Intervenção de Miguel Tiago no plenário da Assembleia da República, na apreciação final do Relatório da Comissão de Inquérito ao processo de venda e resolução do BANIF.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, dirijo uma saudação ao Sr. Presidente da Comissão, Deputado António Filipe, e aos Vice-Presidentes pela forma como os trabalhos decorreram e foram dirigidos pela mesa da Comissão de Inquérito, aos Deputados que a constituíram, aos Deputados coordenadores, ao Sr. Deputado Relator, pelo trabalho que teve, aos funcionários da Comissão e dos grupos parlamentares pelo contributo importantíssimo que deram para o seu funcionamento. Os trabalhos da Comissão, como, aliás, já foi aqui referido, decorreram no âmbito do objeto fixado e possibilitaram à Assembleia da República e aos portugueses o conhecimento e o apuramento de factos determinantes no processo BANIF, denunciando e expondo a natureza da banca privada e das suas operações, apesar de ter havido um grupo parlamentar — que, aliás, hoje, não mudou o discurso, pelos vistos até o agravou — que tentou boicotar, achincalhar e amesquinhar os trabalhos da Comissão desde o primeiro dia de reuniões. Esse Grupo Parlamentar foi o do PSD, que teve nesta Comissão um comportamento bastante diferente daquele que teve na Comissão de Inquérito do BES, em que não foram apuradas responsabilidades políticas, limitandose a criar um demónio na banca e a ilibar todos os políticos responsáveis pelo sistema financeiro português. Aí, sim, houve o apoio do PSD, porque não se responsabilizou, ao contrário do que se passou com o PCP, que votou contra esse relatório da Comissão de Inquérito do BES precisamente por ter ilibado e apagado as responsabilidades políticas, o que foi conveniente para o PSD e para outros governos do PS e do PSD, com ou sem o CDS. Esta Comissão evidenciou, com uma clareza até maior do que o habitual, não só as contradições existentes entre as normas de funcionamento do sistema financeiro e o interesse nacional mas também as contradições inerentes ao funcionamento da União Europeia, das suas instituições, e a forma como contrastam com o interesse e a soberania nacional, desde o início do processo, desde a interação com o Governo PSD/CDS até à interação com o atual Governo e com a própria Comissão de Inquérito. A opacidade, o atraso, a forma como as instituições europeias lidaram com todo este processo e a própria arbitrariedade demonstram bem que a democracia não é compatível com o afastamento do poder, principalmente do poder sobre o sistema financeiro dos cidadãos. Esta Comissão expôs com muita clareza as responsabilidades do anterior Governo. Aliás, a forma como o Relatório não se furta a detalhar as responsabilidades de cada um dos governos durante os seus mandatos no processo BANIF é o principal motivo pelo qual o PCP vota favoravelmente o Relatório em todas as suas partes. Hoje, não podíamos deixar de relembrar as responsabilidades constantes do Relatório e que a Comissão apurou no que toca ao anterior Governo e à forma criminosa como ele lidou com o caso BANIF. Aliás, não só deu ao BANIF 1100 milhões de euros sem qualquer contrapartida como não tomou nenhuma medida para devolver o Banco a um rumo de sustentabilidade e de viabilidade, o que, aliás, por aquela altura, como a própria DGComp veio depois a confirmar, já seria de todo impossível. Ora, o anterior Governo não só não fez isso como deliberou não intervir no Banco a favor do interesse público, permitindo que o acionista privado continuasse a geri-lo, apesar de, naquela altura, todo o capital da instituição já ser público. O BANIF foi assaltado, mas não foi por encapuzados, foi por engravatados, que eram os acionistas, a gestão e a administração do próprio Banco. E foi assaltado nas «barbas» do Banco de Portugal, que funcionou como o biombo que não permitiu aos portugueses e aos depositantes perceberem que o seu dinheiro estava a ser levado para fora daquela instituição e permitiu que o anterior Governo disponibilizasse 1100 milhões de euros dos portugueses para colocar num Banco que era um autêntico sorvedouro. Portanto, o Banco de Portugal, o regulador, funcionou mais como uma agência publicitária do BANIF que ia dizendo que tudo estava bem quando o BANIF estava num rumo de falência anunciada e, ao mesmo tempo, funcionou como a mão dos bancos junto da opinião pública, e não como a mão dos portugueses junto dos bancos, que é aquilo que convencem os portugueses que o Banco de Portugal é. Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sobre as situações que persistem e que devem merecer ainda a atenção da Assembleia da República, além das iniciativas que já estão a ser discutidos na especialidade, dirijo uma palavra aos trabalhadores do BANIF e a todos aqueles que foram diretamente lesados, onde também se incluem os portugueses, os contribuintes e os trabalhadores portugueses. É preciso agora salvaguardar e defender os direitos dos trabalhadores do BANIF e dos contribuintes, mas também é preciso garantir que, de uma vez por todas, este ciclo de falências pago pelos portugueses cesse, e isso só mesmo com o controlo público da banca para impedir que os tais engravatados continuem a geri-la a seu bel-prazer.