Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão Pública «As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País»

As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País

As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País

As nacionalizações foram uma das grandes conquistas da Revolução portuguesa, da mesma forma que as privatizações são um dos maiores crimes da contra-revolução.

A iniciativa que hoje realizamos tem, entre outros, o mérito de colocar em grande medida o problema como ele se colocava ao povo português perante a realidade em 1974.

A realidade de um regime fascista viver suportado e a suportar o poder de uns poucos grandes grupos económicos, ligados a um grupo reduzido de famílias, uma característica do capitalismo monopolista de Estado. 

Uma realidade em que a repressão, a pobreza, a falta de acessos a serviços básicos, a guerra, tudo o que se abatia sobre o povo português, se destinava a alimentar esses grupos económicos num País colonizador e simultaneamente colonizado pelo capital estrangeiro.  

Tal era a realidade que uma política anti-monopolista e a nacionalização dos sectores estratégicos  colocada pelo PCP no seu Programa “A Revolução Democrática e Nacional” como uma das suas componentes essenciais, ganhou crescente apoio, de que são exemplo as conclusões do III Congresso da Oposição Democrática.

A revolução portuguesa, ultrapassando três golpes, todos eles apoiados e financiados pelo poder económico dessas grandes famílias, avança entre 11 de Março de 1975 e Junho de 1976, com um vasto programa de nacionalizações.

As nacionalizações foram uma necessidade e uma exigência democrática, para quebrar o poder dos grupos económicos sobre o poder político, e como único mecanismo que devolveria a esse poder político os instrumentos para realizar uma política ao serviço dos interesses do povo português, particularmente das classes trabalhadoras e de outras camadas da população.

E é bom recordar que os partidos que publicamente defendiam e tinham inscrito nos seus programas a nacionalização dos sectores estratégicos e o desenvolvimento pelo Estado de uma vasta rede de serviços públicos obtiveram mais de 90% dos votos dos portugueses quer nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1975, quer nas eleições legislativas de 1976. As mais participadas de sempre. Outra coisa é se alguma vez pensaram cumprir o que estavam a prometer ao povo, mas que prometeram, prometeram.

Uma exigência democrática por fim porque mesmo depois de as forças políticas que assumiram o poder político a partir de 1976 – o PS, PSD e CDS, que, separados ou juntos em todo o tipo de combinações, estiveram nos sucessivos governos– terem começado a preparar e depois a concretizar as privatizações, enfrentaram tal resistência popular que 49 anos depois ainda não conseguiram realizar todas as privatizações que desejavam, apesar do muito estrago que já fizeram. 

Hoje, quando olhamos para a realidade nacional, esse carácter democrático do processo de nacionalizações tem que ser recordado, porque o romper com o domínio do poder económico sobre o poder político é uma das grandes necessidades do nosso País. 

As opções políticas nacionais têm que ser tomadas para servir os interesses do povo português e não de uma meia dúzia de grandes accionistas. Não é a Vinci que tem que decidir onde são os nossos aeroportos. Não são os accionistas da Galp que devem determinar o preço do gás de botija e dos combustíveis. Não são os grupos económicos que determinam a política fiscal, e se deve baixar o IRC deles para suportar o IVA que o povo paga na energia.

Tal como hoje é uma evidência, e que foi e é característica de todo o processo contra-revolucionário, a política ao serviço dos grupos económicos tem na mentira uma das principais armas da reacção. 

Vale a pena voltar às mentiras, ilusões, propaganda e aos factos, até porque cada uma dessas peças surgem hoje novamente.

Começaram por nos dizer que as privatizações eram para pagar a dívida pública. Em 1990 essa dívida pública correspondia a 30 mil milhões de euros. Depois de o Estado ter recebido 38 mil milhões de euros de privatizações, a dívida pública crescera para 271 mil milhões, impulsionada, entre outras coisas, pelas crescente saída de dividendos para o estrangeiro.

Disseram-nos que das privatizações resultaria a redução dos preços, e os preços aí estão, cada vez mais altos. 

Na electricidade, no gás, nos combustíveis, foram a liberalização e as privatizações os primeiros responsáveis pelo aumento de preços, como bem demonstra o preço da botija de gás.

Martelaram uma e outra vez que as empresas públicas eram um buraco sem fundo, que só davam prejuízos, escondendo que a maioria das empresas públicas era lucrativa, e muitas só davam prejuízo porque o Estado lhes recusava os apoios que concede às empresas privadas. 

Tentaram vender a imagem das nacionalizações desastrosas, mas foram as nacionalizações que permitiram unificar a EDP e levar a electricidade a todo o País, unificar na Petrogal o sector dos combustíveis, unificar o transporte rodoviário na RN, solidificar o aparelho produtivo na celulose, nos cimentos, no vidro plano.

Também nos disseram e dizem, que a gestão privada é, por definição, superior à gestão pública. Como se muitas empresas privatizadas não continuassem a ser geridas pelos mesmos gestores de quando eram públicas.

Ou como se os exemplos de péssimas gestões privadas não abundassem no País: que dizer dos gestores privados que conduziram o BES à falência? E o BPN? Que dizer do processo da PT privatizada?

