Boas tardes a todos, amigos e camaradas,
O conteúdo das 2 palestras de Karl Marx «Salário, Preço e Lucro» representa já uma síntese das suas reflexões – poderíamos dizer das suas descobertas - sobre a lógica dinâmica do processo histórico de acumulação capitalista.
De certa forma, o equivalente ao ADN do Capitalismo. Estávamos nos primórdios do Capitalismo industrial e havia distintas formas de explicar os respectivos fenómenos. Muito em particular a relação entre salários e lucros.
Dito isto, embora a «taxa de lucro» que é referida neste texto por Karl Marx seja, em rigor, aquilo que ele mesmo veio a chamar de «taxa de exploração» (ou de sobrevalor), assinalando a sua queda tendencial em resultado do crescimento da força produtiva dos trabalhadores, o fenómeno da evolução tendencial da «taxa de lucro geral» era uma banalidade empiricamente constatada por todos os analistas de então e está assim subjacente a toda a discussão do tema que aqui nos traz.
O economista David Ricardo procurara explicar o fenómeno da recorrente queda tendencial da taxa de lucro, de um modo que tinha implícita a ideia de que para aumentar os salários teriam que se reduzir os lucros. Como se o «bolo económico» societal fosse uma constante ditada por alguma «Lei da Natureza» e não houvesse, já então, uma permanente progressão tecnológica e aumento da produtividade societal daí decorrente.
Pois bem, era neste contexto que o cidadão Weston, sindicalista referido e criticado por Marx, defendia a ideia Ricardiana de que seria inútil o combate pelo aumento dos salários já que a resposta seria, naturalmente, um aumento geral dos preços, por parte dos capitalistas, para que, desse modo, permanecessem intactos os lucros do Capital
Na sua crítica às teses Ricardianas, Marx faz uso, até pedagógico, das suas inovações teóricas, cruciais para uma adequada compreensão da dinâmica de acumulação do Capital. A primeira destas inovações teóricas é o conceito, até então ignorado, de «força-de-trabalho», de que resultam os conceitos derivados de «sobretrabalho» e de «taxa de exploração», assim como, ainda que modo implícito, os conceitos fundamentais de «capital constante» e «capital variável» (em vez das tradicionais categorias da Economia Política de raiz burguesa, «capital fixo» e «capital circulante»).
Devo assinalar que nas 2 palestras que estão na origem do seu livrinho, Marx quase não utiliza a expressão «taxa de exploração» e, em vez disso, usa em seu lugar, quase sempre, a expressão «taxa de lucro», com a justificação de que, dessa forma, denúncia, ou explícita com mais clareza, a ocultação do modo como os capitalistas arrancam trabalho gratuito, dos seus trabalhadores assim explorados.
Vejamos então, com um mínimo de detalhe, outras inovações teóricas que se consideram cruciais para o entendimento da dinâmica de acumulação capitalista. Constituem aquilo que poderemos designar por «Ontologia Marxiana».
No caso do então inovador conceito de «força-de-trabalho» trata se simplesmente do conceito ou categoria analítica que permitiu a Marx resolver o problema, aparentemente paradoxal, da Teoria Laboral do Valor.
Consistia esse paradoxo no raciocinio circular subjacente à questão de que «se era o trabalho aquilo que determinava o valor de todas as mercadorias, como se poderia determinar o valor do trabalho?»...
Ao considerar a força-de-trabalho como sendo a mercadoria de que os trabalhadores são de facto proprietários e que é, por eles,
vendida ou alugada, então Marx concluia que, como todas as mercadorias, o valor da força-de-trabalho seria determinado pelo binómio «tempo-energia» gastos na obtenção, manutenção e reprodução da força-de-trabalho de cada membro das classes trabalhadoras.
Falo aqui num binómio «tempo-energia» para significar os diversos tipos de capacidades, conhecimentos técnicos ou especializações profissionais e aos respectivos tempos de «aprendizagem, estudo e exercício», até o trabalhador estar apto a desempenhar determinadas funções profissionais.
Em termos comuns, ao falarmos daquilo que é necessário para criar, manter e reproduzir a «força-de-trabalho», estaremos a falar dos múltiplos bens necessários à vida corrente dos membros das classes trabalhadoras.
Ainda no contexto da aqui chamada «Ontologia Marxiana», temos a distinção – também ela crucial – entre «capital constante» e «capital variável».
