Nas últimas semanas temos vindo a ouvir de vários apoiantes da banca privada uma falaciosa e oportunista cantilena do «virai costas a Castela». Constatando o domínio crescente do capital espanhol na banca portuguesa, essas vozes, sem se erguerem contra a concentração capitalista no sector, ajudam a compreender a dimensão dessa concentração, de que esta invasão castelhana ou espanhola é apenas um sintoma.
Por alinhamento ou submissão às imposições da CE e do BCE, o Santander espanhol comprou em saldo o BANIF, o BPI vê-se na necessidade de alterar as suas ralações com Angola e está em vias de passar a ser controlado na totalidade pelo catalão CaixaBank (com trocas de outras posições nacionais para o capital angolano), o Novo Banco vê-se na perspectiva de ser comprado, certamente também em saldo, por capital espanhol (CaixaBank, Santander ou Sabadel), o retalho do Barclays foi adquirido por outro banco espanhol, o Bankuinter. Acrescentando estas movimentações do capital espanhol em Portugal às posições já por si detidas (MillenniumBCP, etc.), os bancos espanhóis ficarão com cerca de 45% dos activos da banca em Portugal.
No entanto, o problema da concentração do capital da banca nacional não está na nacionalidade do capital, que não tem pátria, mas na perda de soberania e de riqueza por Portugal e pelo povo português. A passagem do controlo da banca para mãos castelhanas ou angolanas, independentemente das preferências do amigo do rei Filipe agora instalado em Belém, ou do primeiro-ministro, é apenas parte do refrão da cantiga da entrega do sector financeiro nacional ao grande capital privado. Aliás, também nos seguros se assiste a uma aquisição em grande escala das empresas do sector por fundos ou capitais chineses e americanos na mesma lógica da delapidação do interesse nacional.
Desde o início da sua privatização, em 1989, os bancos portugueses deixaram de ter como objectivo central o desenvolvimento económico e passaram a procurar, sobretudo, o máximo lucro possível para distribuir pelos seus accionistas e pelos seus gestores.
Os argumentos que serviram de base às privatizações, a chamada «racionalização das transformações económicas e da modernização» mostraram ser uma mentira causadora de imensa dor e destruição.
Os principais grupos monopolistas resultantes do processo de privatizações do sector bancário (Espírito Santo, Champalimaud, BCP, BPI e Mello) foram a base, com apoio dos sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS, dos processos de aquisição de empresas e riquezas de todos os sectores económicos, em negócios em que intervieram como avaliadores e intermediários e, muitas vezes, como compradores pelos preços baixos da sua própria avaliação.
Segundo um estudo de Eugénio Rosa referente a 2013, os banqueiros, com apenas 29 898 milhões de euros de capitais próprios, controlavam 460 206 milhões de euros, dos quais 55% eram referentes a depósitos dos clientes.
Durante anos, os bancos privatizados arrecadaram lucros fabulosos – distribuíram 8 mil milhões de dividendos, uma proporção de quase um terço do seu capital! – cresceram para várias áreas e foram a base da concentração capitalista, articulando o seu poder económico com o poder político, passando a ter um papel decisivo na financeirização da economia e nas políticas que, mais recentemente, conduziram à crise financeira e ao descalabro da economia.
O prejuízo para o país resultante das privatizações pode ser avaliado também por outros números, além das riquezas e poderes perdidos e dos lucros que o Estado deixou de arrecadar. Segundo o Livro Branco do Governo PS/Sousa Franco, o Estado arrecadou com as privatizações do Sector Bancário do período 1989/1997, a preços actualizados, 3634 milhões de euros, ou seja, 3,6% do PIB. Segundo o que concluiu o BCE em 2015, o Estado português gastou a salvar bancos, no período 2008/2014, ainda sem contar os custos do BANIF, 19 mil e 500 milhões de euros, ou seja, 11,3% do PIB, bastante mais que o dobro.
Segundo o que escreveu o próprio Governador do Banco de Portugal no início deste ano, os sete maiores bancos distribuíram em dividendos, já em plena crise (2008-2010), cerca de 2000 milhões de euros. No mesmo documento esse mesmo supervisor, que devia fiscalizar a origem desse dinheiro, destacou o facto de o nível de imparidades registadas entre 2008 e 2014 ter atingido cerca de 40 mil milhões de euros, dos quais uma parte significativa não regressou aos bancos, obrigando estes a operações de recapitalização, muitas delas asseguradas pelo Estado.
Aliás, também segundo o Banco de Portugal, por força das imparidades, só os oito maiores bancos necessitavam já, em 2011, de uma recapitalização de cerca de 50 mil milhões de euros (num impacto de cerca de 30% do PIB), mas, até finais de 2014, as operações de recapitalização foram apenas de 18 456 milhões, dos quais 12 250 milhões em garantias e empréstimos do Estado.
Num debate sobre as novas regras da União Bancária, que passa grande parte das competências de supervisão para uma instituição não eleita e não controlada pelos povos, o BCE, importa lembrar o exemplo dos supervisores nacionais, igualmente não eleitos e mancomunados com os próprios banqueiros. Do ponto de vista democrático tem sido degradante assistir ao verdadeiro carrocel de amigos dos banqueiros nos lugares de administração do Banco de Portugal e da CGD, de onde depois saltam, como prova dos nove, para a Associação Portuguesa de Bancos (António Sousa, Faria de Oliveira, etc…).
A crise económica e financeira evidenciou que as instituições financeiras privadas, em vez da propagandeada robustez, têm vindo a ruir.
A crise tornou mais claro que os bancos privados não serviram os trabalhadores, as populações, as empresas e a economia nacional. Pelo contrário, foram utilizados para engrossar os lucros dos grandes accionistas e gestores, para acumular riqueza numas poucas famílias, para espoliar activos privados e públicos, para parasitar o investimento e o gasto do Estado e para especular no imobiliário e com a dívida soberana.
Desde a intervenção estatal no BPN, várias foram já as instituições financeiras em que os Governos PS e PSD/CDS esbanjaram recursos do Estado e elaboraram leis para salvar os banqueiros, a pretexto da defesa dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro. O colapso do BPN e os sucessivos problemas detectados na restante banca comercial, com destaque para o que se passou no BES e no BANIF, são elementos suficientes para ilustrar a irrazoabilidade e a obsessão doentia de classe de permitir que o sistema financeiro se mantenha gerido, detido e ao serviço dos grandes grupos económicos.
A Caixa Geral de Depósitos, apesar de muitas vezes negativamente gerida e espoliada pelos gestores nomeados para servir também esses grandes interesses, apesar dos desvios dos seus recursos para salvar fraudes como as do BPN mostra também, com a dimensão dos impostos pagos e os milhões de euros de dividendos arrecadados pelo Estado, ser uma excepção e um exemplo concludente de que a banca pública é a única via para se conservar o sistema financeiro nacional ao serviço do país e do seu povo.
Para o apoio à economia e à sociedade, para a gestão e controle da moeda e do sistema de crédito, que são bens públicos, e para manter um sistema bancário de base nacional essencial à sua independência, Portugal precisa de um sistema financeiro público, com bancos nacionalizados e ao serviço do país.
Mas a nacionalização não pode ser a dos prejuízos, como aconteceu no BPN e no BANIF, e não pode ser desinserida de orientações estratégicas ao serviço do país e da soberania nacional, como aconteceu no passado e como por vezes acontece com a CGD. É preciso nacionalizar desde já o BES e logo que possível outros bancos. Mas também é preciso socializar os bancos que se tornem públicos.