Queria desde já agradecer a valiosa contribuição de todos os que aqui partilharam as suas opiniões sobre questões de fundo que atravessam a sociedade portuguesa, do mundo do trabalho às relações económicas e sociais.
Opiniões sobre questões incontornáveis e de enorme actualidade.
O Povo e o País estão a ser sacudidos por uma inflação mais elevada do que se chegou a admitir, mais prolongada do que alguns anunciaram e seguramente mais injusta na distribuição dos seus impactos do que nos querem fazer acreditar.
O ponto de partida para este debate foi o texto de Marx, “Salário, Preço e Lucro”.
Um texto elaborado para uma palestra que proferiu em duas sessões no mês de Junho de 1865 perante o Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como Primeira Internacional.
A palestra de Marx surgiu da necessidade de orientar a actividade prática da Primeira Internacional e contribuir para a compreensão em toda a sua essência do funcionamento do capitalismo.
Para alguns parecerá estranho trazer para a actualidade um escrito com cerca de 150 anos.
Marx deu e dá um contributo decisivo para a ciência económica, para a compreensão dos processos e das leis económicas, dos factos e acontecimentos que marcaram a marcha da humanidade. Aspectos centrais para quem queira intervir sobre a realidade, para lá da conjuntura e aparência das coisas.
Nessa Primeira internacional havia alguém (Sr. Weston) que defendia que não valia a pena os trabalhadores e os sindicatos lutarem pelo aumento de salários, porque esse aumento faria subir o preço das mercadorias.
Ou seja, o que os trabalhadores ganhavam com a subida dos salários perdiam quando compravam mais caros os bens necessários à sua sobrevivência e, assim sendo, mais valia ficarem quietos.
O Relatório de Marx lido nessa reunião desmonta a falsidade dessa argumentação e põe em evidência a importância das lutas «económicas» e políticas que os trabalhadores necessitavam de fazer.
Um espantoso documento e um primeiro enunciado da teoria da mais valia.
Não deixa de ser curioso que, passados mais de 150 anos, haja quem neste mundo, inclusive em Portugal, se apresente como inovador e continue a afirmar que a subida de salários produz subida dos preços, que alimenta a inflação e produz desemprego.
A subida de salários é o mal e o lucro do Capital é intocável, é esta a velha máxima.
Como escreve Marx, «Uma subida geral dos salários resultaria, portanto, numa baixa da taxa geral do lucro, mas não afectaria os valores» das mercadorias.
Aí está, nenhuma lei obriga a que os preços das mercadorias subam com a evolução dos salários, há sempre a possibilidade dos lucros descerem.
Mas como verificamos todos os dias, o tal Sr. Weston deixou muitos herdeiros em Portugal e no mundo.
De Costa a Montenegro, de Lagarde a Ursula Von der Leyen, de Centeno a António Saraiva.
Quando ouvimos falar agora do travão ao crescimento dos salários para não alimentar a “espiral inflacionista”, percebemos o velho e revelho raciocínio.
Raciocínio também usado quando a inflação disparou nos últimos anos da ditadura fascista de Marcelo Caetano, fruto da guerra colonial e de uma economia que também então crescia.
Comentava então Álvaro Cunhal em entrevista à Rádio Portugal Livre, em Janeiro de 1972: «Marcelo Caetano, tocando o velhíssimo disco do “ciclo infernal”, diz agora ter descoberto que a raiz de todas as dificuldades, o “cancro” (como logo lhe chamou) (…) é a inflação e que a inflação é provocada pela “perigosa mentalidade das reivindicações” dos trabalhadores.»
Os trabalhadores, reclamando o «impossível», seriam, no fim de contas, os responsáveis da alta de preços e do «processo inflacionário».
Independentemente da forma e do tom de cada um, nunca questionam a dimensão do sagrado lucro dos grupos económicos e das multinacionais.
Ai de quem lhe toque. Nem ao de leve com uma leve taxa de IRC. Os seus valores do lucro são definidos pelos divinos «mercados» e logo incontestáveis… Os salários não.
Os salários são o preço de uma mercadoria a regular pelo Estado, a negociar pelo capital na concertação social.
Nos jogos de sombra que o capital promove nos media, os lucros nada têm que ver com salários nem com os preços das mercadorias e serviços que a força de trabalho produz.
É ver os ressabiados editoriais e analistas contra quem contesta a dimensão escandalosa dos lucros da GALP, da EDP, da REN, da Jerónimo Martins, da SONAE, da banca ou das muitas multinacionais instaladas no nosso País.
Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, não sabe «o que são lucros excessivos» e fala de «uma campanha ideológica contra os lucros da banca».
Afirmações absolutamente notáveis depois de a banca afixar 2,6 mil milhões de euros de lucros em 2022, 71% de aumento face a 2021. Um crescimento brutal da margem financeira, 9,5 vezes superior à média europeia.
