No atual quadro, marcado pela situação de emergência de saúde pública ocasionada pela epidemia da doença COVID-19 e pelas suas consequências no plano económico e social, têm sido tomadas medidas excecionais e temporárias com vista à salvaguarda da estabilidade e das condições de vida da população.
Devendo ser fixadas salvaguardas no que diz respeito aos contratos de arrendamento, devem existir também salvaguardas para as situações de possível incapacidade de cumprimento de créditos à habitação, em especial considerando as dificuldades que ameaçam o emprego e os rendimentos dos trabalhadores e do povo que levam a que as expectativas quanto ao cumprimento do pagamento das prestações estejam agora, em muitos casos, postas em causa.
Tendo em conta essa situação, vários bancos – desde logo, o banco público, a Caixa Geral de Depósitos – tomaram a iniciativa de permitir períodos de carência aos clientes que o solicitassem.
No entanto, nem todos os bancos o fizeram. Tem particular significado que o Novo Banco, um banco que tem recebido milhares de milhões de euros pagos por todos os portugueses para cobrir o buraco sem fundo da ruinosa gestão privada, não tenha tomado de imediato essa iniciativa.
Entretanto, o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que prevê o diferimento do cumprimento de obrigações perante o sistema financeiro. O referido decreto-lei tem, no entanto, a limitação de se aplicar, no que diz respeito a pessoas singulares, apenas a determinadas situações decorrentes das medidas de prevenção e resposta ao surto epidémico. Ora, considerando que a situação económica e social se tem degradado, as situações de dificuldade financeira aplicam-se a muitas famílias, mesmo que não estejam diretamente abrangidas por tais medidas.
A proposta que o PCP apresenta com o presente Projeto de Lei visa tornar obrigatório esse período de carência, caso seja solicitado pelos clientes bancários, permitindo fazer face às situações de maior dificuldade económica, no caso de créditos à habitação para aquisição de habitação própria e permanente.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
- A presente lei estabelece um regime excecional e temporário de aplicação de um período de carência de capital no âmbito de contratos de mútuo bancário destinados à aquisição de habitação própria e permanente.
- O regime definido pela presente lei é aplicável aos contratos de mútuo bancário destinados à aquisição de habitação própria e permanente celebrados por instituições de crédito e sociedades financeiras, identificadas nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na sua redação atual, doravante designadas «instituições de crédito».
Artigo 2.º
Período de carência
- A requerimento do mutuário, as instituições de crédito ficam obrigadas a aplicar, durante a vigência da presente lei, um período de carência de capital aos contratos de mútuo bancário destinados à aquisição de habitação própria e permanente.
- O regime de carência de capital referido no número anterior abrange a suspensão da obrigação de pagamento de quaisquer prestações pecuniárias previstas contratualmente, não implicando a constituição em mora, o vencimento antecipado do contrato ou o incumprimento contratual.
- O requerimento referido no n.º 1 é apresentado sob a forma e utilizando os meios previstos contratualmente para as comunicações entre o mutuário e a instituição de crédito, produzindo efeitos desde a data da sua apresentação.
- O período de carência a aplicar corresponde ao período requerido pelo mutuário, não podendo ultrapassar seis meses, sem prejuízo de eventuais renovações.
- A renovação do período de carência está sujeita às condições previstas para o requerimento inicial.
- A aplicação do período de carência previsto na presente lei determina a extensão do prazo global para cumprimento do contrato por período idêntico à duração total do período de carência que venha a ser aplicado, não podendo constituir motivo justificativo para alteração das demais condições contratuais.
Artigo 3.º
Entrada em vigor e vigência
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora enquanto se mantiverem em vigor as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.