Intervenção de Guilherme da Fonseca-Statter, Economista, Sessão Pública «Salário, preço e lucro – Uma questão actual»

Reflexões sobre as Conferências de Karl Marx dedicadas ao tema «Salário, Preço e Lucro» Ou «Síntese dos Conceitos Fundamentais Inscritos no Texto de Marx»

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Boas tardes a todos, amigos e camaradas, 

O conteúdo das 2 palestras de Karl Marx «Salário, Preço e Lucro» representa já uma síntese das suas reflexões – poderíamos dizer  das suas descobertas - sobre a lógica dinâmica do processo  histórico de acumulação capitalista.  

De certa forma, o equivalente ao ADN do Capitalismo.  Estávamos nos primórdios do Capitalismo industrial e havia  distintas formas de explicar os respectivos fenómenos. Muito em  particular a relação entre salários e lucros. 

Dito isto, embora a «taxa de lucro» que é referida neste texto  por Karl Marx seja, em rigor, aquilo que ele mesmo veio a chamar de «taxa de exploração» (ou de sobrevalor), assinalando a sua  queda tendencial em resultado do crescimento da força produtiva  dos trabalhadores, o fenómeno da evolução tendencial da «taxa  de lucro geral» era uma banalidade empiricamente constatada  por todos os analistas de então e está assim subjacente a toda a  discussão do tema que aqui nos traz.  

O economista David Ricardo procurara explicar o fenómeno da recorrente queda tendencial da taxa de lucro, de um modo que  tinha implícita a ideia de que para aumentar os salários teriam  que se reduzir os lucros. Como se o «bolo económico» societal  fosse uma constante ditada por alguma «Lei da Natureza» e não  houvesse, já então, uma permanente progressão tecnológica e  aumento da produtividade societal daí decorrente. 

Pois bem, era neste contexto que o cidadão Weston, sindicalista  referido e criticado por Marx, defendia a ideia Ricardiana de que  seria inútil o combate pelo aumento dos salários já que a  resposta seria, naturalmente, um aumento geral dos preços, por  parte dos capitalistas, para que, desse modo, permanecessem  intactos os lucros do Capital  

Na sua crítica às teses Ricardianas, Marx faz uso, até pedagógico,  das suas inovações teóricas, cruciais para uma adequada  compreensão da dinâmica de acumulação do Capital. A primeira destas inovações teóricas é o conceito, até então  ignorado, de «força-de-trabalho», de que resultam os conceitos derivados de «sobretrabalho» e de «taxa de exploração», assim  como, ainda que modo implícito, os conceitos fundamentais de  «capital constante» e «capital variável» (em vez das tradicionais  categorias da Economia Política de raiz burguesa, «capital fixo»  e «capital circulante»).  

Devo assinalar que nas 2 palestras que estão na origem do seu  livrinho, Marx quase não utiliza a expressão «taxa de exploração» e, em vez disso, usa em seu lugar, quase sempre, a expressão  «taxa de lucro», com a justificação de que, dessa forma,  denúncia, ou explícita com mais clareza, a ocultação do modo  como os capitalistas arrancam trabalho gratuito, dos seus  trabalhadores assim explorados. 

Vejamos então, com um mínimo de detalhe, outras inovações  teóricas que se consideram cruciais para o entendimento da  dinâmica de acumulação capitalista. Constituem aquilo que  poderemos designar por «Ontologia Marxiana». 

No caso do então inovador conceito de «força-de-trabalho» trata se simplesmente do conceito ou categoria analítica que permitiu  a Marx resolver o problema, aparentemente paradoxal, da Teoria  Laboral do Valor.  

Consistia esse paradoxo no raciocinio circular subjacente à  questão de que «se era o trabalho aquilo que determinava o valor  de todas as mercadorias, como se poderia determinar o valor do  trabalho?»...  

Ao considerar a força-de-trabalho como sendo a mercadoria de  que os trabalhadores são de facto proprietários e que é, por eles,

vendida ou alugada, então Marx concluia que, como todas as  mercadorias, o valor da força-de-trabalho seria determinado pelo  binómio «tempo-energia» gastos na obtenção, manutenção e  reprodução da força-de-trabalho de cada membro das classes  trabalhadoras. 

Falo aqui num binómio «tempo-energia» para significar os  diversos tipos de capacidades, conhecimentos técnicos ou  especializações profissionais e aos respectivos tempos de  «aprendizagem, estudo e exercício», até o trabalhador estar apto  a desempenhar determinadas funções profissionais. 

Em termos comuns, ao falarmos daquilo que é necessário para  criar, manter e reproduzir a «força-de-trabalho», estaremos a  falar dos múltiplos bens necessários à vida corrente dos membros  das classes trabalhadoras. 

