exigia também um esforço de reaproximação e entendimento entre os vários sectores do MFA.
O 25 de Novembro de 1975 culminou este período com um golpe militar da direita aliada aos denominados «moderados» de que resultou a derrota da esquerda militar, a dissolução efectiva do MFA e, por esta forma, a perda da componente militar da revolução.
Este golpe, significou um grave retrocesso que só não foi fatal para o próprio regime democrático, como afirmou Álvaro Cunhal, graças à justa posição do PCP na procura de uma solução política para a crise e, igualmente, aos esforços de importantes figuras militares que, a tempo, tomaram consciência desse perigo.
Uma nova correlação de forças foi criada abrindo caminho à acção e formação de governos com uma política contra-revolucionária de recuperação capitalista e restauração monopolista que, à vez e em estilo estafeta, avançou passo a passo, ora pelas mão dos governos do PS, ora pelos do PPD, um e outro tendo como apoio o CDS.
Debilitada uma componente do motor da Revolução, é por acção das massas populares que se avança ainda e se assegura a transformação democrática da sociedade, apesar de todas as tentativas das forças da contra-revolução para entravar e adiar a elaboração da Constituição e tornar a Assembleia Constituinte um órgão de conspiração e desestabilização.
Apesar da situação desfavorável criada, existiram forças para aprovar a Constituição. Aprovada em 2 de Abril de 1976 converteu em princípios fundamentais o essencial das grandes conquistas democráticas alcançadas pelo povo e pelas forças revolucionárias.
De facto, a Constituição de 1976 é o retrato da Revolução. Nela ficou inscrita a identidade da Revolução de Abril, das suas conquistas e das suas aspirações de progresso, democracia, desenvolvimento e soberania.
As suas conquistas correspondiam de tal forma às necessidades e aspirações populares, que todos diziam defendê-las, incluindo aqueles que assumindo a sua postura dúplice não tardariam a agir não só para as aniquilar e adulterar, como para a subverter. Constituição que constituiu, desde a sua aprovação, uma trincheira de Abril, um poderoso obstáculo à política de recuperação capitalista e, por isso, um alvo preferencial da contra-revolução.
Foram sete as revisões levadas a cabo que resultaram em retrocesso quer na organização política, nos direitos económicos e sociais, quer em matéria de direitos, liberdades e garantias, tendo como pano de fundo a concretização do objectivo estratégico da restauração do capital monopolista, patente na alteração da irreversibilidade das nacionalizações e do «princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos» e na eliminação da referência à Reforma Agrária.
Objectivo para o qual «desempenhou importante papel a entrada de Portugal na então CEE e a subordinação dos interesses nacionais, aos interesses e imposições dos países mais poderosos.
A vida mostra-nos que a Constituição apesar de mutilada, permanece um texto fundamental de referência e com conteúdo progressista, mantendo-se como o garante de muitos direitos e conserva um programa de desenvolvimento e de democracia plena nas suas vertentes política, social, económica e cultural que se impõe fazer cumprir.
Os ideólogos do capitalismo procuram fazer crer que o domínio do grande capital e a liquidação de direitos dos trabalhadores é consentâneo e até garantia de uma democracia política. A realidade nacional, comprova que um sistema de negação da democracia económica e social implica, pela sua natureza, graves limitações à democracia política.
Na vertente económica, a ofensiva que se tem vindo a desenvolver ao serviço dos grandes grupos económicos, visam a veloz centralização e acumulação do capital com relevo para operações e meios especulativos e fraudulentos, protegendo e promovendo a corrupção, declinando crescentemente as obrigações sociais do Estado com a privatização de tudo quanto é nicho de negócio, aumentando a distância entre um pólo de riqueza e da sua ostentação e uma zona crescente de pobreza, miséria e marginalização.
Na vertente social, impondo a baixa dos salários, a precarização do trabalho, a manutenção de baixas pensões e reformas, a liquidação de direitos e benefícios sociais, a privatização e a degradação dos serviços de saúde e do ensino, a habitação inacessível, as discriminações das mulheres e o desprezo efectivo pela solução dos problemas e pelo futuro da juventude.
Na vertente cultural, ressuscitando e difundindo valores retrógrados e reaccionários, realizando uma política de clientelismo na atitude do Estado em relação às artes, à ciência e à vida cultural em geral e obstaculizando o acesso ao ensino superior.
Na vertente política, desrespeitando a Constituição e a legalidade, absolutizando o poder político através da sua governamentalização, iludindo os mecanismos de fiscalização da acção governativa, criando acrescidas limitações aos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos, promovendo um processo de concentração dos grandes meios de comunicação social e não garantindo o pluralismo, e procurando formas várias de eternizar no poder as forças políticas ao seu serviço.
A realidade de anos e anos de política de direita foi a progressiva destruição do aparelho produtivo (na agricultura, na indústria, nas pescas).
Sacrificam-se, comprometem-se e entregam-se ao capital estrangeiro empresas e sectores básicos estratégicos e recursos e potencialidades materiais e humanas.
São cada vez mais graves as limitações à independência e soberania nacionais pela aceitação servil e capitulacionista, através da aceitação e da imposição a Portugal pelos países mais desenvolvidos da UE de decisões supranacionais contrárias a interesses vitais Portugueses, bem como pelo seguidismo acéfalo em relação à NATO.
Tanto a revolução de Abril como o processo contra-revolucionário posterior constituem uma experiência de extraordinário valor como comprovação viva e evidente da natureza inseparável das quatro vertentes da democracia — a político, a económica, a social e a cultural — às quais se pode juntar uma quinta vertente: a nacional.
Desde o desencadeamento do processo contra-revolucionário , a realidade mostrou que o avanço da ofensiva no domínio económico para reestruturação e restauração dos grupos monopolistas , caminhou par a par, contra a democracia social e política. Interligadas e inseparáveis, atacada a vertente económica, como foi atacada, seguiram todas as outras. As alterações negativas de leis laborais, restrições à liberdade sindical, direitos sociais diminuídos. As limitações às liberdades e direitos dos cidadãos, com a liquidação e crescentes constrangimentos das formas de democracia participativa.
Com a governamentalização do poder e o desrespeito pela autonomia do Poder Local Democrático. Com a aceleração do processo de reconfiguração do Estado e do desmantelamento da administração pública inseparável dos interesses do capital monopolista.
A política ao serviço dos interesses do grande capital só é possível com graves limitações, desvirtuações, distorções e perversões da democracia política em muitas das suas componentes essenciais e uma crescente subordinação do poder político aos interesses do grande capital.
De facto, a política de direita desenvolvida ora pelo PSD, ora pelo PS, e que hoje conta, no que é essencial para a defesa dos interesses do grande capital monopolista, com a IL e Chega, tem sido uma política de subserviência face a esses interesses.
Sabemos que o período histórico da contra-revolução ainda não acabou.
Mas sabemos também, que o alcance das conquistas foi tão vasto e de tal forma transformador que, apesar de décadas de política de direita, estão ainda presentes na Constituição, nos valores e aspirações do povo português, como elementos incontornáveis ligados ao maior período libertador da Revolução.
Abril é Mais Futuro! Por ele lutamos.
Disse.