O acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVG) é uma conquista da luta das mulheres.
Dirijo daqui uma saudação às mulheres do nosso País, às mulheres trabalhadoras, mulheres de uma enorme força e coragem, que lutaram e lutam pela igualdade, contra as descriminações, pela emancipação das mulheres, contra o obscurantismo, pela concretização dos direitos, designadamente dos direitos sexuais e reprodutivos. Um sublinhado especial para Odete Santos, mulher, comunista, incansável lutadora, de uma intervenção ímpar na defesa dos direitos das mulheres, no combate ao aborto clandestino e pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Foi pela iniciativa do PCP, que pela primeira vez a interrupção voluntária da gravidez foi discutida na Assembleia da República, no ano de 1982.
Desde então foram precisas mais de duas décadas para a consagração na lei da interrupção voluntária da gravidez em 2007. Foi um enorme avanço civilizacional. Pôs fim ao flagelo do aborto clandestino, inseguro e que tantas vezes deixou sequelas na saúde física e psíquica das mulheres, comprometeu a fertilidade e até levou à morte. Pôs fim ao julgamento das mulheres, expondo a sua vida e a sua intimidade, à humilhação e à crueldade.
Apesar de consagrado na lei, registam-se crescentes dificuldades no acesso à IVG, que não são indissociáveis do desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde. Há obstáculos no acesso à consulta e no encaminhamento, faltam médicos e profissionais de saúde ao mesmo tempo que são inúmeros os objetores de consciência, não se garantindo a realização da IVG em muitos hospitais públicos, com regiões do País sem qualquer resposta ou com resposta muitíssimo limitada.
Combateremos todos os retrocessos que se pretende introduzir na lei da IVG. Bem sabemos que setores retrógrados e reacionários nunca se conformaram com o direito da mulher decidir e têm aproveitado as oportunidades para introduzir obstáculos para impedir a mulher de aceder à IVG. Foi assim na anterior governação de PSD e CDS, com a alteração da lei da IVG em 2015, felizmente revertida, a primeira a ser revogada na nova fase da vida do País, na sequência da decisiva intervenção do PCP que não permitiu que PSD e CDS voltassem a formar Governo. Por isso, o PCP intervém neste debate para impedir recuos e para garantir o acesso à IVG no SNS.
Houve condições no passado recente para a resolução dos problemas que condicionam o acesso à IVG e até para o alargamento do prazo para a realização da IVG por opção da mulher. Mas não foi essa a opção do PS. Não optou, aliás recusou adotar as medidas para reforçar a capacidade do SNS, para assegurar os cuidados de saúde, nem optou por avançar nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Conscientes dos riscos de retrocessos, intervimos para os evitar.
A prioridade deve ser dada à garantia do acesso da IVG no SNS.
No seu relatório, a ERS identifica um conjunto de obstáculos desde a ausência de protocolos de articulação entre as unidades de cuidados de saúde primários e as unidades de cuidados hospitalares, à inexistência de um registo completo e atualizado dos profissionais objetores de consciência. Há 15 unidades hospitalares que não realizam IVG e dos 55 Agrupamentos de Centros de saúde, somente cinco asseguram a realização da consulta prévia.
É preciso assegurar na vida um direito consagrado na lei. Por isso nas iniciativas que PCP traz hoje a debate propomos que sejam removidos os obstáculos que dificultam o acesso à IVG desde logo, pelo estabelecimento de protocolos de articulação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares, que seja assegurado o encaminhamento entre entidades do SNS, respeitando a opção da mulher e nos casos em que sua localização seja fora da área de residência da mulher, seja assegurado transporte gratuito e que haja um registo nacional de objetores de consciência, centralizado na Direção Geral de Saúde. Respeitamos o direito à objeção de consciência, mas a objeção de consciência não pode colocar em causa um direito que a lei estabelece. A criação de um registo nacional de objetores de consciência, no setor público e privado, nos termos legais e constitucionais, constitui um instrumento que permite às unidades de saúde assegurar em cada momento, as condições de funcionamento dos serviços para garantir a prestação de cuidados e o acesso à IVG e permite igualmente prevenir abusos.
Propomos a eliminação do período de reflexão. Uma mulher quando se dirige a uma unidade de saúde para a realização da IVG já fez a sua ponderação e reflexão e já tomou a decisão. Há que respeitá-la e garantir o seu direito. Não aceitamos nenhuma menorização da mulher, nem da sua capacidade de decisão. Por outro lado, o período que decorre até à marcação da consulta e mesmo até à realização da IVG, permite essa ponderação, por isso é dispensável mais tempo para esse efeito.
O PCP sempre defendeu a realização da IVG até às 12 semanas. É essa a nossa proposta. É verdade que o período em Portugal é mais reduzido em relação a outros países na europa. Ao longo dos anos foram desperdiçadas diversas oportunidades para possibilitar a IVG até às 12 semanas, mas não houve consenso nesse sentido. Entendemos que o alargamento da IVG até às 12 semanas constitui um avanço nos direitos sexuais e reprodutivos. Um avanço do direito da mulher decidir sobre si e sobre o seu corpo, um avanço no acesso à IVG no SNS e no direito à saúde.
O compromisso do PCP é o compromisso de sempre, defender o direito da mulher decidir, em segurança e em liberdade, sem coações, reforçar os direitos sexuais e reprodutivos através do reforço do SNS, garantir o direito à saúde e o direito a uma maternidade feliz e desejada.