Esta tarde temos estado a discutir o sector bancário, nomeadamente as implicações neste sector, fruto da criação da União Bancária.
Talvez repita algumas ideias já aqui trazidas, mas permitam-me voltar ao projecto da união bancária antes de cingir a minha intervenção à supervisão bancária. No Relatório Anual do BCE sobre as actividades de supervisão, publicado em Março deste ano, Mario Draghi afirmou – passo a citar: « (...) a União Bancária não é um objectivo em si mesmo, mas um passo fundamental para a consecução de um mercado único europeu de serviços bancários e financeiros», fim de citação.
No mesmo relatório, o presidente do BCE afirmou taxativamente que só poderá haver moeda única se existir um sistema bancário único. Pois é, tal como noutros momentos da história da integração capitalista europeia para se salvar uma sanguessuga (sanguessuga da soberania, da independência e da liberdade para o nosso povo decidir sobre o seu próprio destino) criamos uma outra. Obviamente que, antes de se assumirem tão explicitamente, inventam desculpas esfarrapadas e procuram bodes expiatórios.
Foi assim com o mercado único de bens e serviços, foi assim com o euro e, mais recentemente, com a união dos mercados de capitais. As desculpas arranjadas para a criação da União Bancária foram, claro está, a crise financeira 2007/2008 e a chamada crise das dívidas soberanas, as quais revelaram a opacidade do sistema financeiro, a dispersão (segundo eles) das estruturas de supervisão e desequilíbrios macroeconómicos. Deste modo, a supervisão bancária (sob a forma do mecanismo único de supervisão) foi a prioridade da União Bancária.
Este mecanismo é constituído pelo BCE e pelas Autoridades Nacionais Competentes (no nosso caso, o Banco de Portugal) dos Estados-membros participantes. Anualmente, a supervisão bancária do BCE adopta um plano de actividades da supervisão para as instituições que supervisiona.
Este plano define, para cada instituição significativa, as principais actividades de supervisão que serão realizadas para acompanhar os riscos e abordar as deficiências. Identifica as instituições que deverão ser objecto de supervisão reforçada.
O plano de actividades de supervisão de uma instituição significativa abrange actividades de supervisão permanente, inspecções no local e análise dos modelos internos.
Importa mencionar que, relativamente às instituições significativas, o BCE desempenha um leque bastante alargado de funções: produção de regulamentação, orientações ou instruções gerais às Autoridades Nacionais de Competentes que desempenham a tarefa da supervisão diária, e adopta as decisões políticas.
Ademais, sempre que se revelar necessário o BCE pode actuar individualmente e pôr em prática todos os seus poderes sobre os bancos, com o intuito de assegurar a aplicação consistente dos padrões de supervisão.
Poderíamos, certamente, continuar a dissecar a supervisão bancária europeia e os seus inúmeros regulamentos, que parecem (ou assim nos levam a crer) funcionar como um bunker para refugiar os bancos e proteger os povos de novas crises financeiras.
Porém, e apesar de tal exercício se revelar muito entusiasmante, não teremos tempo hoje para o fazer. Mas, pergunto eu e possivelmente vocês também: se o Sistema Europeu de Supervisão Financeira existe desde 2011 e o Mecanismo Único de Supervisão se encontra operacional desde Novembro de 2014, como se explicam os casos do BES e do BANIF? Mais: onde estavam o BCE e o Banco de Portugal?
Que foi que aconteceu à supervisão, prioridade máxima? Bom, o BCE sacudiu a água do pacote e prontamente apontou o dedo aos Estados-membros e às autoridades nacionais.
Aqui, que todos nos ouvem (ou não porque a comunicação social não achou importante comparecer, ou achou que a ausência de estrelas televisivas não justificava uma deslocação a este belo local) é normalmente isto que as chamadas instituições europeias fazem.
Aliás, a suposta incompetência e laxismo dos Estados-membros servem frequentemente para retirar soberania e poder de decisão aos povos dos Estados-membros. O Relatório Anual das actividades de supervisão referente ao ano de 2015 apontou o dedo às faculdades e opções nacionais (que são disposições flexíveis de aplicação da regulamentação concedidas aos Estados-membros) e à aplicação inconsistente das disposições da legislação existente. Afirmam que a heterogeneidade afecta a comparabilidade dos rácios reportados e cria incerteza quando às reais posições de capital e de liquidez das instituições de crédito, afectando a coerência das decisões de supervisão.
A solução deles é fácil de adivinhar: harmonizar e integrar o sistema bancário ao máximo, de modo a alcançar uma supervisão bancária completamente supranacional.
O Banco de Portugal também diz que não se lembra, que não sabe, que não viu. Será? Não acreditamos. Infelizmente, o preço a pagar é alto, e muito! Mas sabemos que não é pago pelos banqueiros.
No imediato, mais exigências financeiras ao Estado (que, desta vez, esperemos e lutaremos para que não vá buscar ao bolso dos trabalhadores). E mais, a médio prazo a exigência será feita à soberania e à independência dos Estados-membros.
Não tenhamos ilusões. Mais regulamentação, mais harmonização e maior aprofundamento do mercado único não resolverão o problema. Porquê? Porque a ganância dos banqueiros e da alta finança não cessará.
Eles também o sabem, até porque o que eles querem na verdade é concluir o seu projecto de integração capitalista europeia: profundamente federalista e neoliberal. Para nós, a solução passa somente pelo controlo público da banca.