Permitam-me que inicie a minha intervenção fazendo uma referência ao 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, que se comemorará na próxima semana e cuja origem é indissociável da luta pelas 8 horas de jornada de trabalho. Desde 1886 que a luta dos trabalhadores ergueu bem alto a bandeira das “8 horas para trabalhar, 8 horas para descansar, 8 horas para a família e lazer”.
Em Portugal, os ataques aos direitos laborais têm rosto: os sucessivos governos do PS, PSD e CDS, os quais, defendendo os interesses do grande patronato e submissos aos ditames da UE, têm promovido o ataque aos direitos laborais, incluindo pela desregulação dos horários de trabalho, com consequências graves para a vida dos trabalhadores.
Entre outros, é disso incontornável exemplo a Diretiva “Tempo de trabalho”, de 2003, que estabeleceu referências para a organização do tempo de trabalho, em que se incluem:
- uma duração média do trabalho semanal que não deve exceder as 48 horas semanais, incluindo horas extraordinárias, num período de referência de 4 meses (passível de ser alargado por derrogações);
- a possibilidade de um período mínimo de descanso semanal de 24h;
- a definição de 4 semanas de férias anuais pagas;
- o encurtamento do horário nocturno definido entre as 24h e as 5h.
A directiva, estabelecendo um conjunto de mínimos, nivela por baixo os padrões de referência, constituindo uma pressão negativa para quadros legislativos mais favoráveis ao trabalhador, contribuindo de forma preponderante para a denominada flexibilidade na organização do tempo de trabalho, no interesse do grande capital. Os períodos mínimos de descanso podem ser diferidos, parcial ou totalmente, em certas atividades.
A possibilidade de exceder o limite daquelas 48 horas semanais, fica, supostamente, condicionado ao acordo do trabalhador, o chamado opt-out que, em boa verdade, constitui um instrumento de chantagem e pressão sobre o trabalhador, permitindo a imposição de longos períodos de trabalho que lhe são prejudiciais.
Ou seja, na prática, a diretiva não protege nem melhora as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. Antes pelo contrário, serve os interesses do grande patronato!
Em Setembro de 2008, foi aprovada uma proposta do Conselho Europeu para a revisão desta directiva que previa, entre outros aspectos, que a média semanal do período máximo de trabalho fosse prolongada até 65 horas.
Esta regressão social acabou por ser derrotada, incluindo com intervenção activa dos deputados do PCP no Parlamento Europeu, traduzindo a luta dos trabalhadores e das suas organizações representativas. No entanto, outros aspectos negativos foram fazendo o seu caminho e, após a aplicação da Diretiva em vários Estados-Membros, as consequências são visíveis:
- o tempo de permanência não é contabilizado como tempo de trabalho;
- o descanso compensatório pode não ser gozado imediatamente após um turno;
- os períodos de referência são alargados a doze meses por via legislativa;
- e o opt-out passou a ser utilizado para responder aos desígnios do grande patronato.
Ou seja, a lei da selva da exploração passou a regular ou, melhor dizendo, desregular os horários de trabalho.
Um estudo do Eurofound de 2016, com dados referentes a 2014, mostra que, em Portugal, se verificou uma tendência para o aumento do horário de trabalho semanal, desde 2010, e aponta como principal razão o declínio da negociação colectiva, a partir de 2010, e as alterações introduzidas à legislação laboral nesse período - alterações pela mão do Governo PSD/CDS e da Troika, e que agora o Governo PS resiste a alterar.
Elementos que apontam para o facto de a negociação colectiva ser um instrumento fundamental para fixar o horário de trabalho; a negociação e contratação colectivas como indispensáveis para elevar os direitos dos trabalhadores e promover uma mais justa distribuição da riqueza. Esta é uma evidência que quotidianamente comprovamos nos contactos com os trabalhadores, e que é alvo das políticas da UE.
Senão, vejamos: entre 2011 e 2018, a Comissão Europeia emitiu 38 recomendações a diferentes Estados-Membros que, se aplicadas, promoveriam a insegurança no emprego e o ataque aos direitos de negociação colectiva. Recomendações essas que contradizem quaisquer pretensões e proclamações sociais da UE.
Num momento em que se conhecem extraordinários avanços científicos e tecnológicos, estes deveriam contribuir para a melhoria das condições laborais dos trabalhadores, designadamente na redução do número de horas de trabalho.
Em vez disso, assistimos a uma maior flexibilização do tempo de trabalho, desvalorização do trabalho, aumento da exploração, menor protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, dificuldades acrescidas na compatibilização entre a vida profissional, familiar, pessoal e a participação dos trabalhadores na sociedade.
O denominado Pilar Europeu dos Direitos Sociais, cujo Plano de Acção será discutido na Cimeira Social do Porto, a 7 e 8 de Maio, refere os “desafios” colocados pelo teletrabalho, pela digitalização e pelo “direito a desligar”. Está, pois, trilhado o caminho para uma maior individualização das relações de trabalho e para a abertura à regulamentação de um direito - a desligar - que, existindo já na lei, só pode pretender submetê-lo a condições e ritmos de trabalho que exigem uma disponibilidade permanente, limitando o direito ao descanso e ao lazer e tornando ainda mais inconciliável a vida profissional com a vida pessoal e familiar. Esta cimeira, como o plano de acção do dito Pilar social, constituirão uma nova pincelada na cosmética social da UE para a imposição de políticas que promovem a exploração e afrontam os direitos dos trabalhadores.
É urgente uma rutura com as políticas da União Europeia, que traga respostas concretas para os problemas dos trabalhadores e das suas famílias. No Parlamento Europeu continuaremos a projectar as suas justas reivindicações, na luta pela defesa e elevação dos seus direitos, apresentando propostas e iniciativas que visem, entre outros objectivos:
- valorizar o trabalho, os trabalhadores e os salários;
- o combate efectivo ao desemprego; a criação e promoção de emprego com direitos, a defesa da contratação colectiva, a dinamização do emprego público, a erradicação da precariedade;
- exigir a redução do horário de trabalho sem perda de salário, desde logo tendo como objectivo as 35 horas semanais e uma organização de tempo de trabalho que respeite períodos de descanso diários e semanais, pausas, férias e outros importantes aspectos; - assegurar a protecção dos trabalhadores em termos de saúde e de segurança, garantindo adequadas condições de trabalho.
- defender a convergência no progresso das normas laborais e sociais, com a institucionalização do princípio de não regressão e a reversão do nivelamento por baixo das condições de vida e de trabalho actualmente em curso, de que é expressão o ‘pilar social europeu’;
Os trabalhadores podem contar com este compromisso!