Ainda no contexto da aqui chamada «Ontologia Marxiana»,  temos a distinção – também ela crucial – entre «capital constante» e «capital variável».  

Trata-se de uma das descobertas ou inovações mais importantes  de todo o labor intelectual de Marx, pois que são esses dois  conceitos que permitem descortinar (ou esclarecer) como  aparece o conceito, também ele fundamental de «mais valia» ou  sobrevalor.  

Enquanto que o «capital constante» não é mais do que o trabalho  acumulado de anteriores gerações de trabalhadores, o qual por  isso mesmo é por vezes designado por «trabalho morto ou  acumulado» e que, por conseguinte, não faz mais do que  transferir parcelas do valor que está aí já materializado, para as  novas mercadorias que vão sendo produzidas,  

O «capital variável» (que é muitas vezes designado por «capital  vivo») esse sim, tem a capacidade de acrescentar valor ao valor  que já existia, sendo esse «valor acrescentado» o fruto do  trabalho actual, vivo, corrente, que é de facto despendido pela  geração activa de trabalhadores.  

Entretanto, e num primeiro momento analítico, verificamos que  os capitalistas se apropriam de mercadorias produzidas pelos  seus trabalhadores sem que, em rigor, as tenham pago, em 

termos de um equivalente monetário da riqueza material  efectivamente produzida por esses seus trabalhadores.  Tudo de forma legal e dentro dos parâmetros da moral e da  justiça prevalecentes, pois que o capitalista será suposto pagar  a força-de-trabalho pelo seu valor real efectivo, ou seja, o valor  equivalente ao valor de todas aquelas coisas (bens e serviços)  que são necessários para a manutenção e reprodução da  respectiva força-de-trabalho. 

A este respeito, já assinalava Marx que um embaratecimento  destes artigos de primeira necessidade, corresponderá a um  possível aumento do valor efectivo dos salários. Mas o contrário  é também possível. Ou seja, o encarecimento dos tais «artigos  de primeira necessidade» (casa, comida, vestuário, energia e  transportes, para citar apenas os mais prementes), que é cada  vez mais visível na actual conjuntura, corresponde a uma efectiva  desvalorização desses mesmos salários.  

Só que, entretanto, os membros da classe dos capitalistas, pelo  menos aqueles que, o mais de útil que fazem, é gerir os  processos de produção de riqueza, confrontam-se com a  necessidade de realização efectiva dos valores que vão sendo  produzidos.  

Ou seja, de um ponto de vista dos donos do Capital, vai ser  necessário converter em dinheiro circulante, todas aquelas  mercadorias que os trabalhadores lhes entregaram a troco do  aluguer das respectivas forças-de-trabalho. Por outras palavras,  de um ponto de vista dos donos da fracção do Capital que  designamos por «capital constante», não basta produzir riqueza,  é preciso vendê-la para realizar os lucros e continuar no processo  de acumulação.  

A respeito desta necessidade de concretização das vendas para  realização do objectivo último da produção capitalista, levanta se o problema do poder de compra efectivamente disponível e,  ainda a esse respeito, neste seu livrinho Marx assinalava já a  relativa incapacidade, por parte das classes possidentes de  capital, de realizar a totalidade do sobrevalor produzido,  recorrendo à produção e venda de mercadorias superfluas. Por  outras palavras, e segundo o próprio Marx, já no seu tempo seria 

notório o facto de que o mercado de luxo não teria dimensão  suficiente para dar vazão a toda a riqueza societal que vai sendo  produzida. 

Temos então que os capitalistas, no seu conjunto como classe,  vão ter que converter em dinheiro todas as mercadorias,  correspondentes ao sobretrabalho que os trabalhadores, no seu  conjunto como classe, lhes entregaram em troca dos seus  salários. 

E é aqui que começam os problemas da realização do capital que  fora «empatado» na produção. Ou seja, os «valores» produzidos  têm que ser transformados em «preços» e estes «preços»  traduzidos em dinheiro. Para essa tradução ou conversão dos  preços em dinheiro contado é preciso que haja uma procura  solvente, como diria mais tarde um certo Keynes. Seja como for,  e no que diz respeito às recorrentes, ainda que por vezes ligeiras,  variações dos preços, aquilo que temos, ao fim e ao cabo, é uma  instrumentalização dos preços como veículos de captura de  fracções acrescidas dos valores que vão sendo criados pela força 

de-trabalho das classes trabalhadoras. 

Básicamente é isso que procuram fazer todos os responsáveis  pela gestão de preços e produtos das grandes empresas  transnacionais: manipular preços de modo a maximizar quotas  de mercado, assim como as vendas e lucros daí resultantes.  

Mas voltemos ainda àqueles conceitos fundamentais referidos, ou  sugeridos, por Karl Marx, que se consideram necessários para  uma adequada compreensão da lógica dinâmica subjacente ao processo de acumulação capitalista, assim como para uma sua  eventual mas necessária, superação. 

