Intervenção de Miguel Madeira, Membro do Comité Central do PCP, Sessão Pública «As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País»

As nacionalizações foram um acto patriótico de resposta às manobras dos grupos económicos

As nacionalizações foram um acto patriótico de resposta às manobras dos grupos económicos

Camaradas e amigos

Ao longo dos anos e também no momento presente, na batalha ideológica que constitui a avaliação dos factos e o esclarecimento sobre o curso do processo revolucionário, a burguesia destila ódio de classe sobre as nacionalizações, o controlo operário, e a reforma agrária, ocultando que estes se impuseram como a resposta necessária à defesa da Revolução, da democracia, e das liberdades alcançadas, e corresponderam às aspirações populares de criação de um novo modelo de desenvolvimento.

Para além da extraordinária importância e significado da Reforma Agrária, que alterou radicalmente as relações sociais nos campos do Alentejo e Ribatejo, respondendo, desta forma, à necessidade objectiva de proteger a Revolução da violenta reacção dos latifundiários, que viam escapar-se-lhes o poder que haviam conservado durante a ditadura fascista, foquemo-nos hoje noutras duas conquistas fundamentais dos trabalhadores - o controlo operário e as nacionalizações.

O controlo operário, apesar de exercido desde os primeiros tempos após o 25 de Abril, manifesta-se inicialmente pelo saneamento do grande patronato fascista e dos seus agentes directos. A intervenção dos trabalhadores não pôde, porém, limitar-se aos saneamentos. Teve logo de alargar o seu âmbito para responder à sabotagem económica e às ofensivas do patronato reaccionário contra os direitos dos trabalhadores, consolidando-se, pouco a pouco, em virtude do abandono de empresas pelos patrões, da fuga destes para o estrangeiro, de situações de insolvência ou evidente falência técnica, de desvios e transferências de fundos, de fraudes contabilísticas, da retirada de máquinas e equipamentos, do não aproveitamento de matérias-primas, do esgotamento de stocks, da não aceitação ou do cancelamento de encomendas, do desinteresse na busca de mercados, da degradação económica e financeira e do risco próximo do encerramento das empresas.

Foi, na verdade, uma luta corajosa, tenaz, por vezes heróica, de alto e positivo significado político, social, económico e moral sem a qual a democracia portuguesa não teria tido vida longa, quer tenha sido exercida em colaboração com as administrações privadas ou nomeadas pelo Estado, quer tenha obrigado à constituição de cooperativas e, portanto, à passagem à autogestão, quer tenha ainda motivado a assunção de funções de gestão fruto da realidade imposta. Em todo o percurso e nas mais variadas experiências concretas, revelou-se, a par do espírito de organização, da coragem e combatividade, o poderoso espírito criador da classe operária e das massas trabalhadoras.

Ficará para a história do movimento operário e sindical português o papel desempenhado pelos trabalhadores bancários no processo de nacionalizações em geral e da Banca em particular: saneando, logo após o 25 de Abril, administradores comprometidos com o fascismo; velando pelo cumprimento das primeiras medidas dos governos provisórios; desmascarando exportações ilegais de capital, desvios de fundos, ajudas a partidos fascistas e reacionários; instituindo, após o 28 de Setembro, um efectivo controle dos bancos. A assembleia geral de 3 de Janeiro de 1975 em que 5000 bancários decidiram pedir ao governo «medidas no sentido da nacionalização da banca» desempenhou um papel particularmente importante em todo o processo. A 14 de Janeiro, na manifestação de 300 mil trabalhadores pela unicidade sindical, é novamente reclamada a nacionalização. Exigências também afirmadas em intensas mobilizações e acções de massas de trabalhadores nos seguros, na CUF, na CP, na Siderurgia Nacional, no Metropolitano, no sector petrolífero, entre outros, inserindo essa reclamação nas lutas por objectivos imediatos e contribuindo poderosamente para concretizar a «estratégia antimonopolista» consagrada no Programa do MFA.

