Intervenção de Agostinho Lopes, Membro da Comissão Central do Controlo do PCP, Sessão Pública «As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País»

Intervenção de Agostinho Lopes

Intervenção de Agostinho Lopes

1.

Com esta iniciativa comemoramos os 50 anos de uma das mais importantes conquistas, a par da Reforma Agrária, da Revolução de Abril: as nacionalizações, na semana em que se fizeram 50 anos da derrota do Golpe Contra-revolucionário do 11 de março. Ontem mesmo, dia 14 de Março, comemoraram-se os 50 anos da nacionalização do sector bancário decretados pelo Conselho da Revolução, constituído após a derrota do 11 de Março e as decisões da Assembleia do MFA. Na véspera milhares de trabalhadores bancários tinham saído à rua, com essa exigência para acabar com a «sabotagem económica» e travar a «fuga de capitais para o estrangeiro».

Um decisão patriótica, que prosseguiu em Março e Abril com a nacionalização de outras importantes empresas estratégicas. Um golpe de morte no poder dos grupos monopolistas que tinham sido esteio fundamental da Ditadura fascista, e após o 25 de Abril se transformaram no vector principal da conspiração contra Abril.

Hoje, uma tese central da política de direita do PS e PSD e c.ia, absolutamente dominante nos medias dominantes, é que as nacionalizações após o 11 de Março, foi um golpe oportunista do PCP, um mostrengo ideológico do PCP, imposto aos ingénuos dos outros actores militares e políticos, e ao arrepio das «clarividentes» e académicas opiniões de PS e PSD e das esclarecidas elites da «Europa civilizada». Estas ideias permanecem e até, à medida que os acontecimentos se afastam, tendem a incrustarem-se mais profundamente nas narrativas que se querem ou dizem históricas. Julgo que precisamos de continuar a desmontar esta ficção. Basta ver como uma mesma Revista (Visão) com dez anos de intervalo descreve os mesmos acontecimentos: em 2015 haviam as «circunstâncias» que «ditaram a intervenção do Estado em 1975». Em 2025: «o Conselho da Revolução era a «A nave dos loucos» e «Por pouco, nem a Caixa Geral do Depósitos (CGD) escapava à fúria estatizante»!

O PCP há muito tinha inscrito no seu Programa «a liquidação do poder dos monopólios (...) um objectivo central da revolução democrática e nacional». E ao longo dos meses que vão de Abril de 74 a Março de 75, inclusive no VII Congresso, reclamava as «nacionalizações» como absolutamente necessárias para responder aos problemas que o país enfrentava, e também às conspiratas do grande capital monopolista. Mas também é sabido que quer o MFA, quer o PS e o PSD inscreviam nos seus documentos programáticos políticas antimonopolistas. Mais estranho ainda, é que PS e PSD estiveram a partir de Abril de 1975 a Abril de 1976, numa Assembleia Constituinte que aprovou uma CRP, que votaram favorávelmente, incluindo o nº1 do artº 83º «Todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1975 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.» E Mário Soares destacou-se na frente da Manifestação dos bancários de regozijo pela nacionalização da Banca e Seguros!

O que poderemos dizer de políticos que vieram muitos anos depois confessar que assim tinham procedido, para não perderem o comboio… De facto Mário Soares que esteve presente também na manifestação da noite de 11 de Março de apoio à derrota do Golpe anos depois afirmava «Não podia permitir que o PS perdesse o comboio». Acrescente-se e registe-se ainda, que as nacionalizações feitas, pese o contexto revolucionário e a natureza do poder político no país quando foram feitas, não era em si mesma nada de extraordinariamente muito radical, muito afastado da situação dos sectores empresariais públicos noutros países da Europa capitalista.

2.

As nacionalizações obra maior da Revolução de Abril criaram no enquadramento económico e social da Constituição da República aprovada um ano depois a 2 de Abril de 1976 um chão sólido e fecundo para vencer as mazelas herdadas da ditadura e assegurar o desenvolvimento do país num regime de liberdade e democracia no caminho para o socialismo. Naturalmente com o prejuízo da grande burguesia nacional, dos grupos económicos monopolistas e latifundiários, do capital estrangeiro e do imperialismo, que tinham sido o sustentáculo do fascismo e seus beneficiários directos e indirectos.

E foi isto que lhes estragou a festa e que determinou todas as operações, manipulações e iniciativas conspirativas, políticas, militares, terroristas, que reforçadamente a partir daí desenvolveram numa política caracterizada com rigor pelo PCP, como Recuperação Capitalista, Latifundista e Imperialista.

E para isso contaram com o PS e PSD como instrumentos fundamentais. Partidos que tinham, como vieram a declarar anos mais tarde, aprovado e até gerido no governo essas nacionalizações decretadas no âmbito do IV Governo Provisório e depois inscritas na Constituição da República, mas com o pensamento reservado “para não perderem o comboio”. Ninguém terá dúvidas que o fizeram com o claro objectivo de as torpedear logo que tivessem oportunidade para o fazer, logo que a relação de forças lhes favorecesse os intentos e ambições. Como o fizeram!