Há ainda uma outra peça de todo este processo que é preciso ter presente. A sabotagem e uma acção consciente para reduzir a capacidade de resposta operacional do Sector Empresarial do Estado e assim facilitar o projecto de transferência dessas empresas para os grupos económicos capitalistas. 

Empresas publicas, não são empresas privadas, não se podem gerir empresas públicas como se de privadas se tratassem.

É verdade e há muito que dizemos, há muita coisa que não está bem no Sector Empresarial do Estado. É compreensível que para vender uma empresa pública não seja necessário parecer prévio do Tribunal de Contas, mas que o IPO já tenha de esperar quase um ano para ter autorização prévia para comprar um medicamento? É compreensível que a compra de comboios possa andar há 4 anos enrolada em questões processuais? Tudo isto tem que mudar.

Se uma empresa é pública para garantir um determinado serviço público, se uma empresa é pública pelo seu carácter estratégico, então os seus objectivos são necessariamente ligados a esse carácter estratégico, seja com uma gestão eficaz, fornecendo energia o mais barato possível à economia e aos utentes, seja alargando a rede a todo o território nacional, seja pelo aumento da componente de produção nacional.

A empresa pública não pode ter uma gestão que seja uma cópia do que de pior se faz no sector privado.

Manobras, práticas, desculpas e as mentiras que foram variando ao longo dos anos, mas cujo rumo foi sempre seguido sem hesitações: privatizar.

E com que resultados? Está o País melhor? Os trabalhadores estão melhores? Não. O País e o povo perderam e perderam muito, os intermediários das vendas e os seus compradores, ganharam e ganharam muito.

Os sectores estratégicos passam para o controlo das multinacionais. Muito do aparelho produtivo nacional foi destruído, temos uma economia cada vez mais dependente de um sector como o turismo, agravou-se a dependência externa. 

O País está fragilizado, os serviços públicos degradam-se, o Interior volta a um processo de desertificação. As privatizações significaram na vida dos trabalhadores, desemprego, precariedade e baixos salários.

Há, ainda, um elemento de profundo significado e consequência, a corrupção, tráfico de influências, negociatas, que está associada aos processos de privatizações, uma expressão concreta da submissão do poder político ao poder económico. 

Uma submissão do poder político a interesses que vem de há muito, mas que é hoje mais clara e mais evidente, por muito que o tentem esconder.

O Governo caiu na passada semana, um Governo que desde o seu primeiro dia se constituiu como uma comissão de gestão dos interesses dos grupos económicos e das multinacionais.

Um Governo com um plano em execução, visando a concentração da riqueza, benefícios e benesses aos que se acham donos do País à custa do agravamento da exploração, das injustiças e desigualdades, um Governo submetido às imposições da União Europeia e do imperialismo, e disponível para arrastar Portugal para o armamento e a guerra.

Um Governo cuja acção tornou mais evidente a quem servia e serve, mas também o seu grau de interdependência e promiscuidade com os grandes interesses e que não hesita em colocar esses interesses acima da vida da maioria dos que vivem e trabalham no nosso País.

Para lá das práticas, factos e acontecimentos que envolveram o Governo, o que marcou a sua acção foi a opção de transformar cada problema numa oportunidade de negócio para os grupos económicos. 

Na opção de uma política de baixos salários e pensões, de ataque a direitos, de degradação de serviços públicos, em particular com o ataque ao Serviço Nacional de Saúde e à Escola Pública, de promoção da especulação, de injustiça fiscal, de reduzido investimento público e de promoção, lá está, das privatizações.  

Um Governo que fez mal e que se preparava para fazer ainda pior com uma nova onda privatizadora, cujo caderno de encargos deveria ser apresentado este mês de Março pelo Grupo de Trabalho encarregue da sua redacção.

O Governo caiu, mas não foi ultrapassado o perigo e o crime económico das privatizações.

No próximo mês de Maio, dia 18 de Maio, os trabalhadores e o povo português serão novamente chamados a umas eleições onde estarão uma vez mais em confronto duas visões alternativas sobre as empresas e sectores estratégicos. 

De um lado estarão aqueles que ao longo dos anos tudo têm feito para continuar a vender o País aos retalhos. 

PSD e CDS, cujo programa de privatizações interrompido em 2015 aí está novamente, à espera de ser concretizado. O Chega e IL cujo papel na defesa dos interesses do grande capital reclamam que se vá ainda mais longe neste saque aos recursos públicos.

E o próprio PS, que partilha responsabilidades com o PSD na destruição do sector empresarial do Estado e que admite o aprofundamento desse caminho, de que é exemplo a privatização da TAP que também pretendem realizar.

Do outro lado com os interesses dos trabalhadores, do povo e do País estará o PCP, a resistir a esta política de favorecimento do grande capital, a defender a recuperação do controlo público dos sectores estratégicos e de outros importantes instrumentos de soberania. 

Na defesa do modelo económico, consagrado na Constituição da República, com Sector Público, Sector Privado, Sector Cooperativo e Social. 

Também aqui, está nas mãos dos trabalhadores e das populações, com a sua acção, a sua luta e o seu voto na CDU nas eleições de 18 de Maio, abrirem um novo caminho de desenvolvimento do País, uma política centrada na construção da vida melhor a que todos tem direito.

 

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