Quando, há 40 anos, a Constituição da República Portuguesa consagrou a subordinação do poder económico ao poder político democrático e quando, ainda hoje, mantém esses princípio fundamental no seu artigo 80.º, apesar das sete revisões constitucionais, a que acrescenta, no artigo 81.º sobre as incumbências prioritárias do Estado, que lhe cabe, no âmbito económico e social, «assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público» e «promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo, entre o litoral e o interior», tornou claro um caminho democrático de políticas públicas que deveriam ser o suporte do desenvolvimento progressista de Portugal.
Sabemos, no entanto, que não foi esse o caminho seguido por sucessivos governos e sucessivas maiorias na Assembleia da República, também com as consequências que são conhecidas. Os argumentos da defesa das privatizações da banca e de todo o sector financeiro, que o pretexto da adesão à então CEE nos anos oitenta do século passado as forças dominantes no país (PSD e PS com apoio do CDS) apresentaram como a solução para o crescimento económico, estão hoje completamente derrotados e desmascarados pelos sucessivos escândalos dos bancos privados, designadamente BPN, BPP, BES/GES e BANIF, a que se vão acrescendo outros, como a revelação dos documentos no âmbito dos Panama Papers a chamar a atenção para o papel dos centros offshore/paraísos fiscais para os grupos económicos e financeiros e outras organizações e titulares de fortunas que, na busca de rendimentos máximos ou da ocultação da proveniência ou destino do capital, desenvolvem operações de planeamento e engenharia fiscal, de «circularização» ou branqueamento de capitais visando aumentar os lucros além das limitações e imposições legais e fiscais dos países em que operam, bem como financiar ou obter proveitos da actividade criminosa.
Nada do que se está a passar é novo. Há dezenas de anos que o PCP e os seus eleitos nos vários órgãos institucionais têm denunciado estas situações e exigido que haja um controlo público da banca e se ponha fim aos paraísos fiscais. Sou testemunha disso, porque ao longo da vida o fiz inúmeras vezes. O PCP apresentou inúmeras vezes propostas que, se tivessem sido adoptadas, teriam salvaguardado o país, a sua economia, a maioria dos empresários, os trabalhadores e a população em geral da grave situação que vivemos.
Após a revolução de Abril, tivemos oportunidade de ver como os grupos económicos e financeiros durante o fascismo teciam teias claras entre si para criar esquemas complexos de fuga aos impostos, de fuga ou de branqueamento de capitais, bem como para concretizar operações financeiras entre empresas de forma a inflacionar artificialmente os lucros, ou ocultar dívida. Essas também foram razões que levaram, nessa época, às nacionalizações da banca e outros sectores fundamentais da economia, como a energia, e à intervenção pública em diversas empresas para impedir o seu encerramento, o desemprego, a fuga de capitais e para permitir apoio aos pequenos e médios empresários em condições vantajosas, no mínimo de igualdade com as grandes empresas.
Quando hoje estudiosos independentes consideram que haverá cerca de 70 mil milhões de euros portugueses em paraísos fiscais, ou seja, um valor idêntico ao que serviu de pretexto para a troika impor aos portugueses a política de regressão de direitos e de empobrecimento dos últimos anos, pode-se ver quão longe foram nesta política capitalista de concentração e centralização da riqueza que a União Europeia procura concretizar ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros e de que o BANIF é um triste exemplo. Se, a curto prazo, este caminho não for invertido, teremos a destruição do pouco que ainda resta de alavanca financeira pública e portuguesa para intervir na economia no sentido do que o artigo 81.º da CRP consagra, e que já referi.
A eficácia de políticas públicas de apoio ao desenvolvimento económico e social, designadamente através de um sistema fiscal e de um sistema jurídico e financeiro, exige que não haja zonas fechadas, onde o secretismo impera e onde tudo é permitido, como acontece com as ditas zonas francas, os offshores, os paraísos fiscais, e implica que o Estado disponha de meios de intervenção que assegurem a igualdade de oportunidades de forma a operar as necessárias correcções, seja das desigualdades sociais na distribuição da riqueza e do rendimento, seja das assimetrias territoriais, o que só será possível com a subordinação do poder económico ao poder político democrático, onde, como hoje volta a estar claro para vastas camadas da população portuguesa, haja o controlo público da banca e da generalidade do sector financeiro.
Só o controlo público da banca pode permitir a canalização de importantes meios financeiros para a produção e o progresso social, para a intervenção clara a favor das micro, pequenas e médias empresas, para o apoio a zonas carenciadas e sectores em dificuldade, para dificultar a fuga de capitais produzidos em Portugal.
A apresentação de vários projectos de lei por parte do Grupo Parlamentar do PCP é já um instrumento muito válido e contributo importante para impedir que continue a actual situação.