Trata-se de uma das descobertas ou inovações mais importantes de todo o labor intelectual de Marx, pois que são esses dois conceitos que permitem descortinar (ou esclarecer) como aparece o conceito, também ele fundamental de «mais valia» ou sobrevalor.
Enquanto que o «capital constante» não é mais do que o trabalho acumulado de anteriores gerações de trabalhadores, o qual por isso mesmo é por vezes designado por «trabalho morto ou acumulado» e que, por conseguinte, não faz mais do que transferir parcelas do valor que está aí já materializado, para as novas mercadorias que vão sendo produzidas,
O «capital variável» (que é muitas vezes designado por «capital vivo») esse sim, tem a capacidade de acrescentar valor ao valor que já existia, sendo esse «valor acrescentado» o fruto do trabalho actual, vivo, corrente, que é de facto despendido pela geração activa de trabalhadores.
Entretanto, e num primeiro momento analítico, verificamos que os capitalistas se apropriam de mercadorias produzidas pelos seus trabalhadores sem que, em rigor, as tenham pago, em
termos de um equivalente monetário da riqueza material efectivamente produzida por esses seus trabalhadores. Tudo de forma legal e dentro dos parâmetros da moral e da justiça prevalecentes, pois que o capitalista será suposto pagar a força-de-trabalho pelo seu valor real efectivo, ou seja, o valor equivalente ao valor de todas aquelas coisas (bens e serviços) que são necessários para a manutenção e reprodução da respectiva força-de-trabalho.
A este respeito, já assinalava Marx que um embaratecimento destes artigos de primeira necessidade, corresponderá a um possível aumento do valor efectivo dos salários. Mas o contrário é também possível. Ou seja, o encarecimento dos tais «artigos de primeira necessidade» (casa, comida, vestuário, energia e transportes, para citar apenas os mais prementes), que é cada vez mais visível na actual conjuntura, corresponde a uma efectiva desvalorização desses mesmos salários.
Só que, entretanto, os membros da classe dos capitalistas, pelo menos aqueles que, o mais de útil que fazem, é gerir os processos de produção de riqueza, confrontam-se com a necessidade de realização efectiva dos valores que vão sendo produzidos.
Ou seja, de um ponto de vista dos donos do Capital, vai ser necessário converter em dinheiro circulante, todas aquelas mercadorias que os trabalhadores lhes entregaram a troco do aluguer das respectivas forças-de-trabalho. Por outras palavras, de um ponto de vista dos donos da fracção do Capital que designamos por «capital constante», não basta produzir riqueza, é preciso vendê-la para realizar os lucros e continuar no processo de acumulação.
A respeito desta necessidade de concretização das vendas para realização do objectivo último da produção capitalista, levanta se o problema do poder de compra efectivamente disponível e, ainda a esse respeito, neste seu livrinho Marx assinalava já a relativa incapacidade, por parte das classes possidentes de capital, de realizar a totalidade do sobrevalor produzido, recorrendo à produção e venda de mercadorias superfluas. Por outras palavras, e segundo o próprio Marx, já no seu tempo seria
notório o facto de que o mercado de luxo não teria dimensão suficiente para dar vazão a toda a riqueza societal que vai sendo produzida.
Temos então que os capitalistas, no seu conjunto como classe, vão ter que converter em dinheiro todas as mercadorias, correspondentes ao sobretrabalho que os trabalhadores, no seu conjunto como classe, lhes entregaram em troca dos seus salários.
E é aqui que começam os problemas da realização do capital que fora «empatado» na produção. Ou seja, os «valores» produzidos têm que ser transformados em «preços» e estes «preços» traduzidos em dinheiro. Para essa tradução ou conversão dos preços em dinheiro contado é preciso que haja uma procura solvente, como diria mais tarde um certo Keynes. Seja como for, e no que diz respeito às recorrentes, ainda que por vezes ligeiras, variações dos preços, aquilo que temos, ao fim e ao cabo, é uma instrumentalização dos preços como veículos de captura de fracções acrescidas dos valores que vão sendo criados pela força
de-trabalho das classes trabalhadoras.
Básicamente é isso que procuram fazer todos os responsáveis pela gestão de preços e produtos das grandes empresas transnacionais: manipular preços de modo a maximizar quotas de mercado, assim como as vendas e lucros daí resultantes.
Mas voltemos ainda àqueles conceitos fundamentais referidos, ou sugeridos, por Karl Marx, que se consideram necessários para uma adequada compreensão da lógica dinâmica subjacente ao processo de acumulação capitalista, assim como para uma sua eventual mas necessária, superação.
