«Desenvolvimento tecnológico, economia digital, inteligência artificial ou indústria 4.0» são conceitos que nos assolam quotidianamente e cada vez com mais regularidade.
Conceitos que cumprem uma função ideológica determinada e determinável, não pelo facto de os avanços científicos e tecnológicos serem obra da imaginação, porque o não são, mas pelo facto de serem conceitos que têm vindo a ser instrumentalizados pelas classes dominantes, desempenhando um papel de relevo na ideologia dominante e que são uma boa medida da dimensão da crise do sistema e dos impasses e estrangulamentos que o capitalismo enfrenta.
A chamada revolução científica e tecnológica surge como elemento central do neoliberalismo e como grande instrumento de pressão sobre o mundo do trabalho, com novas e frescas designações para velhas e caducas formas de exploração.
Associado aos avanços científicos e tecnológicos e à automatização do processo produtivo surge sempre a tão propalada tese catastrofista da inevitabilidade do desemprego em massa e da perda significativa de postos de trabalho.
Os mais recentes desenvolvimentos desta tese são do ano passado e constam do relatório do Fórum Económico Mundial de Davos, segundo o qual e com base no avanço superior ao esperado da automação, serão perdidos, até 2025, cerca de 85 milhões de postos de trabalho em 15 sectores e 26 economias. Também em Portugal e de acordo com as previsões do Governo na “Estratégia Nacional para a Digitalização da Economia”, a Indústria 4.0 terá um impacto directo em 54% dos empregos existentes.
Esta tese, defendida e incentivada por organizações como o FMI e a OCDE e ratificada por instituições académicas e cientistas sociais, apresenta as evoluções científicas e tecnológicas como máquinas devoradoras de postos de trabalho, invocando a perda de milhões de empregos face ao terramoto tecnológico, cada vez mais evidente. Pretende colocar em lados opostos os trabalhadores qualificados que irão manter os seus postos de trabalho, e os trabalhadores não qualificados que os irão perdes, pretendendo enraizar a ideia de privilégio.
O imperativo de flexibilização dos horários e da desregulamentação das relações de trabalho é outra das teses alvitradas, com fundamento na chamada revolução científica e tecnológica. Por isso, a implementação da automatização dos processos produtivos tem sido acompanhada da intensificação das velhas formas de exploração da força de trabalho e de novos métodos de desregulação, como o aumento das jornadas e dos ritmos de trabalho, desregulação dos horários e desregulamentação das condições em que o trabalho é prestado.
Pretende-se, a este respeito, criar a ilusão de que a legislação laboral em vigor e as normas constitucionalmente consagradas que, apesar das sucessivas tentativas de descaracterização, ainda contêm direitos e salvaguardas para os trabalhadores, não respondem de forma adequada às necessidades do momento. Nada mais falso.
As actuais tentativas de legitimação e positivação de formas de trabalho que são, à luz da legislação actual e das disposições constitucionais vigentes, ilegais e ilegítimas, é um claro exemplo disso. Os trabalhadores das chamadas plataformas digitais são claras vítimas destas tendências. O enfraquecimento da relação contratual, abusivamente qualificada como prestação de trabalho independente, a desregulação de horários e elevados ritmos de trabalho, prevalecendo a inexistência de horário, quer pela duração indeterminada da prestação do trabalho, variando em função das ofertas diárias, quer porque, noutros casos, pode abranger as 24 horas do dia, tem de ser combatida e não legitimada e legalizada.
Fica então patente que os conceitos antes referidos de «Desenvolvimento tecnológico, economia digital, inteligência artificial ou indústria 4.0» têm sido e continuam a ser utilizados para impor novos ataques aos direitos dos trabalhadores e a lei da selva nos horários de trabalho.
O objectivo destas teses é criar o medo e o pânico social, tentando pressionar os trabalhadores e os seus sindicatos de classe para que aceitem sem lutas ou repulsão a redução, reversão e limitação de direitos e garantias.
Os capital desdobra-se em esforços para impor uma falsa contradição entre avanços científicos e tecnológicos, por um lado, e trabalhadores e os seus postos de trabalho, por outro, colocando-os em trincheiras opostas e criando, assim, uma válvula de escape para o patronado e sua ávida sede de lucro. No entanto, não deixa de ser uma contradição paradoxal que estando a substituir homens por máquinas, se esteja simultaneamente a procurar que os que restam sob jugo capitalista vejam a sua jornada de trabalho aumentada.
No entanto, e a bem da verdade, os direitos dos trabalhadores e os avanços da tecnologia são aliados. Aliados da redução do horário de trabalho, da precariedade e da penosidade do trabalho, sem que isso signifique perda de rendimentos para os trabalhadores.
As mudanças tecnológicas são um importante motor de crescimento e desenvolvimento, contribuem para incrementar a produtividade social do trabalho criando, assim, as condições para o aumento real dos salários e para uma vida melhor.
Quando debatemos e refletimos sobre a chamada revolução científica e tecnológica e os seus possíveis impactos ao nível dos postos de trabalho, não podemos desconsiderar o factor tempo, ou seja, aquilo que se designa por jornada de trabalho. Existindo o tal aumento da produtividade graças aos avanços tecnológicos o passo seguinte não é, nem pode ser, o de calcular quantos dos trabalhadores podem ser despedidos, mas sim o de reduzir, sem qualquer hesitação, o número de horas trabalhadas, assegurando a manutenção do salário. Se, por um lado, esta redução seria um sinal de progresso e de justiça sociais, por outro, seria um elemento promotor da preservação dos postos de trabalho. Neste momento, em Portugal, e nas actuais condições, a redução do horário de trabalho para as 35h semanais seria também motor da criação de emprego em mais de 400 mil postos de trabalho.
Fica, assim, claro que as teses capitalistas do desemprego em massa e da flexibilização de horários e de regulamentação desmoronam como um castelo de cartas quando confrontadas com o forte sopro desta realidade.
No entanto, a concretização desta necessária redução não poderá estar desligada da luta de massas, motor insubstituível do progresso social. E é com esta pronúncia assumidamente alentejana que evoco, volvidos quase 60 anos, as lutas dos trabalhadores dos campos do Alentejo e do Ribatejo pela jornada de trabalho de 8 horas diárias, luta levada a cabo em condições extremamente difíceis e que constituiu uma vitória histórica arrancada ao poder fascista a aos grandes proprietários da terra, e que elas sirvam de inspiração aos trabalhadores dos dias de hoje nas suas lutas diárias e na justa reivindicação pela redução do horário de trabalho, pelas 35 horas de trabalho semanal para todos.