A decisão do Tribunal de Aveiro de absolver as mulheres foi justa e é a única socialmente admissível.
O acórdão demonstrou que juizes honestos não podem ter outra posição perante mulheres acusadas de aborto clandestino, sujeitas aos maiores vexames de um processo inadmissível, que fere a sua privacidade e dignidade, pondo em causa direitos fundamentais.
Demonstrou que a cláusula do código penal, que permite a condenação das mulheres até três anos, é irracional, estúpida e anti-social, dado que não corresponde à realidade do país, é de muito difícil aplicação, implica custos financeiros elevados e o desvio de meios humanos e técnicos que são essenciais para combater o banditismo, o branqueamento de capitais, o crime organizado de tráfico de seres humanos e de droga, que, assim, continuam a agir mais à vontade.
Demonstrou também , como o juiz fez questão de sublinhar no final da leitura do acórdão, que são perfeitamente legítimas as manifestações de solidariedade da população para com as mulheres vítimas de uma lei socialmente injusta, e dos inúmeros apelos que no País e no estrangeiro estão a ser dirigidos à Assembleia da República para que altere a lei e resolva este problema de uma vez por todas.
Mas demonstrou também que há magistrados que persistem nesta perseguição às mulheres, como o representante do Ministério Público, que já anunciou ir recorrer da sentença e manter as acusações contra as mulheres. Será que não encontra na sociedade processos de gravidade e verdadeiros crimes que justifiquem a sua cruzada justiceira?
Sabe-se que a realização de processos de investigação e os julgamentos geram grande sofrimento às mulheres e suas famílias, têm graves consequências na vida e saúde psicológica das mulheres que se sentam no banco dos réus e aumentam a insegurança em torno de todo este processo. O que acaba por ter efeitos no negócio em torno do aborto clandestino, que fica mais caro, e alguém ganha mais com isso.
Sabe-se como a manutenção da lei punitiva acaba por ter efeitos profundamente negativos sobretudo para as mulheres que não dispõem de possibilidades para se deslocarem ao estrangeiro onde não há problemas com a realização do aborto.
Daí que, quem se opõe à alteração da actual lei assume, de facto, a responsabilidade política e moral dos danos resultantes do flagelo do aborto clandestino. Quem se opõe à alteração da actual lei assume a responsabilidade política e moral de condenar as mulheres, em particular das camadas mais desfavorecidas, a circuitos clandestinos, crescentemente perigosos para a sua privacidade e para a sua saúde.
Sabe-se como, presentemente, Portugal mantém uma situação altamente preocupante da gravidez adolescente. Segundo o Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, publicado em 2003, dedicado aos direitos sexuais e produtivos, Portugal tem uma taxa de gravidezes adolescentes de 17%, apenas ultrapassada, na União Europeia, pelo reino Unido ( 22%).
Por tudo isto, assume particular importância o debate sobre o aborto, na Assembleia da República, no próximo dia 3 de Março, em que o PCP sujeita à discussão e votação o seu projecto-lei de despenalização do aborto até às 12 semanas, a pedido da mulher, alargando este prazo em situações particulares, ao mesmo tempo que propõe a organização dos serviços hospitalares por forma a responderem às solicitações de prática da interrupção voluntária da gravidez.
Trata-se de defender a dignidade das mulheres e de promover todos os seus direitos.