Portugal ocupa o 2.º lugar dos que menos pagam pelos depósitos e o 8.º que mais cobra nos empréstimos. É encher dos dois lados, aliás encher por todo o lado como é o caso das injustificadas comissões bancárias.
A ver pelos valores conhecidos neste 1.º trimestre, a banca vai subir os resultados em 2023, sendo que para eles nunca são suficientes.
Segundo a Associação Portuguesa de Bancos: «Tudo o que for abaixo de um lucro de 3 mil milhões de euros significa que a banca não está a obter rentabilidade suficiente».
Um objectivo à custa dos salários, do poder de compra, do PIB do País, do investimento, das exportações e da evolução da economia portuguesa.
O surto inflacionista com que lidamos desde 2021 surge na fase terminal da pandemia e antes da intensificação da guerra na Ucrânia.
Como aprendemos com Marx, a causa principal da inflação está na redução da oferta causada por dificuldades no aparelho produtivo, nomeadamente a falta de investimento pelos capitalistas e/ou da deslocação do capital para operações/especulações financeiras mais rentáveis (altas taxas de juro), ou mesmo outras perturbações extraordinárias nos aparelhos produtivo e de distribuição das mercadorias, como sucedeu com a pandemia, a guerra e agora as sanções.
E é esta a realidade a que se associa o descarado aproveitamento pelos grupos económicos monopolista e oligopolistas, produtores e fornecedores de bens essenciais, com forte poder de mercado, para fazerem crescer margens comerciais e mesmo praticarem preços especulativos. Estudos e análises realizadas por chamadas insuspeitas entidades – como o BCE e o Banco de Portugal – confirmam que, para além da inflação, há o aproveitamento da inflação.
A receita do grande capital – como ficou aqui demonstrado ao longo da tarde – é a contenção dos salários e do investimento, e a subida acelerada das taxas de juro como está a fazer o BCE.
Ou seja, a protecção dos lucros e interesses dos grupos económicos e das multinacionais, e o arraso das condições de vida e empobrecimento dos trabalhadores e do povo.
Um caminho que atinge a actividade económica, as micro, pequenas e médias empresas e também o País, cujo endividamento externo é grande e conhecido.
Não é possível combater este surto inflacionista, sem fazer frente às causas que estão por detrás da subida dos preços.
Como temos insistido, é urgente o aumento geral dos salários e das pensões, recuperando o poder de compra perdido e pôr fim ao empobrecimento imposto à generalidade do Povo.
O Governo PS, tal como PSD, CDS, Chega e IL, rejeita todas as propostas que possam confrontar os interesses do Capital, optam por medidas pontuais e assistencialistas, pequenos apoios que, sendo úteis para quem os recebe, não resolvem os problemas de fundo nem tocam numa distribuição da riqueza profundamente injusta e que se está a aprofundar.
A chamada agenda para o trabalho digno, já hoje aqui desmascarada, passa ao lado dos problemas centrais e mais não é que um novo instrumento para aprofundar a exploração mesmo que envolvidas em palavras mansas e enganosas.
O aumento dos salários é uma emergência nacional, já era antes deste surto inflacionista, e ainda mais agora com a corrosão do poder de compra. É urgente desde logo dar condições aos jovens para permanecerem no País, contrariando a elevada emigração, e para constituírem família se for essa a sua opção, para responder ao défice demográfico com que estamos confrontados.
Isso faz-se com melhores salários, vínculos efectivos, melhores condições laborais.
É aumentando os salários que podemos impedir que trabalhadores vivam em situação de pobreza.
Se toda a pobreza deve ser combatida, a pobreza que afecta aqueles que têm um contrato de trabalho demonstra com particular crueza quão baixos são os rendimentos e a urgência de os aumentar.
Uma política que exige uma opção pelos interesses dos trabalhadores, por aqueles que produzem a riqueza e são a larga maioria da sociedade.
Uma condição de desenvolvimento e determinante para uma mais justa distribuição da riqueza.
Uma opção claramente em confronto com os interesses dos grupos económicos e das multinacionais.
Uma opção de ruptura com o modelo económico assente nos baixos salários, na precariedade e na desregulação dos horários e com a legislação laboral que lhe está associada.
Uma opção pelo aumento imediato do Salário Mínimo Nacional para os 850 euros e um significativo aumento do salário médio, concretizando a convergência com a média da zona Euro em cinco anos. Uma opção pela valorização das profissões e das carreiras e o aumento dos salários na Administração Pública.
Uma opção que exige a regulação dos preços dos bens e serviços essenciais.
Assistimos à mistificação de que a redução dos preços se alcançaria com a diminuição dos impostos.
