Intervenção de Carlos Carvalhas, Sessão Pública «As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País»

Intervenção de Carlos Carvalhas

Intervenção de Carlos Carvalhas

As nacionalizações  não foram decididas por qualquer imperativo ideológico  mas como uma necessidade para salvar a revolução . Surgiram como resposta ao golpe contra revolucionário de 11de Março , ao financiamento pela banca deste mesmo golpe  e, sobretudo , como resposta à sabotagem económica e financeira dos grandes grupos monopolistas que queriam sufocar no berço a revolução que dava os primeiros passos . (1) 

Com as nacionalizações  combateu se a sabotagem , os recursos financeiros foram aplicados na economia e criaram se as condições objectivas  para  uma dinâmica não capitalista  . Os sectores básicos e estratégicos deixaram  de estar nas mãos dos capitalistas passando para as mãos do Estado  , o que permitia  , se o poder político fosse favorável ao processo revolucionário , uma acumulação não capitalista como sublinhou então Àlvaro Cunhal .

No oitavo Congresso do PCP , na defesa dessa dinâmica não capitalista afirmámos   “ que as forças reaccionárias tinham procurado atirar as culpas da crise económica  para os seis meses da Revolução a que corresponderam o 4º e 5º Governos e que tal fúria acusatória tinha por razão primeira o seu ódio de classe , pois foi nesse período que tiveram lugar as nacionalizações , que se avançou com o controlo operário e na Reforma Agrária .

 Na verdade,  apesar da crise capitalista internacional-crise petrolífera de 1973 - , da herança do fascismo , da sabotagem do grande capital , do boicote do imperialismo , a economia portuguesa fruto do empenho , criatividade e da dinâmica interessada dos trabalhadores ,  manteve -se “surpreendentemente sólida”e teve um comportamento mais favorável do que a maioria dos países capitalistas como referia um relatório do MIT. 

“A realidade o que nos mostrou é que durante os três primeiros trimestres de 1975 “ não só se conseguiu travar o ritmo da inflação , limitar o desemprego , como aumentar o nível de vida dos trabalhadores . 

A  melhoria do poder de compra dos trabalhadores alargou o mercado interno transformando se num dos factores que aguentaram a economia portuguesa  como reconheceu também o relatório oficial  departamento Central de Planeamento “ do governo já dominado pelo PS . 

Com as nacionalizações as relações de produção capitalistas  embora ainda predominantes deixaram de ser determinantes  , a lei da mais-valia deixou de ter aplicação universal  , tal como a contradição fundamental entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos meios de produção , que sofreu uma atenuação significativa . 

A dinâmica não capitalista  , a acumulação não capitalista , era a  evolução natural correspondente às leis objectivas determinantes na economia . Uma evolução capitalista , como a que foi seguida , em que o PS teve um papel fundamental exigiria  , como se verificou , uma alteração violenta da situação económica e das suas leis , a reconquista de forma coercitiva a partir do aparelho de Estado , pelo grande capital e pelos agrários dos meios de produção que estavam nas mãos dos trabalhadores .

 Isto conduziu  à desarticulação da economia ,  à quebra da produção  e  ao afastamento da acção empenhada e criativa dos trabalhadores que tinha sido fundamental para aguentar as empresas dos grupos económicos que à data da nacionalização estavam em falência técnica . 

A  violenta recuperação capitalista em vez  de solucionar os problemas económicos e financeiros imediatos  , levou à quebra da produção e do investimento  ao desinteresse das massas trabalhadoras e ao recurso à política de empréstimos externos ,   para suprir as quebras de actividade e produção ,  e até para obterem liquidez  para a compra das empresas postas a privatizar . Foi o caminho do desastre ,

A desorganização económica , o desemprego , a conflitualidade social , o afundamento da economia levaram em 1977 ao governo liderado por Mário Soares , a pedir a intervenção do FMI   ,  Mário Soares que sublinhe -se foi o único dirigente partidário que se colocou à frente da manifestação dos bancários que festejavam a nacionalização da banca e que nesse mesmo dia marcou um comício para o Barreiro  para a  saudar. 

  Depois tivemos de novo a vinda do FMI  em 1983 com um governo do já  então chamado “bloco central “ - PS, PSD - liderado também por Mário Soares e repetiu se  em 2011 em que estiveram de novo envolvidos o   PS e também o PSD .

 

A história das negociatas das privatizações está por fazer. 

Foi o tempo da abertura da Bolsa em 1977 , do logro do rançoso capitalismo popular , da “febre bolsista “ , como titulava o Expresso e da primeira crise da economia de casino em 1987 , foi o tempo em que a Caixa Geral de Depósitos financiou a compra de acções de Bancos , com um comendador Berardo a pedir 350 milhões para comprar acções do BCP , “ o maior desastre da minha vida “, diria depois .

Foi o tempo em que uns meninos ditos liberais e patriotas que hoje pululam pela Iniciativa Liberal se reuniram no Beato sob o lema “Compromisso Portugal”  onde gravaram o seu grande desígnio a “defesa das empresas portuguesas “ e em que um dos principais organizadores mal terminaram os trabalhos vendeu a Somague a capitais espanhóis – hoje quer -se voltar a reindustrializar o país e até afabricar se carruagens em Portugal .

 Como escreveu um ex banqueiro em jeito de ajuste de contas ,  estes meninos com “a sua imparável dinâmica ajudaram a colocar no pipeline das privatizações as empresas públicas mais valiosas que acabaram vendidas a estrangeiros “, rematando : “ Caia a mascara aos patriotas “.