Aliás, bem antes dos decretos revolucionários correspondentes às nacionalizações, já os trabalhadores, com as suas comissões de trabalhadores e sindicatos impunham, na prática, as maiores restrições aos movimentos e iniciativa do patronato, quando não assumiam eles próprios o controlo dos processos. Sem esta pressão fortíssima da “base”, que foi uma das características mais marcantes da revolução portuguesa (que teve como grande limitação nunca ter tido um governo realmente revolucionário), não teriam sido possíveis decisões tão avançadas como as tomadas pelo Conselho da Revolução a 14 de Março de 1975 e posteriormente.

As nacionalizações, como aliás a reforma agrária e outras medidas revolucionárias, resultaram de um muito concreto processo de acirradíssima luta de classes, emanaram naturalmente do terreno fértil do próprio processo libertador e das correspondentes exigências históricas de liberdade, progresso social e paz. Os trabalhadores confiavam no Partido e a classe operária aceitava naturalmente a sua direcção de vanguarda; mas isso só foi possível porque a própria dinâmica do movimento e a experiência das massas em luta por uma vida melhor coincidia nas suas traves-mestras com o Programa e a linha política do PCP.

Neste processo importa destacar os sindicatos e a Intersindical, que desempenharam um papel de extraordinário relevo na defesa da Revolução e no avanço do processo democrático. A liberdade sindical e os direitos sindicais foram conquistados nos primeiros dias.  O movimento sindical não precisava de autorização para se formar. Tinha-se já formado no tempo do fascismo através da luta revolucionária dos trabalhadores. E desempenhou um papel insubstituível, com as suas poderosas organizações, a experiência dos seus quadros, a íntima ligação com as massas, a grande capacidade mobilizadora.

As nacionalizações foram um acto patriótico de resposta às manobras dos grupos económicos que pretendiam aniquilar o regime democrático. Um acto de construção de um instrumento capaz de suportar as necessidades de um desenvolvimento ao serviço de uma justa distribuição de riqueza e de elevação das condições de vida do povo e não, como os promotores da restauração monopolista afirmam, um acto voluntarista, um excesso ou uma importação de outras paragens.

As nacionalizações aparecem como resultado do processo revolucionário, e foram uma inapagável realização de Abril. Permitiram não apenas liquidar os monopólios – que com os latifúndios constituíam a base de sustentação do fascismo – mas também criar uma sólida alavanca de desenvolvimento económico do país.

Este forte Sector Empresarial do Estado, a par das centenas de empresas intervencionadas, de capitais públicos ou participadas, gerou potencialidades para atacar grandes carências, criou milhares de postos de trabalho e, mesmo agredido, visando a sua liquidação, permitiu a racionalização dos recursos existentes no interesse do progresso e da melhoria das condições de vida, não apenas dos trabalhadores dessas empresas, mas da maioria da população.

Volvidos cinquenta anos importa sublinhar, como consta da Resolução do Comité Central do PCP sobre o 50.º Aniversário da Revolução «Abril é mais futuro» que “A profundidade das transformações revolucionárias concretizadas, e a correspondência das conquistas democráticas delas resultantes com os anseios, necessidades e aspirações do povo português, estão na base do extraordinário progresso da sociedade portuguesa alcançado com a Revolução de Abril, cujas realizações e conquistas são ainda hoje referências e valores essenciais.

As consequências da política de direita que nas últimas décadas serviu a restauração capitalista demonstram bem que a existência de um sector público forte e capaz de retirar o País do declínio, dos défices estruturais e da dependência estrangeira, mantém-se com aguda actualidade.

Daí que “Hoje fica ainda mais claro que é na defesa e afirmação dos valores de Abril e no cumprimento da Constituição da República, na concretização dos seus objectivos, valores, projecto de desenvolvimento nacional e emancipação individual e colectiva que reside a possibilidade real de um Portugal com futuro.

Ao processo de recuperação capitalista e à acção antidemocrática da política de direita contrapõe-se a luta de massas, que demonstra historicamente a sua força para lhe resistir e avançar.”, sublinhou recentemente o XXII Congresso do PCP, apontando que “A intensificação e alargamento da luta é, por isso, uma questão central do nosso tempo. É indispensável para derrotar os objectivos mais imediatos do grande capital e condição necessária para resistir à limitação de liberdades, direitos e garantias e abrir caminho a um outro rumo para o País.

A luta continua!

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Central
  • 25 de Abril
  • conquistas de abril
  • Economia
  • nacionalizações
  • Revolução
  • Revolução 25 de Abril de 1974