Vimos que em primeiro lugar se destacam as noções ou conceitos de «capital constante» e «capital variável», sem os quais conceitos não é possível olhar o sistema capitalista e ver a lógica da sua evolução. Sabemos já que o «capital constante» não é mais do que a riqueza material que terá sido o resultado de trabalho acumulado, herdado de gerações de trabalhadores que nos antecederam.
Sabemos também que o «capital variável», por um lado, começa por ser aquilo a que modernamente se tornou elegante designar por «capital humano» mas que, por outro lado e para efeitos da nossa análise, acaba sendo a capacidade aquisitiva, por parte dos donos de capital constante, para pagar a força-de-trabalho de que são proprietários os membros das classes trabalhadores.
Sendo que essa capacidade aquisitiva, por parte dos diversos tipos de empresários capitalistas, se nos apresenta sob a forma de capital financeiro, por vezes sob a máscara de crédito bancário o qual, muitas vezes, mais não deveria ser do que a representação simbólica e equiproporcional da riqueza material, entretanto acumulada sob o controle dos donos de Capital.
Ou seja, podemos assumir que o conceito de «capital variável» terá como que duas instâncias (ou faces de uma mesma moeda): Por um lado é a força-de-trabalho disponível, por outro lado é o capital financeiro que vai – ou não – dar uso, dar emprego, a essa força-de-trabalho em busca de emprego e utilização.
Entretanto, a este respeito, deve salientar-se que toda esta análise de Marx, embora faça algumas referências à questão do dinheiro, tem como base o referente material que é constituído pelos metais preciosos, designadamente o ouro e a prata. Isto sucedia (no tempo de Karl Marx) e poderá continuar a suceder, na medida em que a quantidade limitada ou escassez física do ouro e prata na crosta terrestre, leva a que os seus custos de extração e refinação possam servir como referentes, razoavelmente estáveis, da «essência» substantiva do valor, sob a forma do binómio «Tempo-Energia» necessários para a sua produção, até estar ao dispor dos bancos centrais, por exemplo.
Isto para referir, mas sem entrar aqui em detalhes, a questão do papel-moeda e da inflação.
No capítulo final deste seu livrinho «A luta entre o Capital e o Trabalho», Karl Marx diz-nos a certa altura «tendo demonstrado que um aumento geral de salários resultaria numa diminuição da taxa geral de lucros, sem afectar porém os preços médios das mercadorias, nem os seus valores.»
Temos que lembrar que aqui Marx se refere, não à taxa de lucro no sentido em que veio a usar essa expressão nos livros de «O Capital», mas sim querendo significar «taxa de sobrevalor» ou
«taxa de exploração». Em resumo, quanto maior a taxa de exploração, maior a taxa do lucro.
Pois bem, neste contexto, vejamos agora – de um modo sintético e até de acordo com as cicunstâncias desta terceira década do século XXI - os vários processos de interacção dinâmica entre os já referidos conceitos fundamentais da abordagem Marxiana.
De certa forma tudo se resume a uma equação matemática, aparentemente simples mas, na realidade, razoavelmente complexa. Estou a referir-me à equação que representará a interactuação das diversas variáveis em jogo: capital constante, capital variável, taxa de exploração ou de sobrevalor, composição orgânica do capital e taxa geral de lucro, sendo que a composição orgânica do capital acaba por representar a relação dinâmica matemática entre capital constante e capital variável.
Aqui chegados diriamos então que a «taxa geral de lucro é igual à taxa de exploração a dividir pelo somatório da composição orgânica do capital, mais um». Por outras palavras, «r = e / (k + 1)».
Desta equação se poderá dizer que é como que uma síntese das muitas e detalhadas explicações para as variadas possibilidades de evolução da taxa de lucro, que se podem encontrar ao longo de todo o Livro III de «O Capital».
Temos assim que para que aumente a taxa geral de lucro, ou que pelo menos esta não caia, é preciso pelo menos uma de três condições: ou o aumento bruto dos tempos de trabalho, ou uma intensificação dos ritmos de trabalho ou uma redução dos salários, ou uma combinação destas três situações, para que em qualquer dos casos, resulte um aumento da taxa de exploração. Ou seja, em consequência disso, sempre que aumente a taxa de
exploração tenderá a haver um aumento da taxa geral de lucro. Daquele processo de interacções entre as variáveis envolvidas, com a sua evolução inter anual, vem a resultar uma oscilação recorrente em volta de uma possível «taxa de equilíbrio». Tem sido essa oscilação recorrente que tem sido aproveitada por alguns críticos da análise Marxiana do capitalismo, para defenderem a ideia de que afinal não haveria uma tendência histórica, global ou de longo prazo, para a queda da taxa de lucro,
pois que – segundo esses críticos – a «coisa» teria resultado numa indeterminação.