Consolidada após o golpe do 25 de Novembro essa relação de forças no plano político-militar, estabilizado no plano institucional o regime democrático, assumindo em pleno o poder político após as eleições de 25 de Abril de 1976, as condições estavam criadas para a reversão das nacionalizações. O que sucessivos governos do PS, PSD e CDS e o apoio do grande capital nacional e estrangeiro, nomeadamente da CIP e CAP, iniciaram com pezinhos de lã primeiro e depois aceleradamente a partir do momento em que atrelaram o país à CEE em 1986. Como escreveu Álvaro Cunhal em «A Revolução Portuguesa» «o objectivo imediato da ofensiva da recuperação capitalista» foi «A recuperação das empresas sob intervenção do Estado e controle dos trabalhadores» .«No que respeita às nacionalizações, o ataque do capital e dos seus servidores será mais cauteloso. Em 10JUL1975, acrescenta ainda «Vasco de Melo, Presidente da CIP, desmentia no Jornal Novo que esta organização (a CIP) tivesse uma posição condenatória das nacionalizações.» (Coisa admirável!) Apesar do mesmo senhor em carta enviada ao Secretário-Geral do PCP em 21MAR1975 as condenar «claramente»! E Álvaro avisa depois para o que serão as (cinco) «linhas de ataque ao sector nacionalizado». Estávamos em 1976, mas todas se vieram a confirmar quase literalmente!

De facto, a partir do 1º Governo PS, desencadeou-se uma brutal e insidiosa campanha de propaganda contra as nacionalizações e as empresas públicas, que atingiu um pico de intensidade com os governos PS/Guterres, mas que prosseguiu sem desfalecimento até aos dias de hoje. E valeu tudo, a acompanhar o cardápio neoliberal.

Confirmando as previsões de Álvaro Cunhal, depois da tese cavaquista dos prejuízos do SEE, incompatível com a evidência de resultados líquidos de milhões e milhões de contos das empresas públicas seguiu-se a tese guterrista: o reembolso da dívida pública pelas receitas das privatizações vai libertar meios (públicos) para as despesas sociais. E o chorrilho seguiu-se: privatização igual a fim de monopólios e mais concorrência. Privado igual a mais eficiência. Logo, privatização igual a mais eficiência, mais competitividade, maior produtividade e maior riqueza. No fundo uma tese central do neoliberalismo: privado igual a eficiência. Privatização igual a dinamização da economia, melhor afectação de recursos e reestruturação de sectores produtivos. As privatizações defendem os interesses patrimoniais de todos os portugueses, com rigor e transparência. E a falta de vergonha dos governos PS foi tão longe que até foram capazes de descobrir uma nova estrutura social do país com seis «classes sociais que ganham com as privatizações»: os «pequenos investidores», os «contribuintes», os «jovens», os «beneficiários dos sistemas de protecção social», os «consumidores» e os «trabalhadores» (sic).

Passados anos sobre as 3 principais vagas de privatizações (governos Cavaco Silva, Guterres e Passos Coelho/Paulo Portas), sabemos da falsidade de tudo o que se anunciou que as privatizações iam resolver. Mas essa é uma análise que a comunicação social dominante e as academias das ciências económicas não fazem nem querem fazer. Talvez com receio de que a casa lhe caia em cima... Porque hoje deviam responder a uma questão: se as privatizações iam resolver tudo ou quase tudo, porque é que o País se encontra neste triste estado no planos económico, social e político???

A propaganda que deu cobertura às privatizações foi precedida de um longo e evolutivo processo legislativo em sucessivas legislaturas – uma autêntica contra-revolução legislativa e constitucional – que paulatinamente, que passo a passo, foi concretizando as intenções efectivas presentes nos pensamentos reservados de PS e PSD quando aprovaram as nacionalizações em Março e Abril de 1975 e a Constituição da República em 1976.

É fácil ver hoje que a política de privatização e liberalização das políticas de direita do PS/PSD/CDS dos últimos 40 anos eliminaram o «controlo público» de sectores estratégicos, pondo em causa o interesse público, o País, pondo em causa a soberania e a independência nacionais.

É fácil verificar hoje que o interesse público e nacional não foi salvaguardado por um conjunto de mecanismos institucionais e económicos, que foram «inventados», para supostamente o proteger: as «entidades reguladoras», as «golden shares», os «activos estratégicos», o «serviço universal», o «unbundling» - segmentação da cadeia de valor de uma empresa, supostamente para garantir a concorrência. «Invenções» do neoliberalismo para esconder, atenuar as consequências e os impactos de criminosas privatizações...