O PSD com Cavaco  e o PS com Guterres e Sócrates chegaram mesmo a 

travar debate público sobre  qual dos dois partidos tinha   sido o mais privatizador

 

As privatizações foram um festim para uns poucos e uma tragédia para o nosso país  e a privatização da banca comercial , que cria moeda , um bem publico  ,   um crime !

Alertámos que  com à adesão à então CEE  mais se justificava  que  as empresas básicas e estratégicas ficassem no domínio público , que no domínio privado , com o embate da panela  barro com a panela de ferro , elas mais tarde ou mais cedo cairiam nas mãos do estrangeiro , com  a perda de soberania e independência e todos os problemas que daí decorreriam para a concretização de uma estratégia de desenvolvimento nacional . Foi o que  se conhece .

Em contrição fugaz  Luís Todo Bom do PSD escreveria mais tarde um artigo com o título “ A tragédia das privatizações “ e num lamento pio perguntava , “ como é que chegámos  a esta situaçâo ( Jornal de Negócios de 1/3/2015

Argumentava se ,  tal como hoje , que o Estado não tinha vocação para gerir empresas e enfatizava  se a superioridade da gestão e dos gestores privados . O Estado deles , dos partidos da recuperação capitalista que     chegou a nomear gestores para as empresas nacionalizadas com o objectivo de facilitar por dentro a sua privatização , como foi o caso do banco Espírito Santo , não tem de facto essa vocação . Nas mãos dos partidos da direita , a sua vocação é , no essencial ,  servir os interesses privados de que são representantes .

A  dita superioridade da gestão privada tem custado cara ao país e aos contribuintes .

Os   casos do BPN  , BPP  , BPI , Banif e os desastres do BES e da PT e mais recentemente o caso Altice com gestores  ,  a contas com a justiça , são exemplos claros da falácia da superioridade da gestão  privada erigida em dogma pelos partidos da política de direita . O mesmo se pode dizer em relação aos grandes gestores incensados pela propaganda  , como um  Granadeiro ou um  Zeinal Baba só para citar os casos mais mediáticos , grandes gestores , todos tendo em comum , uma amnésia generalizada .

Uma palavra ainda para o caso do pequeno Banif em que a União Europeia impediu  a sua integração na CGD , com o argumento de que feria a concorrência europeia e foi oferecê- lo ao Santander “ um dos gigantes do mercado europeu embrulhado em avultadas verbas dos contribuintes portugueses” como escreveu  Rui Rio insuspeito para o caso . Este enxovalho passou se com Centeno  , com a  oposição do PCP  .  O mesmo Centeno que agora no Banco de Portugal , perante a possibilidade de a CGD vir a comprar o Novo Banco se apressou a manifestar a sua oposição com o argumento de risco sistémico . 

Não há duvidas que temos tido à frente do Banco de Portugal , autenticas correias de transmissão do BCE , relegando o interesse nacional e a função de supervisão , para transformarem o banco central.  numa segunda Associação Portuguesa de Bancos que , com mais rigor , se deveria chamar Associação Portuguesa de Bancos Estrangeiros .

Como se sabe a maioria da banca e dos principais centros de decisão estratégicos estão nas mãos do estrangeiro . A saída de lucros e dividendos , riqueza que sai do país ,(  Os principais bancos privados , Totta , BCP , BPI e Novo Banco , tiveram nos últimos 4 anos -2021 a 2024 - lucros líquidos de 8,9 mil milhões de euros e os respectivos dividendos que saíram para o exterior atingiu os 5,7 milhões de Euros     ) pesa  substancialmente nas nossas contas externas . Ao contrário de uma Caixa Geral de Depósitos – não comentando aqui a sua gestão – em que os lucros e dividendos vão para o Estado , o que faz toda a diferença . 

Os lucros da banca têm sido pornográficos , fruto da criação de moeda , da especulação , das diferenças das taxas de juro  entre depósitos e empréstimos e das diversas comissões , que o PCP não conseguiu reduzir pelo voto contra do PS , do PSD e de toda a direita . Estes lucros contrastam de forma chocante com as dificuldades das pequenas empresas e com os salários e pensões da generalidade da população .

Com a correlação de forças resultante do  do 25 de Novembro a dinâmica capitalista , a dinâmica neoliberal  nestes mais de 45 anos foi assegurada , nas questões mais essenciais , pelo rotativismo entre o PS e o PSD  , com ou sem o CDS e nestas ultimas legislaturas também  pelos novos partidos Chega e IL cujos principais dirigentes vieram do PSD , tendo sido interrompida apenas brevemente , nos aspectos mais gravosos,  pelo afastamento do governo de Passos Coelho , Paulo Portas   .

Essa dinâmica traduziu se num  país que não abandonou os lugares da cauda da Europa , desertificado e envelhecido , mais desindustrializado , com uma larga extensão de pobreza  , com baixos salários e reformas e grandemente dependente do oxigénio do turismo , com os riscos que esta situação comporta . 

Mas tudo isto só realça a importância das nacionalizações e em particular da nacionalização da banca ,   para um  Portugal de progresso e justiça e as perspectivas  que esta  abriu   nesses dias inesquecíveis , nesses dias memoráveis  de jubilo , de esperança e de imensa alegria para os trabalhadores e o povo . Factos e perspectivas que ficam para a luta que continua .

-----------

(1) A decisão formal da nacionalização da banca deu se a 14 de Março .

Era então governador do Banco de Portugal jacinto Nunes e ministro das Finanças Silva Lopes tendo ficado conhecida a sua afirmação , se era “ para nacionalizar tinha de ser já , devido ao dinheiro  que dos bancos estava a sair para o estrangeir

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Central
  • 25 de Abril
  • conquistas de abril
  • Economia
  • nacionalizações
  • Revolução
  • Revolução 25 de Abril de 1974