Esquecem sempre – esses críticos – que está ali subjacente, naquela equação, uma contradição fundamental entre, por um lado, a poupança forçada, imposta às classes trabalhadoras e, por outro lado, a relativa insuficiência de consumo, por parte das classes possidentes de Capital, em particular os seus segmentos mais parasitas.
Ás situações recorrentes que vão resultando dessa contradição, uns chamam «crises de sobreprodução», outros «crises de subconsumo».
Considerando que é a perspectiva holística aquela que perpassa pelas páginas do Livro 3 de «O Capital» (aliás de toda a obra de Marx), vejamos agora toda esta questão de um ponto de vista da globalidade do subsistema económico, parte do sistema mais amplo constituído pelas interacções entre a Humanidade como um todo e o seu meio ambiente planetário.
Olhando para o sistema capitalista na sua globalidade e tendo em conta os referidos conceitos básicos, poderemos constatar que na sua permanente interacção com a Natureza, por meio da aplicação de diversas formas de Energia na transformação de Matéria, a Humanidade tem vindo sempre sendo capaz de produzir «bens» ou «mercadorias», para lá das suas necessidades imediatas. Assim sendo, da totalidade da produção económica temos que dos bens produzidos, uns podem ser qualificados de «necessários», enquanto outros poderão ser qualificados de «excedentes».
Ao longo da sua história de milénios têm sido vários os sistemas institucionais de apropriação e disposição dos bens qualificados como excedentes. Em regime capitalista, são basicamente os capitalistas, muitas das vezes por intermédio dos seus mandatários institucionais, quem decide do destino a dar a esses excedentes.
É aqui, neste «nó górdio» de qual o destino a dar aos excedentes, que reside o «ponto crítico» da estabilidade do subsistema económico. Básicamente esses excedentes ou vão para o consumo ostentatório das classes possidentes mais parasitárias, ou vão para consumo destrutivo de material de guerra ou, do mal
o menos, para a acumulação de Capital, sob a forma de «capital constante» ou sob a forma de capacidade aquisitiva de «capital variável».
Em todo o caso, aquilo que se tem vindo a observar, ao longo dos séculos (ainda que de modo irregular ou «aos altos e baixos») é um uso crescente da Natureza, os chamados recursos naturais, assim como a uma eficiência crescente, nessa interacção com a Natureza, por via da acumulação contínua de Ciência e Tecnologia.
E assim voltamos a um novo ciclo de aumento da produtividade, com aumento da produção de excedentes e a necessidade da sua venda ou consumo mercantil. É daqui, desde ciclo vicioso que vêm a resultar crises de sobreprodução e/ou subconsumo ou também os chamados «ciclos de destruição criativa» que Schumpeter descreve mas que, em rigor, não explica.
Relativamente a esta questão de quem decide sobre o destino a dar ao excedente económico que vai sendo produzido, vale a pena referir aqui uma célebre passagem d’O Manifesto. Parafraseando Marx e Engels, «Por conseguinte, na sociedade capitalista o passado controla o presente e na sociedade comunista o presente controla o passado».
Para concluir esta brevíssima reflexão sobre o tema que nos foi proposto, faltar-nos-ia abordar a questão da relação entre «valores» intrínsecos e «preços» correntes nos mercados das diversas mercadorias. Uma tal reflexão implica considerar o papel do dinheiro e as sua diversas funções de instrumento de troca, reserva de valor, unidade de conta e, sobretudo, instrumento de comando e controle.
Ao longo das últimas décadas, as grandes empresas transnacionais, bancos e fundos de investimento, conseguiram uma – até agora – vitória espantosa sobre as veleidades de soberania monetária dos estados nacionas. Estou a referir-me à livre curculação de capitais e à «invenção» de um sistema mundial «offshore» que daí resultou, a partir da qual invenção tem sido possível chantagear os Estados, em particular todos aqueles em que tenha havido veleidade de alguma redistribuição da riqueza societal por via de impostos, por exemplo.
Essa invenção tem permitido a todas as grandes empresas transnacionais, não só manipular os preços, de todas as suas mercadorias, quase que a seu bel prazer, mas também minimizar os impostos sobre os lucros, que teriam a pagar, até para seu benefício operacional.
Disse.