A redução do ISP nos combustíveis, ou o IVA zero em vários produtos alimentares, revelam a falácia desta conversa. Não travaram o aumento dos preços nestes meses, diminuíram a receita fiscal e asseguram os lucros escandalosos dos grupos económicos e das multinacionais.
A regulação dos preços de bens e serviços essenciais é possível e necessária no actual contexto.
É isso que propomos em relação aos alimentos e às margens da grande distribuição, à energia, às telecomunicações, à habitação, aos empréstimos bancários que sufocam mais de um milhão e cem mil famílias com o agravamento das taxas de juro.
O Estado deve intervir no mercado, não para beneficiar os grandes interesses como tem feito. O Estado tem de intervir para proteger o povo face à inflação, as micro, pequenas e médias empresas face à predação dos grupos monopolistas, os pequenos produtores agrícolas e os pescadores face ao aumento dos custos dos factores de produção.
O PCP não prescinde de uma política fiscal mais justa. Uma opção que alivie os trabalhadores e o povo, e que taxe efectivamente o grande capital, nomeadamente a taxação extraordinária dos lucros escandalosos.
Há que combater e conter os impactos da inflação, mas a realidade impõe também medidas que procurem combater as suas causas.
A crescente dependência do País face ao estrangeiro, os défices estruturais existentes, particularmente o défice produtivo; o domínio do capital monopolista sobre os sectores estratégicos da economia nacional que, por via das privatizações, expropriaram o País de instrumentos de intervenção económica em áreas estratégicas; a submissão ao Euro e perda de soberania monetária e de um banco central soberano, com capacidade de emitir moeda, definir taxas de juro e taxas de câmbio, transformaram Portugal num País cada vez mais periférico e exposto às instabilidade e disrupções que marcam a economia internacional.
Este caminho, mais do que o «escudo protector» que alguns anunciavam, transformou o nosso País num dos elos mais fracos.
O combate às causas da inflação requer, tal como noutros domínios, a ruptura com a política de direita.
Pressupõe uma política de Estado que valorize a produção nacional, promova a substituição de importações limitando o mais possível a “inflação importada” e reduzindo a dependência externa.
Requer, como temos afirmado, a recuperação do controlo público de empresas e sectores estratégicas que estão hoje no fundamental nas mãos dos grupos económicos nacionais e do capital estrangeiro. Uma ruptura que não prescinde de avançar no sentido da recuperação de instrumentos de soberania orçamental, cambial e monetária.
Portugal, deve assegurar a diversificação da sua actividade económica e das suas relações externas, deve utilizar os recursos disponíveis e a criar para aumentar o bem estar dos trabalhadores e do povo, deve pugnar por uma política de paz e cooperação contrária à perigosa escalada que está em curso.
É este o caminho que serve ao País e não o de alinhamento com os interesses do imperialismo de confrontação, guerra e sanções que estão a contribuir para o aumento dos preços; assim como não serve o País a sujeição a critérios draconianos de compressão da dívida, do défice da subida das taxas de juro por parte do BCE.
A submissão do País, incluindo com a mobilização de recursos nacionais para a intensificação da guerra, tem também um custo económico e social que é pago e está a ser pago pelos trabalhadores e o povo português.
Gostaria de terminar com uma das questões suscitadas pela obra que hoje aqui nos trás, “Salário, preço e lucro”.
É que Marx não se limitou a desvendar os principais mecanismos de funcionamento do capitalismo, já de si de uma extraordinária importância.
Identificou a questão decisiva, os trabalhadores não são, não podem ser apenas espectadores do mundo.
Da sua força, da sua unidade, da sua luta depende não apenas a melhoria das suas condições de vida, mas também a evolução do rumo da história, no confronto com as injustiças e a exploração e na afirmação de uma sociedade mais justa, democrática e progressista, de uma sociedade sem exploradores nem explorados.
A luta dos trabalhadores, o papel do movimento sindical unitário que hoje foi aqui destacado, é um elemento incontornável da actualidade.
A obra de Marx “Salário, Preço e Lucro” cumpre um duplo papel. Tanto valoriza a luta dos trabalhadores pelo aumento de salários quanto mostra as limitações dessa luta colocando a necessidade da luta política mais geral pela superação do capitalismo.
Nessa luta pela transformação da sociedade, a classe operária e todos os trabalhadores encontrarão ao seu lado o Partido Comunista Português.
Um Partido que se assume pelo seu percurso, pela sua ideologia, pela sua prática, pelo seu projecto, como a grande força portadora de uma política alternativa patriótica e de esquerda.
Que se assume como força agregadora dos que assumem a necessidade de romper com a política de direita, como o Partido dos valores de Abril, colocando-os como elementos incontornáveis da democracia avançada pela qual lutamos, tendo no horizonte o socialismo e o comunismo.
Viva o Partido Comunista Português