Projecto de Lei N.º 403/XVI/1.ª

Reforça os direitos das mulheres no acesso à interrupção voluntária da gravidez e à sua autodeterminação

(Alteração ao Código Penal e segunda alteração à Lei n.º 16/2007, de 17 de abril)

Exposição de motivos

Em Portugal, a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) foi o resultado de longas décadas de luta. Um processo marcado por intensos debates, diversas propostas legislativas, dois referendos, avanços, recuos e longos silêncios que refletiram a natureza controversa do tema. Apenas em 11 de fevereiro de 2007, após episódios como julgamentos relacionados com a sua prática, o país reconheceu o direito à interrupção voluntária da gravidez.

Uma luta que contou desde sempre com a intervenção de vanguarda do PCP, de firme combate ao aborto clandestino e às terríveis consequências na vida e saúde da mulher e sempre em claro respeito pela decisão da mulher, em defesa da sua saúde e bem-estar, em defesa de uma maternidade planeada e feliz, o Partido Comunista Português há muito que defende o direito ao acesso à interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher.

O PCP, em 1982, apresentou pela primeira vez propostas nesse sentido e, novamente, em 1984 apresentou três iniciativas legislativas em defesa da maternidade e da paternidade, do planeamento familiar e educação sexual e da exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, o que culminou com a aprovação, pela Assembleia da República da Lei n.º 6/84, de 11 de maio, descriminalizando o aborto em casos de violação, risco grave à saúde da mulher ou previsão de doença incurável ou malformação no nascituro. A aprovação dessa lei constituiu um marco histórico, no entanto, a proposta de permitir a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 12 semanas foi rejeitada, com os votos contra do PS, PSD e CDS.

Já nessa altura, por toda a Europa, vários eram os países que haviam caminhado pela despenalização da IVG, a pedido da mulher, com prazos de acesso variados, sendo a proposta do PCP - de 12 semanas - um dos mais baixos da Europa.

Em 1997, o PCP voltou a apresentar uma iniciativa legislativa para descriminalizar o acesso à interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 12 semanas que foi rejeitada. Pouco depois, o PS anunciou a decisão de apresentar um projeto de lei, mas reduzindo o período de acesso à IVG a pedido da mulher para as 10 semanas. Foi na sequência desta proposta que o PSD propôs a realização de um referendo sobre o direito de a mulher aceder a uma IVG, a seu pedido.

25 anos após a primeira proposta legislativa, apresentada pelo PCP, foi possível colocar um ponto final no flagelo do aborto clandestino, com a publicação da lei 16/2007, de 17 de abril. Uma mudança que representou um avanço significativo para a saúde das mulheres e para os seus direitos sexuais e reprodutivos, eliminando as graves infeções e mortes causadas por abortos clandestinos, preservando a fertilidade e promovendo uma maternidade consciente e feliz. Foi, e continua a ser, um marco importante na vida das mulheres e da sociedade.

17 anos após a despenalização da IVG, persistem sérios obstáculos que comprometem o acesso pleno à IVG no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em todo o território nacional. Entre esses desafios, destacam-se as dificuldades estruturais do SNS, como a falta de médicos especialistas, a desarticulação entre os diferentes níveis de cuidados de saúde, e o elevado número de objeções de consciência, muitas vezes usadas de forma abusiva. Tais problemas decorrem de políticas de desinvestimento e desvalorização do SNS, responsabilidade de sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP.

Embora a IVG por opção da mulher até às 10 semanas de gravidez seja legalmente gratuita e universal, na prática, o acesso continua limitado por falta de profissionais, desorganização interna e resistência de algumas entidades de saúde.

Portugal mantém-se como um dos países com prazo de acesso mais restritivo, pelo que a proposta de aumento para as 12 semanas, a pedido da mulher, constitui uma proposta antiga, por parte do PCP, consciente de que se trata de um último recurso e reafirmando a importância de serem criadas das condições de acesso a todas as mulheres que optem pela IVG, até às 12 semanas, salvaguardando o tempo, a segurança, e a proteção indispensáveis de modo a proteger o valor de uma maternidade desejada e feliz, sem que se torne uma corrida contra o tempo.

