Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Garantir a resposta global aos problemas do País, assegurar o desenvolvimento soberano e um futuro de progresso e justiça social

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Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhor Primeiro-Ministro e demais membros do Governo

Depois de obter a maioria absoluta que ambicionava, o Governo PS inicia agora funções com a certeza prévia, quer da aprovação de todos os orçamentos do Estado e propostas de lei que apresentar à Assembleia da República, quer da confirmação das decisões que vier a tomar no Conselho de Ministros, quer ainda da capacidade de derrotar qualquer proposta que não seja sua.

Se, desde 2015, o PS não dispunha das condições institucionais para levar por diante todas as suas opções, agora esse condicionamento deixa de existir. E o debate do Programa do Governo já deixa antever o que se pode esperar da sua acção e opções nos próximos quatro anos.

Quer no Programa que apresenta, quer na forma como considera a sua execução, o Governo nega-se a reconhecer a existência e profundidade dos problemas estruturais do País para não ter de se confrontar com a responsabilidade de lhes dar resposta, desvaloriza as consequências desses problemas na vida dos trabalhadores e do povo e o factor constrangedor e bloqueador que constituem de um projecto de desenvolvimento soberano do País. Limita-se a apontar medidas temporárias ou transitórias para as atenuar, recusa as soluções que poderiam assegurar uma resposta global aos problemas nacionais e remete para terceiros, nomeadamente para a União Europeia, a possibilidade de condicionar as decisões sobre eles.

O PCP trouxe a este debate cerca de três dezenas de soluções e compromissos concretos de resposta a problemas nacionais, uns mais imediatos, outros mais de fundo. Não houve um a que o PS ou o Governo dessem perspectiva de querer corresponder e assim deixaram levar pelo vento as vãs proclamações de abertura e disponibilidade para o diálogo e para a convergência. Nem sequer abertura para aqueles que são mais urgentes como a valorização de todos os salários, incluindo do salário mínimo nacional para 850 euros no curto prazo, mas também das reformas e pensões, assegurando um aumento extraordinário que reponha o poder de compra perdido com a inflação.

Não surpreende que sejam essas as opções do PS nem essa a atitude da sua maioria absoluta. O que pesa negativamente nesta circunstância é o que elas revelam de recusa na resposta aos problemas que infernizam a vida dos trabalhadores e do povo e comprometem o desenvolvimento do País.

Os grandes problemas que o País enfrenta não são novos, nem inesperados ou desconhecidos. Os grandes problemas que o País enfrenta são as injustiças e as desigualdades, a falta de produção e o desaproveitamento dos recursos produtivos, o défice demográfico, a dependência externa, a falta de investimento público na modernização do país e das suas infraestruturas económicas, sociais, científicas ou tecnológicas, a negação aos cidadãos dos seus direitos sociais.

A epidemia expôs a dependência de um país que não satisfaz as suas necessidades na produção de medicamentos, vacinas, ventiladores ou máscaras cirúrgicas, expôs a vulnerabilidade de quem vive sujeito à precariedade, na incerteza de ter trabalho e salário, expôs a debilidade dos mecanismos de protecção social, expôs a incapacidade de rápida superação das consequências de anos de desinvestimento nas funções sociais do Estado e em serviços públicos como o SNS, a Escola Pública, a Segurança Social ou a protecção civil.

Durante esses anos da epidemia, milhões de portugueses viram as suas condições de vida degradar-se significativamente e a situação só não foi ainda mais dramática porque foram adoptadas algumas das medidas propostas pelo PCP. Mas, no mesmo período, os grandes grupos económicos que controlam empresas e sectores estratégicos e essenciais ao funcionamento da vida nacional acumularam lucros e distribuíram dividendos de milhares de milhões de euros.

Nos últimos meses, a inflacção, a guerra e as sanções que o nosso povo já está a pagar, enquanto outros amealham milhões de lucro, voltam a expôr a dependência de um país que desperdiça capacidades e recursos produtivos na produção agro-alimentar, de bens intermédios ou factores de produção, voltam a expôr a vulnerabilidade de um país à mercê do mercado liberalizado da energia e dos combustíveis em que prevalece a ganância do lucro, voltam a expôr as fragilidades de um país em que os salários, as pensões e o poder de compra do povo são sempre o designado factor de ajustamento económico utilizado para acudir às crises da economia de casino.

Quando o Governo afirma que a resposta à inflacção não pode ser o aumento dos salários e das pensões está a dizer que serão os trabalhadores e os reformados a pagar a crise com as suas condições de vida. Quando o Governo apenas considera medidas fiscais sobre a energia e os combustíveis, recusando-se a controlar e fixar os preços, o que está a dizer é que os lucros das petrolíferas ficarão intocados e só deixarão de pesar na economia e na vida do povo enquanto o Estado os puder subsidiar com o dinheiro dos impostos, mesmo que fique a fazer falta no Serviço Nacional de Saúde, nos serviços públicos, no investimento público, na habitação ou nas creches.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhor Primeiro-Ministro e demais membros do Governo,

Portugal precisa de uma política de combate às desigualdades e injustiças e de valorização do trabalho e dos trabalhadores, de uma política que garanta o futuro das novas gerações e os direitos dos pais e das crianças, de defesa de direitos sociais e reforço dos serviços públicos, uma política capaz de romper com a dependência externa e assegurar o desenvolvimento nacional, defendendo os direitos, liberdades e garantias e combatendo a corrupção.

Uma política que valorize os salários e as pensões, que altere a legislação laboral para defender os trabalhadores dos despedimentos, da precariedade, da desregulação dos horários de trabalho e de outras formas de agravamento da exploração, de uma política que assegure o investimento público necessário à modernização do país e à garantia do futuro com a criação de uma rede pública de creches, o acesso à habitação, a qualificação dos serviços públicos no SNS, na Escola Pública ou na Cultura, de uma política que garanta protecção social aos desempregados, às pessoas com deficiência, a todos quantos são vítimas da exclusão social.

Portugal precisa de uma política que aposte na produção nacional, na agricultura, nas pescas e na indústria, de uma política que ponha empresas e sectores estratégicos ao serviço do desenvolvimento nacional, seja na banca, nos transportes, nas comunicações, na energia ou na ciência, de uma política fiscal que alivie os impostos sobre o trabalho e os rendimentos mais baixos e intermédios, tributando de forma efectiva os rendimentos mais elevados e os lucros dos grupos económicos, combatendo a fraude, a evasão e a especulação.

É dessa política que o Povo e o País precisam, que o Programa do Governo não fala e que o PS recusa. Mas é essa a política capaz de garantir a resposta global aos problemas do País, de assegurar o desenvolvimento soberano e um futuro de progresso e justiça social, é essa a política por que o PCP continuará a bater-se.

Não há razão para baixarmos os braços.

Disse.