O clamoroso falhanço das entidades ditas reguladoras, no controlo dos preços e tarifas, travando a obtenção de super lucros - lucros acima das taxas médias de remuneração do capital -, as ditas «rendas excessivas», são uma evidência. A «descoberta», com a Troika, que a EDP tinha «rendas excessivas», é só uma das situações mais escandalosas! Mas não era preciso ter vindo a Troika alguns. Há muito o PCP clamava (diga-se, em vão!) contra essa situação e fazia propostas para a resolver. Os processos acumulados na Autoridade da Concorrência mostram a existência de dezenas de cartéis constituídos no país, e não apenas o Cartel da Banca que tem à vista o perdão de uma coima de 225 milhões de euros...por prescrição!

Mas o mais interessante é que nos dias de hoje o que está na agenda da UE, após as análises de Letta e Draghi, é o fim dessa regulação, considerada «burocracia», «obstáculo burocrático» à competitividade empresarial. E há até já quem filosofe distinguindo a «desregulação útil» da UE em contraposição com a «desregulação populista» de Trump!

3.

A política de privatizações de sucessivos governos do PS, PSD e CDS tinha um objectivo central: a reconstituição dos grupos económicos monopolistas liquidados pelo 25 de Abril e as nacionalizações. Com o apoio de sólida «teoria». Os novos grupos privados no dizer do ministro do Bloco Central, Ernâni Lopes, seriam «núcleos de racionalidade económica». Na fórmula mais elaborada de A. Guterres iriam ser «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização».

Conhecemos a modernização e a especialização feitas! Sabemos como esses grupos se especializaram na produção de bens e serviços não transaccionáveis e na predação dos trabalhadores e consumidores portugueses, na predação dos sectores transaccionáveis – sectores produtivos e PMEmpresas. Predação calculada pelo Presidente da APB V. Bento em 2010, em cerca de 24 mM€ (15% do PIB) em duas décadas…

Resultado de confundir «reestruturação económica» confundir eficiência, racionalidade económica, modernização com centralização e concentração de capitais, pela liquidação de unidades e sectores, desmantelamento da coerência e racionalidade de fileiras produtivas e áreas de actividade das empresas públicas! Resultado de pensar que a lógica da banca privada e sectores empresariais privados é idêntica ou pode ser confundida com a lógica do sector público.

Não. Os grupos económicos privados, os novos grupos privados, não foram nem serão «núcleos de racionalidade económica», mas núcleos de racionalização de interesses privados, segundo o seu muito antigo, conhecido e natural critério de racionalidade: a maximização da taxa de lucro. Haja o que houver. Sejam as consequências quais forem: económicas, sociais, ambientais, para a independência e soberania nacionais. Para os trabalhadores e o povo português. Se em alguma especialização económica apostaram, sabemos hoje que foi, a da especulação financeira e imobiliária, a especialização na fuga ao fisco, a agressão aos interesses nacionais!

4.

Um dos argumentos mais rebuscados (chamemos-lhe assim!) utilizados pelo grande capital e alguns académicos na critica às nacionalizações é que estas teriam produzido a «destruição de capital», a «destruição de importantes activos nacionais». Nada mais rotundamente falso.

Na Indústria pesada, em praticamente todas as indústrias básicas e estratégicas - a refinação do petróleo , a indústria siderúrgica e a metalurgia do cobre, as indústrias químicas e paraquímicas inorgânicas, as petroquímicas de olefinas e aromáticos, a indústria cimenteira, as metalomecânicas e electromecânicas médias e pesadas e as indústrias de pasta para papel e papel -, na produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nos transportes terrestres e marítimos, directa ou indirectamente nacionalizadas, implantaram-se e consolidaram-se grandes empresas de âmbito nacional, desenvolvendo e modernizando as unidades existentes e constituindo novas unidades. A destruição de activos é obra das privatizações, não das nacionalizações! Fizeram-se fortes investimentos e avançou-se na inovação, na produtividade e competitividade, cumprindo no fundamental as suas missões ao serviços dos portugueses e do país. A EDP fez chegar a electricidade a todos os recantos, assegurando a cobertura integral do país. A Rodoviária Nacional levou o transporte colectivo rodoviário a aldeias e lugarejos secularmente isolados. E isto apesar de toda a política de direita desde o 1º Governo Constitucional ter começado cedo a remar em sentido contrário, nomeadamente através dos Conselhos de Administração que nomeavam, numa grande parte dos casos mais virados para a preparação das privatizações, do que para o desenvolvimento das empresas e sectores económicos. Lembre-mo-nos dos estrangulamentos verificados pela política de crédito imposta às empresas. E sem esquecer o importante papel, em contra vapor, que os trabalhadores e as suas organizações assumiram na sua defesa e desenvolvimento, como depois no combate à sua privatização.

É assim que esta iniciativa não é apenas uma importante e necessária memória de uma magnifica conquista da Revolução. É também a forma de evidenciar as enormes potencialidades das nacionalizações e de quanto o futuro do país as continua a exigir!

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