Vimos que em primeiro lugar se destacam as noções ou conceitos  de «capital constante» e «capital variável», sem os quais  conceitos não é possível olhar o sistema capitalista e ver a lógica  da sua evolução. Sabemos já que o «capital constante» não é  mais do que a riqueza material que terá sido o resultado de  trabalho acumulado, herdado de gerações de trabalhadores que  nos antecederam. 

Sabemos também que o «capital variável», por um lado, começa  por ser aquilo a que modernamente se tornou elegante designar  por «capital humano» mas que, por outro lado e para efeitos da  nossa análise, acaba sendo a capacidade aquisitiva, por parte dos  donos de capital constante, para pagar a força-de-trabalho de  que são proprietários os membros das classes trabalhadores. 

Sendo que essa capacidade aquisitiva, por parte dos diversos  tipos de empresários capitalistas, se nos apresenta sob a forma  de capital financeiro, por vezes sob a máscara de crédito bancário  o qual, muitas vezes, mais não deveria ser do que a  representação simbólica e equiproporcional da riqueza material,  entretanto acumulada sob o controle dos donos de Capital. 

Ou seja, podemos assumir que o conceito de «capital variável»  terá como que duas instâncias (ou faces de uma mesma moeda):  Por um lado é a força-de-trabalho disponível, por outro lado é o  capital financeiro que vai – ou não – dar uso, dar emprego, a  essa força-de-trabalho em busca de emprego e utilização.  

Entretanto, a este respeito, deve salientar-se que toda esta  análise de Marx, embora faça algumas referências à questão do  dinheiro, tem como base o referente material que é constituído  pelos metais preciosos, designadamente o ouro e a prata. Isto  sucedia (no tempo de Karl Marx) e poderá continuar a suceder,  na medida em que a quantidade limitada ou escassez física do  ouro e prata na crosta terrestre, leva a que os seus custos de  extração e refinação possam servir como referentes,  razoavelmente estáveis, da «essência» substantiva do valor, sob  a forma do binómio «Tempo-Energia» necessários para a sua  produção, até estar ao dispor dos bancos centrais, por exemplo. 

Isto para referir, mas sem entrar aqui em detalhes, a questão do  papel-moeda e da inflação. 

No capítulo final deste seu livrinho «A luta entre o Capital e o  Trabalho», Karl Marx diz-nos a certa altura «tendo demonstrado  que um aumento geral de salários resultaria numa diminuição da  taxa geral de lucros, sem afectar porém os preços médios das  mercadorias, nem os seus valores.»  

Temos que lembrar que aqui Marx se refere, não à taxa de lucro  no sentido em que veio a usar essa expressão nos livros de «O  Capital», mas sim querendo significar «taxa de sobrevalor» ou 

«taxa de exploração». Em resumo, quanto maior a taxa de  exploração, maior a taxa do lucro.  

Pois bem, neste contexto, vejamos agora – de um modo sintético  e até de acordo com as cicunstâncias desta terceira década do  século XXI - os vários processos de interacção dinâmica entre os  já referidos conceitos fundamentais da abordagem Marxiana. 

De certa forma tudo se resume a uma equação matemática,  aparentemente simples mas, na realidade, razoavelmente  complexa. Estou a referir-me à equação que representará a  interactuação das diversas variáveis em jogo: capital constante,  capital variável, taxa de exploração ou de sobrevalor, composição  orgânica do capital e taxa geral de lucro, sendo que a composição  orgânica do capital acaba por representar a relação dinâmica  matemática entre capital constante e capital variável. 

Aqui chegados diriamos então que a «taxa geral de lucro é igual  à taxa de exploração a dividir pelo somatório da composição  orgânica do capital, mais um». Por outras palavras, «r = e / (k  + 1)».  

Desta equação se poderá dizer que é como que uma síntese das  muitas e detalhadas explicações para as variadas possibilidades  de evolução da taxa de lucro, que se podem encontrar ao longo  de todo o Livro III de «O Capital». 

Temos assim que para que aumente a taxa geral de lucro, ou que  pelo menos esta não caia, é preciso pelo menos uma de três condições: ou o aumento bruto dos tempos de trabalho, ou uma  intensificação dos ritmos de trabalho ou uma redução dos  salários, ou uma combinação destas três situações, para que em  qualquer dos casos, resulte um aumento da taxa de exploração. Ou seja, em consequência disso, sempre que aumente a taxa de  

exploração tenderá a haver um aumento da taxa geral de lucro. Daquele processo de interacções entre as variáveis envolvidas,  com a sua evolução inter anual, vem a resultar uma oscilação  recorrente em volta de uma possível «taxa de equilíbrio». Tem  sido essa oscilação recorrente que tem sido aproveitada por  alguns críticos da análise Marxiana do capitalismo, para  defenderem a ideia de que afinal não haveria uma tendência  histórica, global ou de longo prazo, para a queda da taxa de lucro, 

pois que – segundo esses críticos – a «coisa» teria resultado  numa indeterminação. 

