Camaradas e amigos
Desde a extinção da Comissão Nacional dos Direitos da Criança que não existe no nosso país um espaço institucional próprio sobre a situação das crianças. Tem tido, por isso, importância acrescida todas as iniciativas que o PCP tem realizado sobre este tema e a decisão da realização deste debate.
Indo ao tema que nos traz aqui, acho que podemos afirmar com toda a clareza:
– Não é possível falar dos direitos das crianças, sem falar dos direitos dos pais e das famílias.
– Não é possível isolar as crianças das famílias.
– As crianças não são ilhas e as famílias não são arquipélagos.
E se discutimos o direito ao «desenvolvimento físico, mental e social», o direito à alimentação, habitação, educação e cuidados de saúde, somos obrigados a discutir as condições (ou a ausência delas) que as famílias têm para os assegurar.
Gostaria, por isso, de me centrar na dimensão sobre o emprego e a realidade do mundo laboral. Existem três matérias centrais para qualquer reflexão sobre os direitos das crianças e das famílias:
1 – Os rendimentos;
2 – O tempo;
3 – O espaço.
Os rendimentos, porque não podemos ignorar que em Portugal cerca de 700 mil trabalhadores aufere o salário mínimo nacional; um terço dos pobres são trabalhadores que mesmo auferindo rendimentos de trabalho estes não lhes permitem sair de uma situação de pobreza; e que o risco de pobreza aumenta significativamente nas famílias com crianças.
Não será pouco importante recordar que um casal que aufira o salário mínimo nacional cada um e que tenha um filho, esta criança fica excluída de apoio de acção social escolar.
O tempo porque os horários de trabalho, o seu aumento e desregulação, significam sempre, mas sempre, um prejuízo para as crianças, para as condições do seu acompanhamento, mas também significam um nível de cansaço e exaustão que tem obviamente impacto na qualidade do pouco tempo que partilham em família.
Não há dúvida que as crianças só passarão menos tempo armazenadas em creches e escolas ditas a tempo inteiro quando os pais trabalharem menos horas.
Não adianta grande coisa ficarmos escandalizados com o número de horas que as crianças passam em creches e escolas e nada fazer sobre a redução do horário de trabalho dos pais.
Passados mais de 130 anos do primeiro 1.º de Maio já será bem a hora de reduzir a jornada de trabalho para as 35 horas semanais para todos os trabalhadores e com isso melhorar as condições de vida das famílias e os direitos das crianças.
Por fim, o espaço. Porque a incerteza e a instabilidade laboral dos pais tem impactos brutais na vida dos filhos.
A precariedade do emprego, é a precariedade da vida, das famílias, do perfil produtivo do país, mas é também, e não o podemos desvalorizar, a intermitência dos afectos e das rotinas. Rotinas tão importantes na estabilidade emocional dos pais e das crianças.
Na verdade, para cumprir os direitos das crianças, não há como passar ao lado das matérias dos salários, dos horários e da estabilidade do emprego.
Uma referência apenas a todas as mulheres e homens, embora a esmagadora maioria sejam mulheres, que trabalham em escolas e IPSS cuidando de crianças e auferindo o salário mínimo nacional, mas desempenhando um trabalho com um valor social tão importante. São auxiliares de acção educativa, hoje mal chamados assistentes operacionais, mas poderíamos falar também dos técnicos especializados e dos educadores de infância e professores.
Hoje, pelas piores e infelizes razões, os direitos de maternidade e paternidade continuam a marcar o dia-a-dia nos locais de trabalho. A violação, negação e ameaça sobre estes direitos é escandalosamente actual.
Alguns exemplos:
– O Hospital dos Lusíadas recusa assegurar o direito à redução do horário para aleitamento e amamentação;
– Vários hospitais públicos (Santa Maria e Setúbal) negavam direitos de maternidade e paternidade (redução de horário para aleitamento e amamentação, acompanhamento a filho menor) por falta de enfermeiros que assegurassem a prestação de cuidados de saúde. Ou seja, em vez de se exigir a contratação, negam-se direitos fundamentais.
– A CITE analisou pareceres a partir do conceito «deferido» ou «indeferido» o pedido do trabalhador para horário flexível e ignora a proposta da entidade patronal sobre se é ou não o horário requerido pelo trabalhador (no sector dos supermercados e distribuição).
– Um vigilante, família monoparental, de uma repartição de Finanças a quem a empresa instaura um processo disciplinar com vista ao despedimento porque, tendo requerido horário flexível e não tendo tido resposta, gozou esse horário e agora sofre repressão e assédio.
– O despedimento, a não renovação de contrato às trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, a negação da redução de horário para aleitamento e amamentação, assim como para a atribuição de horário flexível para acompanhamento a filho menor em famílias monoparentais.
Em pleno século XXI, o patronato continua a ter uma visão e prática absolutamente retrógrada sobre a maternidade e paternidade como, de resto, sobre o trabalho em geral.
Maternidade e paternidade são sempre, mas sempre, vistas como «menor disponibilidade» e «obstáculos» à disponibilidade dos trabalhadores.
Chegamos mesmo ao ponto de uma Confederação Patronal defender o não pagamento do subsídio de assiduidade aos pais e mães que gozaram licença e direitos de maternidade.
O PCP tem diversas propostas de redução do horário de trabalho, de combate à precariedade, de reforço dos direitos de maternidade e paternidade.
Esta é um combate do PCP, dos trabalhadores e de todos os democratas que lutam por um país de progresso e justiça social em que as crianças e as famílias tenham os seus direitos na lei e na vida.