Esta proposta surge na necessidade de salvaguardar o direito de decidir, em segurança, liberdade e privacidade, pelas mulheres, através do SNS, fortalecendo os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, o direito à igualdade no acesso à saúde e o direito a uma maternidade planeada e feliz.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei tem por objeto o reforço dos direitos das mulheres no acesso à interrupção voluntária da gravidez e à sua autodeterminação, procedendo para o efeito às seguintes alterações:

  1. Alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março;
  2. Segunda alteração à Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que determina a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez.

Artigo 2.º

Alteração ao Código Penal

O artigo 142.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, com a redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 90/97, de 30 de julho e pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 142.º

Interrupção da gravidez não punível

  1. Não é punível a interrupção da gravidez efetuada por médico, ou sob sua direção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com consentimento da mulher grávida, quando:
    1. (…);
    2. Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 14 semanas de gravidez;
    3. (…);
    4. (…);
    5. For realizada, por opção da mulher, nas primeiras 12 semanas de gravidez.
  2. A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
  3. Na situação prevista na alínea e) do n.º 1, a certificação referida no número anterior circunscreve-se à comprovação de que a gravidez não excede as 12 semanas.
  4. O consentimento é prestado:
    1. (…);
    2. No caso referido na alínea e) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção.
  5. (…).
  6. (…).
  7. (…).
  8. (…).
  9. (…).»

Artigo 3.º

Alteração à Lei n.º 16/2007, de 17 de abril

São alterados os artigos 2.ª, 4.º e 6.º da Lei n.º 16/2007, que determina a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

Consulta, informação e acompanhamento

  1. (…).
  2. A informação a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal é definida pelo Governo, por portaria, devendo proporcionar o conhecimento sobre:
    1. (…);
    2. (…);
    3. A disponibilidade de acompanhamento psicológico;
    4. A disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social.
  3. Os estabelecimentos de saúde referidos no n.º 1, garantem em tempo útil, as consultas de ginecologia e obstetrícia e, sempre que seja requerido, disponibilizam serviços de apoio psicológico e de assistência social dirigidos às mulheres grávidas.
  4. (…).

Artigo 4.º

Providências organizativas e regulamentares

  1. (…).
  2. São objeto de regulamentação por portaria do Ministério da Saúde, os procedimentos administrativos e as condições técnicas e logísticas de realização da interrupção voluntária da gravidez em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, designadamente atribuindo aos cuidados de saúde primários, sejam ou não da área de residência o esclarecimento dos procedimentos administrativos e clínicos; o requerimento da ecografia de datação da gravidez, a referenciação e a marcação da requerente para a unidade do SNS à sua escolha, garantindo em tempo útil o acesso à interrupção voluntária da gravidez.

Artigo 6.º

Objeção de consciência

  1. É assegurado aos médicos e demais profissionais de saúde o direito à objeção de consciência relativamente a quaisquer atos respeitantes à interrupção voluntária da gravidez, competindo ao Ministério da Saúde e às unidades de saúde assegurar que não é prejudicado o acesso à interrupção voluntária da gravidez e o cumprimento dos prazos legais, o direito à vida e à saúde e a liberdade de decisão da requerente.
  2. (…).
  3. Uma vez invocada a objeção de consciência, a mesma produz necessariamente efeitos em todos os estabelecimentos de saúde onde o médico ou profissional de saúde presta serviços, independente da sua natureza.
  4. (…).
  5. (…).
  6. (Novo) O Ministério da Saúde assegura e regulamenta, no pleno respeito pela proteção de dados, um registo nacional de médicos e profissionais de saúde que tenham manifestado o direito à objeção de consciência, sob a responsabilidade da Direção Geral de Saúde, que permita planificar e garantir a existência de médicos e profissionais de saúde que assegurem o acesso à interrupção voluntária da gravidez.»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

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