Esquecem sempre – esses críticos – que está ali subjacente,  naquela equação, uma contradição fundamental entre, por um  lado, a poupança forçada, imposta às classes trabalhadoras e,  por outro lado, a relativa insuficiência de consumo, por parte das  classes possidentes de Capital, em particular os seus segmentos  mais parasitas.  

Ás situações recorrentes que vão resultando dessa contradição,  uns chamam «crises de sobreprodução», outros «crises de  subconsumo».  

Considerando que é a perspectiva holística aquela que perpassa  pelas páginas do Livro 3 de «O Capital» (aliás de toda a obra de  Marx), vejamos agora toda esta questão de um ponto de vista da  globalidade do subsistema económico, parte do sistema mais  amplo constituído pelas interacções entre a Humanidade como  um todo e o seu meio ambiente planetário.  

Olhando para o sistema capitalista na sua globalidade e tendo  em conta os referidos conceitos básicos, poderemos constatar  que na sua permanente interacção com a Natureza, por meio da  aplicação de diversas formas de Energia na transformação de  Matéria, a Humanidade tem vindo sempre sendo capaz de  produzir «bens» ou «mercadorias», para lá das suas  necessidades imediatas. Assim sendo, da totalidade da produção  económica temos que dos bens produzidos, uns podem ser  qualificados de «necessários», enquanto outros poderão ser  qualificados de «excedentes».  

Ao longo da sua história de milénios têm sido vários os sistemas  institucionais de apropriação e disposição dos bens qualificados  como excedentes. Em regime capitalista, são basicamente os  capitalistas, muitas das vezes por intermédio dos seus  mandatários institucionais, quem decide do destino a dar a esses  excedentes. 

É aqui, neste «nó górdio» de qual o destino a dar aos excedentes,  que reside o «ponto crítico» da estabilidade do subsistema  económico. Básicamente esses excedentes ou vão para o  consumo ostentatório das classes possidentes mais parasitárias,  ou vão para consumo destrutivo de material de guerra ou, do mal 

o menos, para a acumulação de Capital, sob a forma de «capital  constante» ou sob a forma de capacidade aquisitiva de «capital  variável».  

Em todo o caso, aquilo que se tem vindo a observar, ao longo dos  séculos (ainda que de modo irregular ou «aos altos e baixos») é  um uso crescente da Natureza, os chamados recursos naturais,  assim como a uma eficiência crescente, nessa interacção com a  Natureza, por via da acumulação contínua de Ciência e  Tecnologia.  

E assim voltamos a um novo ciclo de aumento da produtividade,  com aumento da produção de excedentes e a necessidade da sua  venda ou consumo mercantil. É daqui, desde ciclo vicioso que  vêm a resultar crises de sobreprodução e/ou subconsumo ou  também os chamados «ciclos de destruição criativa» que  Schumpeter descreve mas que, em rigor, não explica.  

Relativamente a esta questão de quem decide sobre o destino a  dar ao excedente económico que vai sendo produzido, vale a  pena referir aqui uma célebre passagem d’O Manifesto.  Parafraseando Marx e Engels, «Por conseguinte, na sociedade  capitalista o passado controla o presente e na sociedade  comunista o presente controla o passado».  

Para concluir esta brevíssima reflexão sobre o tema que nos foi  proposto, faltar-nos-ia abordar a questão da relação entre  «valores» intrínsecos e «preços» correntes nos mercados das  diversas mercadorias. Uma tal reflexão implica considerar o papel  do dinheiro e as sua diversas funções de instrumento de troca,  reserva de valor, unidade de conta e, sobretudo, instrumento de  comando e controle. 

Ao longo das últimas décadas, as grandes empresas  transnacionais, bancos e fundos de investimento, conseguiram  uma – até agora – vitória espantosa sobre as veleidades de  soberania monetária dos estados nacionas. Estou a referir-me à  livre curculação de capitais e à «invenção» de um sistema  mundial «offshore» que daí resultou, a partir da qual invenção  tem sido possível chantagear os Estados, em particular todos  aqueles em que tenha havido veleidade de alguma redistribuição  da riqueza societal por via de impostos, por exemplo. 

Essa invenção tem permitido a todas as grandes empresas  transnacionais, não só manipular os preços, de todas as suas  mercadorias, quase que a seu bel prazer, mas também minimizar  os impostos sobre os lucros, que teriam a pagar, até para seu  benefício operacional. 

Disse.

  • Economia e Aparelho Produtivo